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Furacão Doria arrebata São Paulo

Afilhado político de Geraldo Alckmin leva principal prefeitura do país no primeiro turno Vitória avassaladora aumenta o capital político do governador para a presidência em 2018

Geraldo Alckmin comemora a vitória do afilhado político João Doria.
Geraldo Alckmin comemora a vitória do afilhado político João Doria.J.F.DIORIO (ESTADÃO CONTEÚDO)
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Candidato novato, afilhado político do governador Geraldo Alckmin e nome rejeitado por vários caciques do PSDB, o empresário e apresentador de TV João Doria Júnior, de 58 anos, venceu já no primeiro turno a eleição municipal para Prefeito de São Paulo neste domingo, com 53% dos votos válidos. É a primeira vez desde 1988, quando a eleição passou a ser disputada em dois turnos, que um pleito na maior cidade do país é decidido no primeiro turno; em todas as eleições na cidade, até agora, o PT havia disputado o segundo turno. A vitória fortalece Alckmin, que se coloca como o principal nome tucano na disputa pela presidência, em 2018.  

Na noite de domingo, em seu discurso de vitória Doria praticamente lançou o nome do governador para presidente. "Se [Alckmin] for candidato à Presidência da República, terá o apoio da população brasileira", disse o prefeito eleito. Ao mencionar Alckmin, militantes começaram a gritar "Brasil, pra frente, Geraldo presidente!".

Os 53,29% de votos que recebeu nas urnas, que representam uma vitória em quase todos os distritos de São Paulo, cobrem Doria de uma grande responsabilidade e expectativa. Sua campanha fez apostas ousadas para resolver os problemas crônicos da cidade. Para a saúde, prometeu colocar em ação o chamado Corujão, que pretende abrir hospitais privados na madrugada para exames de usuários do Sistema Único de Saúde. Para a educação, prometeu criar creches em parceria com a entidades privadas próximas a terminais de transporte público. Sai, no entanto, na frente, ao herdar obras que Fernando Haddad começou, mas não conseguiu terminar em sua gestão, entre elas ao menos um hospital e 14 CEUs, uma espécie de escola e clube que conquistou a periferia na gestão Marta Suplicy. Além disso, ganha capacidade de atrair recursos depois que Haddad conseguiu renegociar a dívida de São Paulo e garantir um selo de 'bom pagador' para a cidade.

O empresário que estreia num cargo eletivo na política conseguiu imprimir junto aos eleitores a ideia de que não é político e, sim, um administrador. "São Paulo precisa de um bom gestor", repetia. Em tempos de ojeriza à classe política, o discurso funcionou. Pouco conhecido da população, o afilhado político de Alckmin saiu de 5% das intenções de voto, no final de agosto, e chegou na véspera da votação na liderança das pesquisas, com 44% das intenções de voto. A rápida ascensão mostra uma conspiração favorável ao tucano. O sentimento anti-PT na capital paulista veio junto com a apresentação do nome do empresário como um representante do novo nesta eleição. Tinha uma baixa rejeição junto aos eleitores: apenas 17% dos entrevistados diziam que não votariam nele de jeito nenhum, enquanto os que diziam o mesmo de Haddad somavam 43%. Com isso, Doria tinha um teto maior de crescimento do que os rivais, avaliam cientistas políticos. Foi beneficiado, ainda, por um maior tempo de TV, conseguido por meio da aliança com 12 partidos.

O novo prefeito também ganhou com as novas regras eleitorais, que proibiram as doações empresariais. Mais rico dos candidatos, com um patrimônio declarado de quase 180 milhões de reais, ele investiu 2,4 milhões de reais na própria campanha. Também ganhou pontos entre eleitores ao afirmar que doará o próprio salário de prefeito para instituições de caridade.

Agora, será responsável por gerir o maior Orçamento municipal do país, que terá para o ano de 2017 50,3 bilhões de reais. Terá como um dos principais desafios desatar o nó da saúde. Uma das suas principais promessas é reduzir a fila de exames, consultas e cirurgias nos equipamentos municipais, que atualmente conta com 753.811 pedidos. A redução deste tempo, que pode chegar a cinco meses para cirurgias e consultas com um especialista, é considerada a prioridade pelo eleitor paulistano, segundo pesquisa Datafolha recente.

Filho do ex-deputado federal João Doria, que chegou a se exilar durante a ditadura militar, ele resvalou pela vida política em alguns cargos de segundo escalão. No início da década de 1980, foi secretário de turismo do Governo de São Paulo, gerido por Mario Covas, e presidente da Paulistur. Durante o governo do presidente José Sarney, presidiu a Embratur e o Conselho Nacional de Turismo, entre 1986 e 1988. Sua carreira, entretanto, se deu no meio empresarial, ao criar o Grupo Doria, que reúne seis grandes empresas, entre elas o LIDE, uma associação de empresários estabelecida em 2003 que promove o networking de companhias nacionais e internacionais. Nos encontros do grupo, alguns feitos em paraísos naturais do Brasil e do exterior, ele costuma convidar figuras políticas, que vão de presidentes, governadores a ministros, e líderes internacionais como José Maria Aznar e Al Gore. Em 2005, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também prestigiou um desses encontros. Dois anos depois, o agora prefeito lançava o movimento "Cansei", que protestava contra a "corrupção" e a "falta de segurança" e tinha o PT como um dos principais alvos de críticas.

Nos últimos dias de campanha, relações obtusas de Doria com a política começaram a ser exploradas por seus rivais. Revelou-se que ele se apropriou por 20 anos de um terreno público em Campos do Jordão, que a Justiça o obrigou a devolver na semana passada. Em 2006, ele também foi acusado de instalar, sem autorização da prefeitura, uma estátua feita por sua mulher, Bia Doria, em uma praça que sua empresa geria. Além disso, o jornal Folha de S.Paulo revelou que as revistas de seu grupo haviam recebido 1,5 milhão de reais em publicidade do Governo Alckmin. 

Sua vitória neste primeiro turno, com um índice tão alto, fortalece Alckmin, que enfrentou os principais caciques políticos do PSDB para apoiá-lo. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso só apoiou publicamente seu nome na reta final e Alberto Goldman, vice-presidente nacional do partido, escreveu há poucos dias uma carta em que o criticava. Também o cacifa para a disputa, em 2018, a uma vaga no Governo do Estado, em substituição a seu padrinho. Em sabatina realizada pelo EL PAÍS e pela EBC, ele se esquivou de responder se pretende se afastar da prefeitura em dois anos para competir pelo Estado. Neste caso, seu vice, Bruno Covas, assumiria a gestão municipal. 

Na noite de domingo, porém, garantiu que cumprirá os quatro anos que lhe cabem. “Vou cumprir meu mandato de quatro anos sem reeleição”, avisou ele, que ainda afagou caciques tucanos que o renegaram ao longo da campanha, como ao próprio Goldman, além dos senadores Aloysio Nunes e José Aníbal e o ex-presidente FHC.

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