Paulo Bernardo recebeu propina que lesou milhares de servidores, diz PF
Ex-ministro petista foi beneficiado com cerca de 7 milhões de verba que aumentou valor de empréstimos consignados
Era um desvio de formiguinha. A cada parcela de empréstimo consignado paga por servidores federais, quase 0,90 centavos eram destinados para o esquema de propina desvendado pela Operação Custo Brasil, um braço da Lava Jato que prendeu nesta quinta-feira Paulo Bernardo, ex-ministro dos Governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. O montante total movimentado foi alto: ao menos 100 milhões de reais, valor arrecadado durante os quase seis anos em que ocorreu o golpe, e que prejudicou "dezenas de milhares" de funcionários públicos que solicitaram crédito consignado, segundo a investigação realizada em conjunto pelo Ministério Público Federal, Polícia Federal e Receita Federal. Além de Bernardo, o dinheiro também beneficiou o Partido dos Trabalhadores (PT), diz a força-tarefa, e servidores do segundo e terceiro escalão do Ministério do Planejamento, onde o esquema era operado.
As investigações apontaram que o desvio iniciado no Ministério do Planejamento no final de 2009 começou após a contratação da empresa de tecnologia Consist Software para intermediar os empréstimos consignados feitos por bancos aos servidores da União. A empresa, segundo a força-tarefa, repassava 70% do valor que ganhava com a taxa operacional dos empréstimos para o esquema de propina. Por isso, o valor da taxa, que deveria ser de cerca de 0,40 centavos por parcela paga pelo beneficiário do empréstimo, passou para 1,25 real. Ou seja, sem saber, ele estava financiando um esquema criminoso, segundo a investigação.
A forma de distribuição do dinheiro ilícito variou ao longo dos anos, afirmam os investigadores. No início, Paulo Bernardo recebia 9,5% desse valor, mas quando deixou de ser ministro da pasta para assumir o Ministério das Comunicações, em 2011, esse valor foi reduzido pela metade e, algum tempo depois, pela metade novamente. Ele recebia a verba por meio de um escritório de advocacia, que tinha um contrato fictício com a Consist, segundo a investigação. Este escritório de advocacia, por sua vez, ficava com 20% e repassava 80% ao ex-ministro por meio do pagamento de dois funcionários dele e de despesas pessoais e com a Justiça Eleitoral. No total, Bernardo teria recebido 7 milhões de reais ao longo desses anos. Sua defesa afirma que sua prisão é "ilegal" e que o acordo de cooperação técnica com a empresa de tecnologia não passou "pelo aval do ministro".
A prisão de Bernardo, que é marido da também ex-ministra do Governo Rousseff, Gleisi Hoffmann, traz um novo elemento ao processo de impeachment. Nas últimas semanas, as atenções haviam saído do PT e migrado para o partido do presidente interino Michel Temer, o PMDB, que, depois que assumiu o cargo, teve que trocar três ministros implicados na Lava Jato ou flagrados tramando para bloquear a operação que investiga os desvios na Petrobras. Agora, o PT volta aos holofotes. “Havia uma organização criminosa agindo no ministério do Planejamento, encabeçada pelo ex-ministro [Paulo Bernardo]”, disse o delegado da Polícia Federal Rodrigo de Campos Costa.
Diante de um cenário tão incerto a menos de dois meses da votação que pode destituir Rousseff de vez, o envolvimento de um nome importante do Governo dela em corrupção pode ter um peso muito forte na posição de senadores ainda indecisos sobre o impedimento. A presidenta afastada precisa reverter seis votos, dentre 81 senadores, para permanecer no cargo. Um dos motivos de indecisão de parte dos senadores quanto a manutenção de Temer é, justamente, o envolvimento de pessoas próximas a ele com a corrupção. O envolvimento do PT em um esquema que lesava servidores também traz uma nova mancha à imagem do partido, historicamente ligado à defesa do funcionalismo público.
A Operação Custo Brasil nasceu a partir de informações recolhidas na delação premiada do ex-vereador de Americana pelo PT, Alexandre Romano, na Operação Lava Jato. Por não ter relação direta com o esquema de corrupção da Petrobras, a denúncia foi desmembrada em uma nova força-tarefa, que prendeu nesta quinta-feira 11 pessoas. Também são investigados o ex-ministro da Previdência e da secretaria da Aviação Civil, Carlos Gabas, amigo pessoal de Rousseff, e o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, que seria o responsável por determinar como o dinheiro do esquema seria distribuído ao partido, segundo a investigação. Vaccari já foi condenado, em primeira instância, por envolvimento no esquema da petroleira.
A investigação também afirma que Romano, que seria o operador do esquema, recebia 20% do valor total desviado. Desse dinheiro, ficava com 20% e repassava 80% ao Partido dos Trabalhadores. Numa conta superficial, o partido teria recebido cerca de 11 milhões de reais apenas por meio de Romano. A PF também prendeu Valter Correia, atual secretário de Gestão do prefeito Fernando Haddad, que foi chefe da assessoria especial para modernização do Ministério de Planejamento no governo de Rousseff e emitiu uma ordem de prisão preventiva contra Guilherme Gonçalves, que atuou nas campanhas de Gleisi Hoffmann - os investigadores afirmam que, no momento, não podem apontar a ligação entre os desvios e qualquer campanha política.
Gonçalves está fora do país e afirmou que, ao chegar, vai se entregar. A operação envolve também outros 8 mandados de prisão preventiva e 40 de busca e apreensão, incluindo um na sede nacional do PT, em São Paulo. Por meio de nota, o partido condenou o que chamou de "desnecessária" e "midiática", a busca e apreensão realizada na sede nacional de São Paulo. A bancada do PT no Senado, da qual Hoffmann faz parte, afirmou em nota que "estranha que tal prisão [de Bernardo] tenha ocorrido no momento em que a nação toma conhecimento de fatos gravíssimos de corrupção que atingem diretamente o governo provisório, que se instalou justamente para tentar paralisar as investigações da Lava Jato".
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