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Biografia íntima da primeira onda gravitacional

Estudo reconstrói origem remota do primeiro ‘som’ do Universo, há mais de 11 bilhões de anos

Telescópios como o da imagem (no Chile) ajudam a entender a origem do universo
Telescópios como o da imagem (no Chile) ajudam a entender a origem do universoFermilab
Nuño Domínguez

A história da primeira onda gravitacional detectada por um experimento humano é quase tão antiga quanto o Universo. É o que indica um estudo publicado nesta quinta-feira, que rastreia até sua origem mais remota o sinal captado em setembro de 2015 pelo Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria Laser (LIGO, na sigla em inglês), uma das descobertas mais importantes da década.

Há um século, Albert Einstein previu que, de acordo com a teoria da relatividade, os fenômenos mais violentos do cosmos deveriam produzir intensas explosões de energia, que viajaria na velocidade da luz na forma de ondas gravitacionais. Essas ondulações curvam o espaço e o tempo por onde passam e se expandem em todas as direções durante bilhões de anos. Mas detectá-las na Terra era impossível. A origem desses fenômenos está tão longe e seus sinais atravessam tanto espaço que, ao chegar ao Sistema Solar, são imperceptíveis até mesmo com a tecnologia mais avançada, pensou o gênio alemão.

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Agora sabemos que ele errou no detalhe e acertou, como sempre, no que era importante. O primeiro sinal de ondas gravitacionais foi captado em setembro de 2015 e anunciado em fevereiro. Foi produzido pela fusão de dois buracos negros, cada um com uma massa cerca de 30 vezes maior que a do Sol, há cerca de 1,3 bilhão de anos, quando todos os habitantes da Terra eram micróbios incapazes de entender o que estava acontecendo.

O novo estudo, publicado na revista Nature, esclarece como esses buracos negros se formaram. O trabalho é assinado por quatro cientistas especializados em cosmologia e relatividade computacional da Universidade de Chicago e do Instituto Rochester, ambos nos Estados Unidos, e da Universidade de Varsóvia, na Polônia. Os pesquisadores criaram um modelo computacional que reconstrói a história do universo e permite estimar que tipo de corpos celestes poderiam produzir um sinal como o detectado pelo LIGO. Para isso usaram o Atlas, o mais potente supercomputador do mundo voltado ao estudo de ondas gravitacionais. Também dependeram de bastante tempo de trabalho de milhares de PCs de pessoas interessadas na ciência através do projeto Universe@home.

Os resultados mostram que, para viajar até a semente da primeira onda gravitacional, é preciso voltar até uns 2 bilhões de anos após o Big Bang. Naquele Universo adolescente, formaram-se duas estrelas que tinham pelo menos 40 vezes a massa do Sol e estavam perigosamente juntas. É o que os astrônomos chamam de sistema binário: dois astros que orbitam um ao redor do outro e que, com cada volta, reduzem um pouco a distância que os separa.

As duas estrelas estavam entre as maiores e mais brilhantes de todo o cosmos, diz J. J. Eldridge, físico da Universidade Auckland (Nova Zelândia). Segundo ele, se os cálculos do estudo estão corretos, esses dois astros contribuíram para que o Universo saísse da chamada Idade Escura, um passo fundamental na linha de eventos que chega até nós. Se esse etapa não tivesse sido superada, não haveria estrelas, galáxias nem vida.

Quatro milhões de anos depois de seu nascimento, um instante em termos cosmológicos, uma das estrelas ficou sem combustível. Seu enorme núcleo entrou em colapso, criando um ponto matemático de volume zero e densidade infinita. Nada, nem sequer a luz de sua estrela companheira, nem a de qualquer outra em todo o Universo, era capaz de escapar de sua atração se chegasse perto demais. Era um buraco negro com cerca de 30 massas solares. Transcorridos mais um milhão de anos, sua estrela companheira sofreu uma metamorfose idêntica.

Os dois monstros estavam separados por cerca de 34 milhões de quilômetros, bem menos que a distância entre a Terra e Marte. Segundo cálculos do estudo, a atração gravitacional entre ambos foi cortando centímetros dessa separação até que, 10 bilhões de anos depois, acabaram fundindo-se num violento abraço. A união formou um grande buraco negro e liberou em frações de segundo toda a energia que caberia em três estrelas como o Sol. Se alguém estivesse perto, teria vivido uma tempestade letal em que o espaço se estirou e se contraiu como um chiclete e o tempo oscilou de forma caótica entre o passado e o futuro.

As ondas gravitacionais produzidas pela fusão continuaram avançando até que, já reduzidas a uma vibração menor que a milésima parte do diâmetro de um próton, após 1,3 bilhão de anos, foram captadas pelos feixes de luz laser do experimento LIGO, instalados em Luisiana e Washington, com um diminuto atraso que permitiu determinar a região do universo da qual vieram. A notícia causou uma enorme expectativa, chegando às capas dos melhores jornais do mundo. Einstein era reivindicado uma vez mais, justamente 100 anos depois de sua previsão, e se abria uma nova era para a exploração e a compreensão do cosmos. Se não é a melhor história jamais contada, pelo menos é uma das mais longas: 11,7 bilhões de anos do princípio ao fim.

Mil fusões por ano

Uma das principais utilidades dos observatórios de ondas gravitacionais, como o LIGO e o europeu Virgo, é reconstruir a evolução do Universo. Essas estruturas permitem saber como e onde nascem os buracos negros, como se transformam e quantos existem no Universo observável. De fato, até agora as observações desses monstros do espaço, que influem de forma fundamental na evolução de todas as galáxias, incluída a nossa, eram indiretas.

O objetivo agora é somar detecções de ondas que esclareçam todos esses assuntos. Segundo o estudo publicado hoje, serão detectadas por ano cerca de 1.000 fusões de buracos negros similares às captadas até o momento, uma vez que o LIGO e os demais observatórios atinjam sua máxima sensibilidade.

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