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GASTRONOMIA
Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

Pizza no almoço: você encara?

É curioso que em SP, capital onde se vende um milhão de pizzas diariamente, isso cause estranhamento

Pizza: uma das comidas preferidas do paulistano.
Pizza: uma das comidas preferidas do paulistano.Andy Rogers

Pizza é comida de almoço? Para mim, sem dúvida. Não só para mim, evidentemente: na Itália, berço da receita, as pessoas a consomem de dia e de noite. É curioso que em São Paulo, metrópole de paladar tão italianado, onde se vende um milhão de pizzas diariamente, a possibilidade cause algum estranhamento. Você, sempre de olho na ingestão de carboidratos, também está achando esquisito? Quem sabe passe a concordar comigo até o fim do texto.

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Desenvolvi uma argumentação peculiar com aqueles que se espantam quando comento minhas intenções de almoçar, por espontânea vontade, uma marguerita ou outra do tipo. Simplesmente pergunto: você comeria, agora ao meio-dia, uma salada caprese (mussarela de búfala, tomate e manjericão) com fatias de pão? E uma pasta fresca ao pomodoro, coberta com parmesão ralado? Diante do provável “sim”, apenas observo que, nos três casos, trata-se de... massa, queijo e tomate.

Comer pizza no almoço tem a ver com hábito e com condicionamento cultural, eu sei. Mas não somente. Ainda não são muitos os estabelecimentos que oferecem essa opção durante o dia (estamos falando de pizza boa, feita dentro de critérios minimamente à italiana, ok?). Por outro lado, a notícia alentadora é que o número de lugares que a servem ainda sob a luz do sol só faz crescer.

Fora isso, há a qualidade da dita cuja. Você associa pizza a bombas calóricas, a digestões lentas e sofridas, a massas pesadas e embatumadas, camadas e mais camadas de queijos e molhos? Eu não tiro sua razão, pois, por muito tempo, esse foi o padrão do mercado (vamos lembrar, com benevolência, que os imigrantes que vieram para São Paulo, ao fugirem da fome em sua terra natal, criaram aqui o costume da fartura em excesso). Mas, convenhamos, não precisa ser assim.

A minha pizza de almoço ideal tem, predominantemente, discos leves, bem levedados, macios e finos no meio e com bordas aeradas; mussarela de búfala em quantidade parcimoniosa; molho de tomates maduros e um toque de azeite. Como aficionado pelo tema, fico feliz em constatar que São Paulo vive uma fase interessantíssima para a especialidade. Há uma nova leva de casas que, mais e mais, vêm se aproximando dos cânones napolitanos, com receitas equilibradas e usando bons ingredientes.

Exemplos dessa vertente? Leggera, Carlos, Rossopomodoro (dentro do Eataly), Grazie Nápoli (na vizinha Santo André), Forquilha... Nos últimos dias, fiquei particularmente bem impressionado com a caçula do clube, a Nápoli Centrale, que abre, vejam, às 8h. Inaugurada na semana passada dentro do Mercado de Pinheiros, a pizzaria dos chefs Marcos Livi e Gil Guimarães é uma homenagem ao espírito original da receita. As redondas, individuais, são servidas no balcão e em mesinhas bem informais, sem frescura – mas com respeito. Têm preço amigável (R$ 20, em média) e caem muito bem a qualquer horário. O forno (italiano) é a gás, já que as limitações do local impedem o uso de lenha. E o resultado, com discos assados por pouco mais de um minuto, acima dos 450 graus, entusiasma.

Quanto cito o tal bom momento da pizza na cidade, me refiro especialmente à geração que chega. Mas não só. Também penso na oportunidade singular de percebermos a convivência, dentro do mesmo mercado, de decanos em atividade há muitas décadas; e de endereços que, ao longo dos últimos anos, viraram sucesso de público.

São Paulo, não custa lembrar, e graças aos imigrantes do Sul da Itália, teve pizzarias estabelecidas antes mesmo de Milão, ao Norte. A linhagem da pizza paulistana, por assim dizer (e vai aqui uma leitura bem pessoal), nos leva a ícones da tradição, como a Castelões, aberta em 1924, ainda hoje atendendo a clientes fieis no Brás e com o forno tinindo, a espantosos 600 graus; e a Speranza, fundada em 1958, introdutora da clássica marguerita no Brasil e sempre lotada.

Depois, nos conduz a praticantes do estilo “massa fininha”, como a Monte Verde (1956) e a Camelo (1963), ambas criadas por não-italianos. Ou mesmo à escola da Mooca, em endereços como a São Pedro (1966) e Do Angelo (1971), com seus recheios fartíssimos e suas pizzas servidas também no balcão. E passa pela consolidação do mercado com empreendimentos como 1900, Margherita, Primo Basílico, Veridiana, Cristal e tantos outros mais, que, em abordagens diversas, colocaram a pizza dentro de um contexto de restaurante.

Quase que como um elemento de transição entre os clássicos e a Itália contemporânea, a Bráz (1998) surgiu acendendo uma vela para a Castelões e outra para San Genaro, o padroeiro de Nápoles (sem deixar de fazer suas orações para os pizzaioli modernos das grandes metrópoles). Mais recentemente, a rede conseguiu implementar o processo de fermentação natural em todas as suas pizzas, um feito de impressionar, diante da enorme escala de produção.

Aqui, cabe um comentário sobre massas. Pizzas feitas com descansos mais longos, mesmo com fermento biológico (idealmente em pouca quantidade), desenvolvem mais sabor e são mais digestivas. Discos elaborados com pressa, no ritmo veloz do delivery, e assados abaixo da temperatura adequada (o melhor é acima de 400 graus) tendem a ser mais densos, encruados. Se juntarmos isso a molhos carregados e queijos e embutidos de pouca qualidade e “sem miséria”, chegaremos à equação que explica a má fama da pizza como a sabotadora de dietas.

O caso de André Guidon, dono da Leggera, é exemplar. Ele entrou no ofício quase por acaso, movido por uma dúvida misteriosa: por que as pizzas comidas por aqui, em sua maior parte, eram tão indigestas? Começou a pesquisar o tema e foi achar as respostas em Nápoles, onde acabou se tornando certificador da Associazione Verace Pizza Napoletana (uma entidade que atesta o rigor na elaboração das redondas, tanto na receita como na execução). Voltou ao Brasil e trabalhou como consultor de vários empreendimentos, até abrir sua própria casa, em 2013. Hoje, ele reconhece: o mercado brasileiro começa a ter pizzas com frescor e leveza, sim.

Puxo pela memória, vou até onde posso na infância e verifico que comi minha primeira pizza muito antes do primeiro hambúrguer. O sanduíche, convertido atualmente numa verdadeira febre, não era tão difundido nos anos 70. Era preciso ir a lugares como as Lojas Americanas, na Rua Direita, para prová-lo – muito antes das grandes cadeias chegarem por aqui. Pizza, por outro lado, havia em quase toda padoca, para comer por pedaço, no balcão, e feita em forno a lenha. Minha preferida era a da extinta Ayrosa, no Largo do Paissandú. Sem mencionar a esbórnia nos rodízios como os do Grupo Sérgio, então uma novidade, onde a molecada ia disputar quem comia mais fatias num mesmo almoço (não, não era bom; mas a gente aguentava o tranco).

Agora, quando vivo a chance real de comer mussarelas, margueritas, marinaras e outras mais – de qualidade – no almoço, me dou conta do seguinte. Já que os discos são abertos e finalizados à minuta e, no forno, não permanecem mais do que 90 segundos, não seria a pizza, então, a verdadeira (e melhor) fast food?

Para comer pizza no almoço (e também à noite):

Nápoli Centrale - Mercado de Pinheiros. R. Pedro Cristi, 89, piso superior, Pinheiros.

Rossopomodoro - Eataly - Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 1489, segundo piso, V. Olímpia.

Bráz Trattoria (Shopping Cidade Jardim) - Av. Magalhães de Castro, 12000, quarto piso, Morumbi.

Bráz (pizza no almoço às sextas-feiras, na unidade Pinheiros) - R. Vupabussu, 271.

Maremonti (pizza no almoço aos sábados e domingos) - R. Padre João Manuel, 1160, Jardim Paulista (mais duas unidades na capital).

Para comer pizza no jantar:

Leggera - R. Diana, 80, Pompeia.

Carlos - Rua Harmonia, 501, V. Madalena.

Forquilha - R. Vupabussu, 347, Pinheiros.

Grazie Nápoli - R. das Aroeiras, 317, Bairro Jardim, Santo André.

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