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Venda de produtos para consumo de maconha ‘sai do armário’

Crescem as vendas de artefatos para usuários da cannabis. Debate sobre legalização das drogas no Judiciário completa um ano

Zé Gabriel, proprietário da Inca Headshop, em São Paulo.
Zé Gabriel, proprietário da Inca Headshop, em São Paulo.Fernando Cavalcanti
Marina Rossi

No mês que vem se completará um ano que o Judiciário brasileiro entrou na discussão sobre a descriminalização do uso das drogas. Foi em agosto do ano passado que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciaram o julgamento da constitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas (11.343/2006), que trata das penas para quem for pego portando ou consumindo alguma substância ilícita. O delicado debate, porém, durou menos de um mês. Ao longo desse tempo, dois ministros votaram a favor da legalização do consumo e porte da maconha especificamente: Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. O ministro Gilmar Mendes foi além e votou a favor da descriminalização do uso de "todas as drogas". Pela ordem, o próximo a votar seria o ministro Teori Zavascki, mas ele pediu mais tempo para analisar o processo e nunca mais voltou a falar no assunto.

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O Supremo pode até não ter se decidido ainda. Mas longe do Judiciário, o consumo da maconha já é liberado há algum tempo no Brasil. "A realidade é que nas regiões ricas da cidade a maconha já é legalizada", diz Zé Gabriel, proprietário da Inca Headshop, uma loja de artefatos para fumar, inaugurada há um mês na Vila Madalena. "Só é proibida na periferia".

Ao mesmo tempo em que o debate sobre a legalização do consumo da maconha não avança no Supremo, o uso da cannabis sai do armário nas ruas das regiões ricas das cidades e, nessa onda, cresce no Brasil o mercado das chamadas head shops. Assim como o estabelecimento de Zé Gabriel, são lojas que vendem sedas, dechavadores (peças cilíndricas feitas de duas partes iguais, com dentes no meio, para triturar o fumo), cachimbos, piteiras e outros artefatos “para você fumar tabaco ou o que você quiser”, como explica Verena Isaack, sócia, juntamente com Alexandre Perroud, da Ultra 420, “a primeira head shop que surgiu no Brasil”, segundo Perroud.

Quando a dupla inaugurou a loja, em 1994, a legislação brasileira era diferente. Naquela época, tanto o usuário quanto o traficante eram punidos com detenção se fossem pegos portando alguma substância ilícita. A lei mais rigorosa fazia com que pouca gente se assumisse como consumidor de maconha. “Naquela época, ser chamado de maconheiro era um insulto", conta Perroud. Ele afirma que, por isso, os clientes tinham vergonha de entrar na loja, que era "até meio escondida". "Meus amigos diziam que eu seria preso”.

Isso não aconteceu, mas o empresário contabiliza sete batidas policiais em seu estabelecimento no início. "Eu andava com um habeas corpus no bolso já", diz. Como nenhuma droga era encontrada, a polícia ia embora de mãos vazias e a loja seguia aberta. Foi somente em 2006, com a aprovação da Lei Antidrogas, que as penas mudaram. Desde então, quem for pego com certa quantidade de droga que caracterize como usuário, e não traficante, cumpre medidas educativas. É justamente o artigo 28, que trata da punição, que estava em debate no Supremo.

Com as mudanças na legislação, o comportamento do consumidor das head shops também mudou. Hoje, a loja de Perroud, instalada desde o início na Galeria Ouro Fino, um mini-shopping no coração dos Jardins – bairro onde também estão instaladas lojas de grifes — tem uma fachada laranja, chamativa. Não fica mais escondida. O chão e as paredes brancas em conjunto com uma forte iluminação, deixam o lado de dentro da loja claro, e nada se parece com o que era no início. “Eu não quero me esconder mais”, diz o proprietário.

O crescimento das head shops no Brasil tem duas razões principais: o fato de o brasileiro querer se livrar da indústria do cigarro e comprar o próprio tabaco; e a tendência de se assumir como consumidor de maconha

Perroud não só parou de se esconder, como está colhendo os frutos da coragem de ter aberto um negócio desses há mais de 20 anos. Hoje, a Ultra 420 tem três lojas físicas que, junto com as vendas online, contabilizam em torno de 150.000 reais de faturamento ao mês. Mais da metade dos produtos vendidos são de fabricação da própria marca, que agora está partindo para um projeto de expansão de franquias. "Nosso plano é abrir 100 franquias em cinco anos", diz Perroud.

A alguns quilômetros da Galeria Ouro Fino, na Vila Madalena, bairro boêmio de São Paulo, o fotógrafo Zé Gabriel abriu Inca Headshop Café. Nos mesmos moldes que a Ultra 420, a loja de Gabriel vende diversas parafernálias - como são chamados os artefatos para o consumo do fumo - todas "aprovadas pela Anvisa”, como frisa o proprietário. Com a venda dos apetrechos, a expectativa de Gabriel é de alcançar vendas de 30.000 reais ao mês. "As head shops estão crescendo", reconhece.

A Inca Headshop segue a mesma linha sem vergonha do movimento de expansão das lojas do gênero: fica de frente para a rua, é bem iluminada e arejada. "Por isso, entra todo o tipo de cliente", diz Zé Gabriel.

“Não tem recheio”

Marcelo Evangelista Meneses, sócio da marca Bem Bolado Brasil, é outro empreendedor do ramo. Sua grife carimba dois tipos de seda, dechavadores, latinhas e estojos que levam desenhos coloridos. Pelo site, vende, desde 2012, os produtos próprios e de outras marcas, como a seda espanhola PayPay.

Para ele, o crescimento do mercado das head shops no Brasil tem duas razões principais: o fato de o brasileiro querer se livrar da indústria do cigarro e comprar o próprio tabaco; e a tendência de se assumir como consumidor de maconha. "A questão agora não é mais se a maconha vai ser ou não legalizada", diz Meneses. "Mas sim, quando ela será".

Guia da etiqueta na head shop

Após ouvir perguntas absurdas e presenciar comportamentos um tanto constrangedores de alguns clientes, Alexandre Perroud, da Ultra 420, criou um pequeno manual do que não deve ser feito em uma head shop:

- Mentir a idade
- Pedir para trocar ou devolver um produto já usado porque não gostou
- Solicitar usar o WC e fumar um lá dentro
- Perguntar se tem "recheio"
- Pedir para enrolar um baseado dentro da loja
- Fazer piadinhas sobre cada produto
- Perguntar se tem para vender a droga, onde vende ou se conhece alguém que tem...
- Pedir para retirar ou retirar sem pedir uma folha de seda do livreto à venda
- Colocar a boca no bocal dos cachimbos e bongues
- Pedir para usar ou usar sem pedir os isqueiros que estão a venda
- Pedir a balança emprestada
- Pedir um "test drive "

O negócio é tão sério para Meneses, que ele foi atrás de descobrir onde se fabrica o melhor papel do mundo para enrolar cigarros. "Achei que fosse na China, onde fabricamos a seda Bem Bolado". Mas descobriu que, na verdade, é no município valenciano de Alcoi, na Espanha. Com a descoberta, passou a produzir uma seda premium ali, além da seda chinesa.

As pesquisas de Meneses, que passou três anos estudando o mercado brasileiro antes de lançar sua marca, também resultaram no traçado dos diferentes comportamentos dos consumidores brasileiros. "Descobri, por exemplo, que no Rio de Janeiro e em São Paulo o consumidor prefere a seda tamanho king size. Na Bahia, não. Preferem a seda menor", conta.

Conhecendo o mercado brasileiro mais profundamente, os frutos logo renderam para Meneses: ele afirma que no ano passado os produtos da Bem Bolado Brasil renderam 1,5 milhão de reais de faturamento. E a expectativa para este ano é de chegar a 3 milhões de reais.

As head shops surgiram nos Estados Unidos na década de 1960 com a proposta de vender as chamadas parafernálias, como os proprietários chamam os artefatos para fumar. Não são a mesma coisa que os coffee shops, onde o cliente entra, compra e fuma maconha ali mesmo, muito comuns na Holanda e agora em regiões dos EUA e no Uruguai. As head shops não vendem maconha nem nenhuma outra substância ilícita. Perroud, da Ultra 420, conta que é muito comum entrar gente na loja que não entende – ou finge não entender – essa regra. “Todo dia tem gente que entra aqui e pergunta se a gente vende o recheio”, diz. O"recheio", claro, é a cobiçada maconha pelos que esperam a sua liberação.

Tabacaria X head shop

Tabacaria e head shop não são a mesma coisa. Há muitas diferenças entre esses dois modelos de negócio.

As tabacarias, além dos apetrechos óbvios como tabaco, charuto e papel para enrolar o cigarro, também têm nas suas vitrines canivetes e outros objetos para presente. Têm uma cara um pouco mais sóbria, geralmente são lojas pequenas, feitas com balcões e armários de madeira maciça. Atrás do balcão, um senhor com cachimbo vende os produtos. É quase um padrão.

As head shops vendem sedas de diversas marcas, cores, tipos e matéria-prima. Dechavadores (são cilindros, feitos de plástico ou de metal, geralmente. Contêm duas partes, cada uma delas com dentes no meio, que juntas, são giradas de um lado para o outro para moer o fumo), bongs ou water pipe. Esta última é feita de vidro, numa espécie de vaso com canudo, servem para purificar o fumo: no fundo, coloca-se água, e em outra parte, coloca-se o fumo. A ideia é que, em contato com a água, o fumo seja purificado, porque a fumaça é resfriada, o que ameniza efeitos como tosse e pigarro depois de fumar.

Além de vender produtos diferentes, as head shops também costumam ter uma cara mais moderna que as tabacarias.

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