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Presa por não pagar a TV

Alemã passa dois meses na prisão por se negar a pagar a taxa para a radiotelevisão pública

Luis Doncel
Sieglinde Baumert
Sieglinde BaumertFACEBOOK

A obstinação — ou, se se preferir, a coerência — levou Sieglinde Baumert ao desemprego e à prisão. Faz três anos que ela se nega a pagar a taxa obrigatória para a rádio e televisão públicas da Alemanha. Depois de ignorar as cobranças de pagamento, no último dia 4 de fevereiro, acabou sendo levada para a prisão feminina de Chemnitz, na região leste do país.

A história foi publicada pelo jornal Die Welt no domingo passado. No dia seguinte, após dois meses de detenção, a rede de televisão retirou a ação penal, o que permitiu que Sieglinde fosse solta. A dívida, porém, continua existindo e crescendo. Mas a consumidora rebelde insiste: não vai pagar.

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Como pode alguém ser preso por causa de uma dívida de 191 euros (800 reais)? As tentativas de lhe embargar o dinheiro fracassaram. Quando o juiz lhe enviara ofícios com o objetivo de conhecer os seus bens, a cuidadora de crianças, de 46 anos, se negava a assiná-los, pois não queria legitimar um sistema que ela considera inconstitucional. “Quando leio que um minuto de retransmissão de um jogo de futebol custa 40.000 euros (168.000 reais) eu me pergunto por que tenho de colaborar, nem que seja com um centavo”, declarou ao Die Welt. Em setembro de 2015, um tributo apresentou um mandado de prisão. Pretendia, com isso, pressioná-la a pagar a dívida. Esse é o momento em que outros rebeldes costumam se dar por vencidos. O de Baumert é um caso extremo, mas ele reflete um grande descontentamento existente em geral diante dos 17,5 euros (cerca de 73 reais) mensais que cada residência alemã tem de pagar, independentemente se ali existe ou não um aparelho de TV ou de rádio e do número de moradores. No começo de 2015, 4,5 milhões de residências registravam atrasos ou outros problemas referentes ao pagamento. Assim que foi divulgada a história da “Robin Hood de Chemnitz”, como Baumert foi chamada por um site simpatizante de sua causa, as redes sociais se encheram de mensagens de apoio a ela.

A taxa criada em 2013 — antes se pagava conforme o número de aparelhos da casa — é um tema candente na Alemanha. Especialmente nos meios conservadores, que o utilizam frequentemente como um exemplo do crescente afastamento entre os políticos e a população. Nas manifestações do movimento islamofóbico Pegida, a crítica a esse tipo de tributação está sempre presente. E o partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) propõe a sua extinção. A deputada do Parlamento Europeu e vice-presidenta do AfD Beatrich von Storch se tornou uma das líderes do movimento ao anunciar em sua página no Facebook que também não paga – e as autoridades já abriram um processo para bloquear as suas contas.

A taxa da TV é atacada nesses meios por reunir dois de seus temas favoritos. Por um lado, consolida a ideia de que as elites sempre procuram oprimir os esforçados cidadãos comuns. Por outro, dizem que esse dinheiro serve para engordar os cofres de certos veículos de comunicação que eles desprezam. Não por acaso, conceitos como Lügenpresse (imprensa mentirosa) ou “imprensa Pinóquio” estão sempre presentes nas manifestações do Pegida e no discurso da AfD. Nesses setores, Baumert virou uma heroína que ousou enfrentar o Estado.

A pessoa que levou mais longe a sua luta contra a taxa poderá, agora, voltar para casa, onde obviamente não há nem sequer marcas da existência de aparelhos de rádio ou televisão. Ela prefere se informar pela internet. “A libertação me pegou totalmente de surpresa. Não contava com ela”, afirmou Baumert nesta semana. Ela já tinha se resignado a cumprir a sua pena de seis meses de reclusão.

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