Fragmentação partidária, uma ‘tradição’ brasileira
Reforma política deve ter regras para fazer valer a vontade do eleitor
Em artigo publicado no EL PAÍS em 18 de abril, o professor Milton Seligman, do Insper, apontou alguns caminhos para uma ampla reforma política: fim do voto proporcional em lista aberta, fim das coligações proporcionais e outras formas de eleger congressistas sem voto. Segundo ele, essas mudanças ajudarão a reduzir o número de partidos e a criação de legendas de aluguel, o que poderá facilitar a governabilidade do país.
Vale refletir sobre alguns desses pontos. Desde que o Brasil voltou a ter eleições diretas para a Presidência da República, em 1989, o número de partidos representados na Câmara dos Deputados, onde se concentra o foco do eleitorado no pleito proporcional, sempre foi superior a 15 legendas, chegando ao recorde de 28 agremiações em 2014, quando Dilma Rousseff, candidata do PT, foi reeleita presidente.
Mas mesmo antes, na primeira disputa para deputados federais após o fim do regime militar, em 1985 com a eleição indireta da chapa Tancredo Neves-José Sarney, o Brasil já tinha uma elevada fragmentação partidária: 12 partidos políticos conseguiram eleger pelo menos um representante nas eleições de 1986, quando foram escolhidos também os deputados que ajudaram a redigir a atual Constituição, promulgada em 1988.
Na primeira eleição direta para presidente, vencida por Fernando Collor, o PRN, partido do ex-governador de Alagoas, conquistou 40 cadeiras. Dos outros partidos da coligação, apenas o PSC conseguiu eleger um deputado federal. Isso levou Collor, cujo impeachment foi aprovado em 1992, a tentar negociar com outros partidos, incluindo o PMDB, para aprovar propostas de interesse do governo.
Coligado com o PFL (atual DEM), Fernando Henrique Cardoso foi eleito em 1994 e reeleito quatro anos depois. Contando apenas os dois principais partidos de sua coligação, PSDB e PFL, sua base de apoio no primeiro mandato na Câmara dos Deputados tinha 152 integrantes - o que também levou FHC a buscar o apoio do PMDB, bem como de outros partidos menores.
O segundo mandato de FHC começou com uma base de apoio maior: 204 deputados (105 do PFL e 99 do PSDB), mas já iniciou com o apoio do PMDB (83 deputados), que não lançou candidato à Presidência da República. Em 1995, os cinco maiores partidos da Câmara dos Deputados ocupavam 70% das vagas e, em 1999, esse índice estava em 79%. Nesses dois anos, 15 partidos tinham representação na Câmara.
Em 2002, quando Lula foi eleito presidente, 16 partidos conseguiram eleger deputados federais e as cinco maiores legendas tinham 71% das vagas na Câmara. Os dois principais partidos da coligação de Lula elegeram 117 deputados (PT e PL) em 2002 e 84 (PT e PRB) em 2006. Na reeleição de Lula, as cinco maiores legendas ocupavam 65% das vagas e os partidos com representação na Câmara dos Deputados somavam 21 agremiações.
Os resultados das eleições proporcionais até 2006 mostram que o presidente da República precisava negociar cada vez mais com um número maior de partidos na Câmara dos Deputados para aprovar propostas de interesse do governo - considerando que as legendas votam em peso após um acordo, o que ocorreu em poucos casos.
Formalmente coligado com o PSDB no pleito de 2002, quando indicou o vice na chapa de José Serra à Presidência da República, o PMDB ficou de fora da chapa majoritária em 2006, quando Lula foi reeleito, mas apoiou informalmente a campanha e o governo do petista, inclusive com indicação para alguns ministérios. Na eleição de 2010, o PMDB integrou a chapa de Dilma Rousseff com Michel Temer de vice.
Apesar de vitoriosa na eleição majoritária para a Presidência da República em 2010 e 2014, os dois principais partidos da coligação, PT e PMDB, tiveram um desempenho pior na disputa para a Câmara dos Deputados: 164 eleitos em 2010 e 134 em 2014 - anos em que o total de legendas com representação na Câmara foi de 19 e 28, respectivamente. No plenário da Câmara, os dois partidos tinham 65% e 59% das vagas.
Os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que, desde o fim do bipartidarismo, o Brasil tem um quadro partidário fragmentado - hoje há 35 partidos registrados no país. Mas nem todos têm representação no Congresso Nacional - algumas legendas são fortes regionalmente, mas fracas nacionalmente.
O fim do voto proporcional em lista aberta não representará necessariamente numa redução dos partidos políticos nem no fim das legendas de aluguel. A troca da lista aberta pela lista fechada (em que o eleitor vota apenas no partido e não no candidato) poderia ser um caminho, mas aqui há dois problemas: o brasileiro tem tradição de votar em pessoas e não em partidos políticos e como nesse sistema a lista é definida pelos partidos, não haveria garantia de que teremos melhores representantes.
Acabar com as coligações nas eleições proporcionais parece uma solução efetiva, mas há o risco de que parcelas importantes da população brasileira fiquem sem representantes - penso aqui nas legendas com forte apelo ideológico e programático e não naquelas de aluguel. Outro caminho seria uma regra que considerasse, na distribuição das cadeiras conquistadas pela coligação, o total de votos que o partido ou candidato agregou à coligação, o que pode evitar distorções.
Nas eleições de 2014, por exemplo, apenas 35 deputados federais foram eleitos com seus votos - os outros 478 não alcançaram sozinhos o chamado quociente eleitoral e se beneficiaram do desempenho da coligação, da legenda ou dos chamados puxadores de votos. Dos 28 partidos que conseguiram eleger um deputado federal em 2014, apenas 13 fizeram isso apenas com os votos dados ao candidato.
Um efeito colateral dessa regra é que o eleitor vota um partido ou candidato e pode acabar elegendo uma outra pessoa, até mesmo de um partido diferente. Nesse sentido, uma reforma política deve também criar mecanismos que busquem ao máximo respeitar a vontade do eleitor. Poderá incluir ainda algum tipo de mandato revogatório, pelo qual a sociedade poderia revogar, depois de pelo menos metade do mandato, a delegação dada para que outra pessoa o representasse no Legislativo.
Partidos com representação na Câmara dos Deputados*
Ano | Total |
1986 | 12 |
1990 | 19 |
1994 | 15 |
1998 | 15 |
2002 | 16 |
2006 | 21 |
2010 | 19 |
2014 | 28 |
* Dados para início de legislatura
Fonte: TSE e Câmara dos Deputados
Representação dos cinco maiores partidos na Câmara dos Deputados
1990 | 1994 | 1998 | 2002 | 2006 | 2010 | 2014 |
PMDB - 108 | PMDB – 107 | PFL – 105 | PT – 91 | PMDB – 89 | PT – 86 | PT – 69 |
PFL – 83 | PFL – 89 | PSDB – 99 | PFL - 84 | PT – 83 | PMDB – 78 | PMDB – 65 |
PDT – 45 | PSDB – 63 | PMDB – 83 | PMDB - 75 | PSDB – 66 | PSDB – 54 | PSDB – 54 |
PDS - 42 | PPR – 51 | PPB – 60 | PSDB - 70 | PFL – 65 | PP – 44 | PP - 38 |
PSDB - 40 | PT - 50 | PT - 59 | PPB - 49 | PP - 41 | DEM - 43 | DEM - 43 |
Obs.: 1) O PDS mudou de nome, passando para PPR, PPB e hoje usa a sigla PP
2) O PFL trocou de nome para DEM
Fonte: TSE e Câmara dos Deputados
Vivaldo de Sousa, jornalista e cientista político, é professor do Centro de Ensino Unificado de Brasília (UniCEUB)
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