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Uma molécula para combater quatro vírus ao mesmo tempo

Estudo descobre alvo para inibir vírus da Aids, da hepatite C, da dengue e da Febre do Nilo Ocidental

Jessica Mouzo
Um peptídeo do vírus da hepatite C provoca a abertura das vesículas das membranas celulares.
Um peptídeo do vírus da hepatite C provoca a abertura das vesículas das membranas celulares.Hanson e Gettel et al./Biophysical Journal 2016
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A ideia de que uma única pílula possa combater várias doenças infecciosas ao mesmo tempo começa a tomar forma. Ainda falta muito para que um medicamento desse tipo chegue às farmácias, mas, nos laboratórios, começa a ser desenvolvida a semente do que poderia ser uma nova família de drogas panvirais. A pedra angular desse projeto acaba de ser colocada por um grupo de pesquisadores do Instituto de Pesquisa da Aids (IrsiCaixa) e da Universidade Pompeu Fabra (UPF), de Barcelona, que criaram uma molécula capaz de combater, simultaneamente, o vírus da Aids, da hepatite C, da dengue e da Febre do Nilo Ocidental.

Os pesquisadores conseguiram modelar um elemento da célula que hospeda o vírus para inibir uma proteína que ajuda o organismo a se replicar. Especificamente, a molécula foi concebida para neutralizar a proteína DDX3, cuja presença era necessária para replicar os vírus que causam a Aids (HIV) e a hepatite C (HCV). "Tínhamos identificado o alvo molecular deste composto, e químicos especializados foram responsáveis por modelá-lo para infiltrar essa estrutura química dentro da proteína", diz José Esté, chefe do grupo de Patogênese do HIV do IrsiCaixa.

Os resultados dos ensaios em culturas celulares da molécula demonstraram sua eficácia para inibir o vírus da hepatite C e alguns tipos de HIV resistentes aos antivirais comuns. Além disso, quando os pesquisadores viram a potência dessas moléculas contra o HCV, decidiram dar um passo adiante e procurar outros vírus cujos mecanismos de reprodução fossem semelhantes aos do causador da hepatite C. Os cientistas fizeram o teste com o vírus da dengue e o da Febre do Nilo Ocidental, que compartilham a estratégia de replicação e genoma com o HCV, e descobriram que a molécula também funcionava contra eles.

A descoberta abre a porta para simplificar o tratamento de pessoas com várias infecções

Além deste projeto abrir a porta para simplificar o tratamento de pessoas infectadas com os diversos vírus e também buscar alternativas de tratamento para doenças que não tinham cura (não há nenhuma droga aprovada contra o vírus do Nilo Ocidental ou contra a dengue), os pesquisadores destacaram que a molécula age contra uma parte da célula, e não contra o vírus, dificultando que este desenvolva resistência contra o fármaco. "Um vírus é um parasita intracelular, precisa de alguns elementos da célula para funcionar. A maioria dos tratamentos ataca os vírus diretamente, e estes, por sua vez, desenvolvem estratégias para se esquivar dos ataques. No entanto, o que estamos fazendo é inibir um desses elementos da célula que são necessários ao vírus, e é mais difícil que se proteja e se torne resistente contra isso", disse Esté.

Embora ainda haja um longo caminho a percorrer no laboratório e a eficácia do medicamento tenha de ser confirmada em outros estudos in vitro e em modelos animais, os pesquisadores dizem que esta descoberta é a porta de entrada "para desenvolver uma nova família de drogas panvirais, com capacidade para inibir vários vírus ao mesmo tempo". O estudo foi publicado na revista PNAS. "Esta molécula será de grande utilidade porque os pacientes imunodeprimidos, por exemplo, sofrem muitas doenças", destaca Esté, que não descarta que esta molécula também possa ser eficaz contra outros vírus, como o zika ou o chikungunya. "Muitas dessas infecções ocorrem onde já existem outras doenças endêmicas, que, embora não representem um perigo, tampouco atraem as farmacêuticas para pesquisá-las, e não há tratamento", acrescenta o pesquisador.

No entanto, Esté recomenda paciência e prudência. "Encontramos o alvo, o primeiro composto", diz, mas o caminho a percorrer para que uma droga panviral chegue ao mercado ainda é muito longo. O importante, afirma, é que "o interesse no desenvolvimento de panvirais é alto", e isso é "promissor" para a pesquisa.

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