O odioso futebol moderno
O futebol já faz parte do circuito dos multimilionários. Cada vez mais seus donos são indivíduos que não sentem nada pelo clube que presidem
Em um desses jantares oficiais aos quais você comparece de má vontade porque acha que vai morrer de tédio, ou de fome, sentei ao lado de um senhor que na hora dos aperitivos me contou que colecionava pentes. Que grande idiota, pensei. Tinha milhares, de todas as formas, cores, procedências; alguns nem sequer serviam para se pentear. Essas coleções sempre me pareceram ridículas e doentias. Eu lhe dei os parabéns, e me atentei ao seu cabelo, para ver se estava careca; isso teria dado mais valor a sua coleção. Depois, com certa ingenuidade, perguntei se por acaso ele era cabeleireiro ou barbeiro. Negou com a cabeça. Esclareceu que tinha uma fábrica de parafusos. Mas gostava muito de se pentear, disse sorridente.
Menciono essa história sempre que um xeique ou um empresário chinês - como na última semana, quando um grupo de empresários da China se interessou por comprar o Celta de Vigo, da primeira divisão do Campeonato Espanhol - compram um clube de futebol para sua coleção de objetos de negócio. O que pode fazer com que uma pessoa que não goste de futebol, sinta-se de repente interessada pelo futebol? O futebol? Não, por favor. Falamos de homens de negócios que não têm predileção por cores, mas por oportunidades. O mercado não precisa de sentimentos, de paixões, de torcedores. Em certo sentido, usam os clubes que compram para pentearem-se. A seu modo, trata-se de um objeto que possui certa beleza. Se um dia a equipe afundar, ou lucrarem o máximo possível, pentearão o cabelo, pensarão que é apenas um negócio, e irão brincar com seu dinheiro em outro lugar. Existem mais pentes no mundo. Talvez depois adquiram a Chevrolet, o The New York Times e o Empire State.
O futebol já faz parte do circuito dos multimilionários. Cada vez mais seus donos são indivíduos que não sentem nada pelo clube que presidem. Quando não for rentável, não terão nenhuma ligação. Menos do que nada, uma emoção, tão prejudicial aos negócios. Não são dessa equipe, simplesmente são seus proprietários. Apreciam seu valor comercial, mas ignoram o que é se emocionar por algo que acontece dentro de campo, durante o jogo, e que remete aos afetos. Esses são a única coisa que sobrevive desde que se inventou esse esporte, e o que está em perigo desde que se transformou nisso que chamamos odiosamente de futebol moderno, e a publicidade, as televisões e os especuladores tomaram o controle.
Não sei por que, ao pensar em tudo isso me vem à cabeça a segunda temporada da série A Família Soprano, quando o dono de uma loja de esportes, amigo de infância do próprio Tony Soprano, consegue com que este o aceite em uma de suas partidas de pôquer. As coisas não saem bem e contrai uma dívida estratosférica. Para recebê-la, Tony assume a gerência de sua loja, e começa a realizar pedidos e mais pedidos aos fornecedores. “Por que me deixou entrar naquela partida?”, pergunta arrependido o proprietário, que vê sua ruína se aproximar. “Sabia que tinha esse negócio; é minha natureza”, admite Tony. “Qual é o final?”. “O final é a bancarrota total. Não é a primeira pessoa que deixamos sem um tostão. É assim que ganho a vida”.
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