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João Doria, o “não político” de relações obtusas com a vida política

Candidato já se apropriou de um terreno público e recebeu 1,5 milhão do Governo para propagandas em suas revistas

Geraldo Alckmin e João Dória, em evento organizado pelo empresário, em maio de 2015.
Geraldo Alckmin e João Dória, em evento organizado pelo empresário, em maio de 2015.Ciete Silverio (A2D)
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João Doria Júnior cresceu na campanha eleitoral ancorado na máxima "não sou político, sou administrador", uma mensagem que caiu como uma luva em tempos de ojeriza à política. Mas, sua relação com o mundo político é longa e, muitas vezes, algo um tanto obtusa. Nos últimos anos, ele já se apropriou de um terreno público, colocou uma escultura de sua mulher em uma praça sem autorização da Prefeitura e garantiu do Governo do Estado, desde 2014, 1,5 milhão de reais em propaganda para as revistas de seu grupo.

A grande polêmica que o cerca nessa eleição municipal não está na cidade que pretende administrar, mas em sua casa em Campos do Jordão, a Villa Doria, no bairro Descansópolis. A residência de 16 suítes está avaliada em quase 2 milhões de reais, segundo a declaração que ele entregou para a Justiça Eleitoral. Doria foi denunciado pelo Ministério Público por ter se apropriado de uma área de cerca de 400 metros quadrados que pertence à prefeitura da cidade e está localizada ao lado de seu muro. A gestão municipal demandava a área desde 1996, afirmando que ele praticava "esbulho possessório de bem público", ou seja, se apossava, indevidamente, de uma área pública. O processo, que tramitava desde 1997 na Justiça, chegou à sentença em última instância em 22 de setembro e ele foi obrigado a devolver a área. Sua assessoria diz que isso já foi feito. "Diante da celeuma criada, o candidato decidiu abrir mão de seus direitos e devolveu a área", ressaltou, em nota.

O terreno em questão era uma viela sanitária inicialmente destinada ao escoamento de lixo e de esgoto do bairro de classe alta, mas que, segundo a defesa de Doria, estava sem uso e abandonada. No local, a mulher dele, a artista plástica Bia Doria, fez uma área de plantação, que servia, segundo eles, para conter a erosão do terreno que colocava em risco o muro da propriedade da família. Mas a área foi murada e isolada dos demais munícipes da cidade por um portão trancado."Ele fechou a área, construiu muro, colunas, tudo", conta Mariene Fernandes, moradora de Campos do Jordão que fez uma representação no Ministério Público contra ele em 2011. "Descobri que já existia um processo correndo na Justiça, com sentença e tudo, e ele não devolvia a área. Ele quer se beneficiar de algo que não é dele."

Há duas décadas o Ministério Público pedia a devolução da área e a prefeitura chegou a obter uma decisão judicial que determinava a desobstrução da via invadida em 2009, mas Doria propôs um acordo em que, em troca da área, doaria para o poder público um gerador de 55.000 reais e que se destinaria ao pronto-socorro da cidade -o acordo, entretanto, nunca foi aprovado pela Câmara Municipal, apesar da doação ter sido feita.

O tema entrou na campanha eleitoral e Doria passou a ser questionado sobre o terreno.

- O senhor chamou invasor de transgressor [em relação a críticas que ele faz à tática de movimentos de moradia]. Agora, o senhor foi condenado a devolver uma área pública que foi incorporada ilegalmente a sua mansão de Campos do Jordão (...) O senhor se considera um invasor?, disparou o apresentador César Tralli, em 21 de setembro, em entrevista do SPTV, um dia antes, portanto, de a sentença ter saído.

Ele respondeu que fez o acordo com a Prefeitura e que doou o equipamento em troca do terreno. Dia 23 de setembro, no debate do SBT, a candidata do PSOL, Luiz Erundina, voltou ao tema e, depois de tentar desconversar, ele respondeu:

- Minha vida é proba, é honesta e decente. Tudo o que eu conquistei na minha vida foi trabalhando. (...) Em relação a minha casa de Campos do Jordão, que eu paguei com meu dinheiro, construindo a casa, a demanda é de um terreno de 365,40 metros, no valor de 18.250 reais. Eu atendo e sou obediente à Lei. Já mandei devolver à municipalidade, disse.

A relação de Doria com os espaços públicos já havia sido questionada em 2006. Na época, reportagens afirmavam que ele havia instalado, sem autorização da Prefeitura de São Paulo, uma estátua feita por sua mulher em uma praça que era gerida por sua empresa, por meio de um convênio. No local, havia uma estátua do jornalista Claudio Abramo, que foi destruída em um acidente de carro e teve seus destroços levados pela Prefeitura como entulho dois meses depois da estátua de Bia Doria ser colocada no local, contou o jornal Folha de S.Paulo da época. Na ocasião, a prefeitura disse que a equipe que recolheu a escultura não sabia que se tratava de uma obra de arte. Doria, que além de administrar a praça morava em frente a ela, afirmou ao jornal que informou o poder público sobre o acidente no dia seguinte do ocorrido e que pediu o reparo da obra de Abramo. Diante da repercussão do caso, ele acabou retirando a obra da mulher. Procurada pelo EL PAÍS, a campanha do candidato disse que ele, assim como outros moradores do bairro, "cuidam e preservam a praça até hoje, já que a prefeitura não dá conta da limpeza e manutenção".

Verba pública

As empresas de Doria também entraram no foco da campanha depois que a Folha de S.Paulo obteve, via Lei de Acesso à Informação -legislação que obriga o poder público a fornecer informações públicas muitas vezes negadas pelas assessorias de imprensa- a informação de que as revistas do grupo receberam 1,5 milhão de reais para veicular anúncios do Governo do Estado, gerido por seu padrinho político, o governador Geraldo Alckmin (PSDB). As propagandas foram publicadas em sete revistas da Doria Editora, entre 2014 e abril deste ano, diz o jornal.

Um dos pagamentos foi referente a um publieditorial de 501.000 reais publicado na revista Caviar Lifestyle, uma revista descrita pelo grupo como "de luxo" e que tem 40.000 exemplares. A matéria da Folha afirma que os preços pagos são, em alguns casos, maiores do que os destinados a outras publicações de maior circulação. Enquanto um anúncio de oito páginas na Meeting & Negócios, da Doria Editora, de 60.000 exemplares, custou 259.000, uma propaganda de mesmo tamanho na revista Exame, de 150.000 exemplares, custou 292.000 reais. Em resposta ao jornal, o Governo afirmou que "filiação partidária não foi, é ou será o critério que condiciona a escolha dos veículos de comunicação" onde divulga suas campanhas publicitárias. A editora disse à publicação que 86% de seu faturamento vem do setor privado e que suas tabelas são de conhecimento do mercado. A campanha do candidato não se pronunciou sobre o tema. 

Nesta quinta, a Folha também afirma que as empresas de Doria receberam ao menos 10,6 milhões de estatais desde 2005, incluindo 6 milhões das gestões petistas do Governo federal e 4,5 milhões do Governo de Alckmin. Ao jornal, o candidato que defende a privatização, disse que "não viu incongruências nos repasses".  No último dia 18, o vice-presidente nacional do PSDB, Alberto Goldman, atacou o candidato do partido em uma carta, em seu blog, em que afirmou que ele demonstra evidente "falta de zelo pela coisa pública". "Administrar recursos públicos em benefício do povo é uma atividade bem diferente de administrar recursos privados para benefício próprio. São processos e objetivos distintos, nem sempre sem conflitos e contradições, e exigem uma visão política e social de natureza muito especial", destacou o texto.

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