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Solteirona por convicção

Jornalista questiona em livro o termo 'solteirona' e narra a experiência de viver bem sozinha Livro, que se tornou um fenômeno editorial nos EUA em 2015, foi lançado em abril no Brasil

A escritora Kate Bolick, em Madri.
A escritora Kate Bolick, em Madri.Bernardo Pérez

Para comprovar que a sociedade não se livrou de todo desse mal conhecido como machismo, basta realizar um experimento simples: dar um google na palavra solteirona. Quando mergulha no termo, o poderoso buscador se depara com uma inesgotável seleção de publicações de gosto duvidoso, por exemplo Como deixar de ser uma solteirona, O terrível fardo de ser uma solteirona ou A tênue fronteira entre solteira e solteirona. A escritora norte-americana Kate Bolick não tem pudores em se referir a si mesma dessa forma. Sabe que é uma das poucas mulheres que acreditam que o termo pejorativo não deve minar sua autoconfiança. Solteirona sim, com muito orgulho. Aos trinta e poucos anos, a jornalista decidiu que não ia se casar. Sem tabus e desmitificando o termo, reuniu suas inquietações existenciais em Solteirona, o Direito de Escolher a Própria Vida (Spinster: Making a Life of One's Own, no título original em inglês), um ensaio em que mistura experiência própria com dados históricos e estatísticas sobre o tema.

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O livro se tornou um fenômeno editorial nos Estados Unidos em 2015 e chegou às livrarias brasileiras em abril, pela editora Intrínseca. Nele, a autora (também celebrada pelo mercado editorial) explica o que a levou a tomar um rumo com o qual não fantasiava em seus sonhos juvenis. Quando menina, acreditava que sua vida adulta se cimentaria sobre o matrimônio e os filhos. Algo que nunca aconteceu. “Ia crescendo e nada acontecia, não encontrava ninguém. Até cheguei a pensar que o problema fosse eu”, relembra a escritora. Circunstâncias de vida que acabou aceitando, e até gostando. “Aos 35 admiti que, provavelmente, não me casaria nunca. Mas já não me importava com isso, porque percebi que eu gostava. Eu gosto da vida que tenho”, ressalta.

Muitas mulheres estão na mesma situação, opina Bolick, e é difícil para elas assumir a solidão. Especialmente quando é imposta pelo destino e não por vontade própria. Essa é uma das principais motivações que a impulsionaram a dar testemunho escrito de sua experiência, queria liberar suas congêneres da pesada carga psicológica que suportam por não ser o que a sociedade espera. Cada vez mais, diz ela, e prova com um dado. “Nos Estados Unidos, entre as que não estão casadas nem têm parceiro, e as que são viúvas e divorciadas, a cifra de mulheres consideradas solteiras ultrapassa os 53%”.

Apesar de ter escolhido a independência por decisão pessoal, ela confessa que experimentou momentos de angústia. “Aos trinta e poucos, sentia que tinha de viver sozinha para aprender a estar bem comigo mesma, mas não sabia como fazê-lo”. Nessa época intercalava fases em que saía muito com outras em que ficava sozinha em casa e acabava deprimida. “Passei vários anos aprendendo a maneira de estar bem comigo mesma. Uma das lições mais importantes que aprendi é que, para viver bem sozinha, é preciso querer estar sem companhia. Como qualquer tipo de vida plena, é preciso vontade”.

Em seu texto, a escritora não propõe uma doutrina inalterável. Ela mesma, depois de uma década de solteira, tem hoje um relacionamento e mora junto com seu parceiro. Algo que, acredita, não é nada contraditório com o que prega. “Tivemos de nos ajustar um ao outro. Depois de dez anos vivendo sozinha, estou acostumada a ter todo o tempo do mundo para mim. O que permite estarmos bem juntos é que meu namorado também necessita de muito tempo para si. Procuramos negociar as diferentes necessidades de cada um”, conta. Apela para as diferenças e a liberdade individual. Seria a consequência lógica, e de fato é, segundo seu critério, da evolução histórica e da transformação da sociedade. “É o resultado das conquistas da segunda onda do feminismo dos anos 1970. É uma circunstância que nunca houve antes: o número de mulheres que trabalham e estudam é maior que nunca”. E acrescenta. “Quando as mulheres tiveram menos acesso à educação, tenderam a casar-se mais. Se tomam a decisão de viver sozinha, acredito que seja, fundamentalmente, porque agora podem ter experiência, uma visão do mundo muito mais ampla que o matrimônio. Não é egoísmo, como muitos argumentam”.

"Todo mundo sabe que é um termo muito negativo, e embora as pessoas não costumem usá-lo a sério, é uma maneira de manter o medo"

Cada vez mais mães solteiras

Separa, no entanto, a vida de solteira da maternidade. Uma coisa não está brigada com a outra, mas ambas se nutrem das mudanças sociais. “É irônico que, no passado, as solteironas fossem consideradas assexuadas e se pensasse que não deviam ter filhos, e, agora, as solteiras estão optando cada vez mais por ter filhos sozinhas”, afirma. Menciona as estatísticas outra vez. Recita os dados de cor, como no livro, e tira deles várias conclusões. “É muito curioso que a percentagem de mulheres que realmente querem ter filhos é muito pequena. O mesmo com as mulheres que não querem ter. A maioria fica no meio. Não sabemos realmente se queremos ou não, depende de como funciona nossa vida, em que momento estamos.” Em resumo, que muitas mulheres têm filhos coagidas, uma vez mais, pelos papéis e estereótipos que a sociedade impõe.

“É uma pressão real, que existe e provoca muito estresse. E ela também atinge os homens, porque o mundo está organizado em torno da família e do casal”. Com uma diferença abismal. “É mais forte para as mulheres. Aí está o caso, por exemplo, de George Clooney. Os homens podem esperar o tanto que quiserem para se casar e ter descendência”. Com o gênero feminino é o contrário. Se uma mulher não tiver marido, em algum momento de sua existência terá de sorrir para o engraçadinho da vez que brinca com sua condição de solteirona. Aconteceu com Kate Bolick e por isso se anima a desvencilhar-se das piores conotações da palavra. “Todo mundo sabe que é um termo muito negativo, e embora as pessoas não costumem usá-lo a sério, é uma maneira de manter o medo. É uma forma de dizer: olhe o que você vai virar se não casar”.

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