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Fernando Haddad, o prefeito ‘pouco petista’ que sofre com o antipetismo

Candidato do PT à reeleição faz ofensiva para reconquistar a periferia, desiludida com sua gestão

O prefeito Fernando Haddad, durante campanha no Parque Novo Mundo, periferia de São Paulo, no dia 24 de setembro.
O prefeito Fernando Haddad, durante campanha no Parque Novo Mundo, periferia de São Paulo, no dia 24 de setembro.Joao Valerio (Divulgação)

Fernando Haddad, atual prefeito de São Paulo, tem à frente uma missão difícil: reeleger-se no ano em que o Partido dos Trabalhadores (PT), no qual é filiado há três décadas, vive o auge de sua crise de popularidade. Se o aquariano nascido em 25 de janeiro de 1963 fosse adepto da astrologia (não é, tem um perfil lógico e nada místico) e dos trocadilhos (também não é o caso), poderia atribuir às estrelas a conjuntura de crises múltiplas que contribuiu para que ele seja o mais rejeitado entre os postulantes à Prefeitura de São Paulo em 2016. Visto como esperança de renovação no partido, ele empreende luta desesperada na reta final para não ser o único petista a não avançar para o segundo turno em uma disputa na capital desde a redemocratização. Às vésperas da votação decisiva de domingo, Haddad tem de se confrontar com um paradoxo: é o prefeito pouco petista que sofre com o auge do antipetismo.

O PT é apontado em um levantamento do Datafolha como o partido de preferência de 9% dos eleitores da capital paulista, o menor índice desde 1985 obtido pela legenda, que chegou a ser a preferida de 35% do eleitorado em épocas passadas —mais especificamente em 2012, ano em que Haddad se elegeu. Boa parte da rejeição vem justamente de redutos petistas, a periferia de São Paulo, onde, na ausência de uma marca forte de gestão nas áreas pobres, muitos não associam o prefeito à gestões municipais da sigla do ex-presidente Lula, que anos atrás o alçou candidato a contragosto de muitos caciques do PT. Mas não é só isso. Somam-se a esse fator: uma grave crise econômica (que minguou o repasse federal à Prefeitura); a inédita onda de manifestações em 2013, que despertou um forte sentimento de rejeição partidária; a altíssima demanda que prevalece entre a população carente por serviços básicos de qualidade (alguns deles, atribuições de outras esferas do Executivo, como dos Governos estadual e federal); e, por fim, o terremoto político nacional que teve o PT como protagonista (da Lava Jato ao impeachment de Dilma Rousseff)... No mínimo, Fernando Haddad é um azarado.

Crise econômica, avalanche da Lava Jato e demandas frustradas há anos explicam dificuldade

Não que a tarefa fosse fácil, de qualquer modo, mesmo com as estrelas a favor. O eleitorado paulistano não costuma reconduzir seus prefeitos, mas o diretor-geral do Instituto Datafolha, Mauro Paulino, junta alguns pontos do panorama para explicar a situação: "O índice de rejeição a ele é comparável aos obtidos por Luiza Erundina no final do mandato e por Celso Pitta, isso lembrando a avaliação de Governo. Não fazemos perguntas específicas sobre as razões da rejeição, mas dá para ligar alguns pontos: a gente vive hoje nesse momento um recorde de eleitores que não têm partido de preferência: dois terços dos eleitores não têm um partido preferido. Então isso é um sintoma, é um sinal de que existe uma rejeição muito forte à prática política e aos políticos em geral. E quem mais perdeu com isso foi quem mais tinha a perder, que era o PT. Então certamente o Haddad sofre com essa rejeição ao partido".

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Não à toa, o prefeito passou a maior parte da corrida eleitoral tentando distanciar-se da desgastada legenda: num primeiro momento, praticamente ocultou a estrela símbolo do PT e a cor vermelha dos materiais de campanha, recuando depois após ser criticado por petistas. Já o slogan escolhido (“é mais São Paulo. É diferente”) também demonstrava um esforço de distanciamento —o que, nos bastidores, não agradou a cúpula partidária, incomodada com o "diferente". Numa outra tentativa de mostrar-se distante da crise que aflige o PT, declarou que a palavra golpe era "um pouco dura, que lembra a ditadura militar", ao falar do impeachment da ex-presidenta. Recuou depois, após críticas. Mesmo Lula, que tem se empenhado em acompanhá-lo nos atos de campanha na reta final da eleição municipal, ficou a anos-luz de distância da exposição a que se submeteu na campanha de 2012: não apareceu até agora em nenhuma peça de campanha na TV.

Por outro lado, em debates e entrevistas, Haddad exalta que é petista há 30 anos e destaca que, diferentemente de alguns de seus adversários, nunca mudou de "lado". Parte de seu drama, a despeito do ódio de parte do eleitorado ao petismo, é disputar o que resta do bastião tradicional do PT com duas de suas rivais que foram prefeitas de São Paulo pelo partido, Marta Suplicy (PMDB) e Luiza Erundina (PSOL), ambas entre os cinco melhores colocados na disputa: no último Datafolha, a peemedebista tinha 15% das intenções de voto, contra 5% da socialista e 11% do petista.

Sem caixa e com metas a cumprir

Haddad também fez uma gestão com caixa reduzido – além da queda de arrecadação própria, um dos sintomas da crise econômica-política foi a diminuição dos repasses do Governo federal às prefeituras. Em abril deste ano, para se ter uma ideia, o Planalto devia cerca de 400 milhões de reais do Programa de Aceleração do Crescimento à cidade de São Paulo. Não à toa, o prefeito foi quem encabeçou um movimento pela troca dos indexadores utilizados para reajustar as dívidas de Estados e municípios com a União, o que fez com que a dívida municipal que era de 74 bilhões passasse a 27,5 bilhões.

Seja por falta de recursos, seja por escolhas de gestão, de acordo com balanço parcial das metas da Prefeitura de São Paulo, realizado pela Rede Nossa São Paulo (movimento que integra 700 organizações da sociedade civil para monitorar as ações na cidade), até o final de agosto a gestão Haddad cumpriu 61 das 123 metas contidas no plano. Considerando, no entanto, o grau de avanço total das metas (que são divididas entre as "superadas", "100% concluídas"; "75% a 99,99% concluídas"; "50% a 75% concluídas"; "25% a 50% concluídas"; e "0% a 25% concluídas"), a organização chegou a conclusão que, a três meses do fim do Governo, Fernando Haddad cumpriu 78,96% das metas prometidas na campanha que o elegeu, e não a metade (veja o balanço).

Parte de seu drama, a despeito do ódio de parte do eleitorado ao petismo, é disputar o que resta do bastião tradicional do PT com duas de suas rivais que foram prefeitas pelo partido

Na avaliação do coordenador executivo da Rede Nossa São Paulo, Maurício Broinizi, a velocidade com que as ações têm sido realizadas e a ambição das metas explica a frustração de parte dos moradores: "Há uma frustração de expectativa concreta por não ter entregue tudo o que a periferia esperava. E acho que ninguém também teria conseguido entregar isso nesses quatro anos, porque o passivo é muito grande. Na área da saúde, por exemplo, que é a mais mal avaliada, a crise e o crescimento do desemprego geraram uma demanda muito maior sobre o SUS. Então a falta de equipamentos e de serviços públicos é grande, enquanto nem a prefeitura tem dinheiro e capacidade de execução para entregar isso em quatro anos", avalia Broinizi. O mesmo acontece com as creches municipais: mesmo tendo sido criadas mais vagas para crianças, a oferta está muito longe de acompanhar a demanda (veja no site do PlanejaSampa).

Uma das expectativas frustradas usadas à exaustão pela campanha de Marta Suplicy para criticar a gestão Haddad é o fato de apenas 1 dos 20 CEUs (Centros Educacionais Unificados) prometidos em campanha ter sido entregues. Deste total, oito estão em fase de obras (os quais a prefeitura promete entregar até o fim do ano), seis em fase de licitação, enquanto cinco ainda estão em fase de projeto. A administração municipal argumenta que a falta de verba prejudicou o processo. “Não houve repasse do Governo federal, que tem faltado com a cidade", criticou o petista, em entrevista recente à CBN.

Haddad, por sua vez, deixa suas críticas a outro alvo que não o PT: a imprensa. Atribui à cobertura dos seus três anos e nove meses de Governo o fato de a população, na avaliação dele, não conhecer as ações de sua gestão, a não ser as que levantaram mais discussão (ou polêmica), como as voltadas para mobilidade urbana —a construção de ciclovias (elogiada por especialistas, mas alvo de uma ação por improbidade administrativa que tramita em fase inicial), e a redução das velocidades nas marginais Pinheiros e Tietê (apontada como responsável por redução de mortes em acidentes, mas criticada por motoristas)—; o fechamento da avenida Paulista e outras vias aos domingos; a proposta de construção de casas populares na área de preservação ambiental do Parque dos Búfalos; e a gestão da crise dos moradores de rua, por exemplo. "O meu governo é em grande medida desconhecido. Se a imprensa não cumprir seu papel, não vai ser o cidadão que vai correr atrás da informação", disse recentemente ao jornal Valor Econômico, ao comentar a desconfiança da periferia em relação a ele.

Pesadas as críticas e os argumentos da gestão atual, o fato é que Fernando Haddad, embora tenha sido o candidato mais atacado entre os concorrentes (justamente por ser prefeito e, portanto, dever explicações sobre sua administração aos eleitores), viu seu índice de rejeição cair nas últimas semanas, com o avanço da campanha. Ainda é o mais rejeitado: 43% afirmam que não votariam de jeito nenhum no petista, segundo o Datafolha. Entretanto, esse índice há um mês era de 49% e segue em tendência de queda. "A cada pesquisa ele foi subindo um pouco nas intenções de voto e caindo na rejeição. Na última semana, na mesma periferia onde vê Marta e o Celso Russomanno liderar a disputa por votos, conseguiu dobrar suas intenções, 6 para 12 pontos percentuais", explica o diretor do Datafolha.

Animada pela reação nas pesquisas, a campanha petista tem tentado dar um sprint de ações na reta final da corrida eleitoral. Nas redes sociais, pipocam diariamente atos de manifestação de adesão à candidatura. Criada há poucos dias, a comunidade  Eu voto no Haddad, me pergunte por quê já conta com 10.000 apoiadores que incentivam o engajamento voto a voto, num esforço para atrair de última hora os indecisos entre Haddad, Marta e Erundina. Artistas (como Chico Buarque, Alessandra Negrini, Letícia Sabatella, Chico César, entre outros) e intelectuais (como o crítico literário Antonio Cândido e a urbanista Raquel Rolnik) também divulgaram mensagens de apoio ao prefeito. Quanto disso se transformará em votos, só será sabido no domingo, já que na campanha mais curta da história, muita coisa ainda pode mudar na véspera.

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