John Whittingdale, o homem escolhido para destruir a BBC
David Cameron empreende uma cruzada contra a rádio e televisão pública
A carreira política do deputado John Whittingdale parecia ter perdido o fôlego. Foi assessor de Thatcher e ocupou importantes cargos na oposição conservadora a Blair. Mas David Cameron, quando assumiu as rédeas do partido em 2005, não apostou nele. Tampouco quando chegou ao poder em 2010. Whittingdale foi o primeiro a se surpreender quando em 11 de maio passado recebeu uma ligação de Downing Street.
Cameron, que estava formando o Governo depois de sua inesperada maioria absoluta, ofereceu a Whittingdale o Ministério da Cultura. O Daily Telegraph, diário amigo do partido conservador, escolheu o seguinte título: “Os tories declaram guerra à BBC”.
Whittingdale, de 55 anos, era conhecido por suas críticas à rádio e televisão pública. À frente de um comitê parlamentar, publicou um documento sobre o futuro da BBC que recomendava acabar com seu modelo de financiamento —uma taxa anual paga por todos os lares com televisão— e questionava seu tamanho e seu acerto na missão de oferecer um serviço público de rádio e televisão.
A leitura política era evidente. Um Governo disposto a recrudescer sua cruzada contra o tamanho do Estado; um partido tradicionalmente receoso da suposta tendência esquerdista do conteúdo da BBC, receio intensificado durante uma campanha eleitoral transcorrida em termos de um empate virtual entre os dois grandes; e uma legislatura na qual cabe revisar o estatuto constitutivo —o vigente vence em dezembro de 2016— que rege a entidade. A designação de um ministro que definiu a BBC como “a organização mais esbanjadora e inflada do planeta” não parece inocente.
A primeira ofensiva da guerra contra a BBC veio em 8 de julho. O Ministro das Finanças, George Osborne, anunciou uma jogada de mestre que prevê eliminar com uma canetada 18% do que a BBC arrecada com a taxa. A BBC assumirá a partir de agora o financiamento da taxa aos maiores de 75 anos, algo que vinha sendo feito pelo Ministério do Trabalho. O Governo abocanha assim 630 milhões dos 12 bilhões de libras de gastos públicos que se propôs a cortar.
Mas a grande batalha começou na quinta-feira, dia 16 de julho. Whittingdale apresentou um documento que resume a postura do Governo diante da revisão do estatuto. O relatório questiona os grandes pilares da BBC: seu sistema de financiamento e sua vocação de universalidade, dois princípios que andam de mãos dadas.
Conceitualmente, o sistema de financiamento implica duas coisas. O fato de que são os cidadãos a pagar a taxa no banco protege a BBC dos vaivéns enfrentados por outras rubricas do gasto público e, portanto, salvaguarda sua independência política. E o fato de chegar a todos os lares que tenham televisão sustenta filosoficamente sua vocação de universalidade. Se todos pagam, a BBC deve oferecer algo para todos.
A BBC é hoje um monstro que emprega cerca de 20.000 pessoas com um orçamento público anual de 4,8 bilhões de libras (24 bilhões de reais). Até 48 milhões de britânicos assistem a BBC 18 horas por semana. E tem a vocação de construir a identidade britânica, ser um catalisador do talento do país, um ente poroso compartilhado por todos.
Essa ideia de porosidade se reflete em seu quartel-general, no coração de Londres, a alguns passos de Oxford Circus. O novo edifício literalmente insere a cidade na BBC. A entrada é uma praça e a própria rua cruza parte do edifício. O estúdio onde são rodados alguns programas de destaque está aos pés da rua, separado desta apenas por um vidro. Sempre há alguma gravação na própria praça. A redação principal dos programas jornalísticos fica a 10 metros da rua. Os apresentadores se misturam com os transeuntes, com os alunos dos colégios que visitam o edifício, com os paparazzi. A segurança é discreta. Não é uma fortaleza. Não é, para dar um exemplo, o Projac da Rede Globo, um complexo murado em um bairro afastado. A BBC é do contribuinte.
A alternativa é uma BBC menor, limitada àquilo que o mercado não pode oferecer, e financiada por assinatura ou por um híbrido de assinatura e taxa. O ambiente mudou. A tecnologia eliminou as diferenças de suporte, todos competem nas telas de dispositivos móveis. A BBC joga no terreno da Netflix, Amazon, Google, Apple e na dos jornais locais e nacionais. O Times e o Telegraph, os dois jornais sérios mais próximos aos tories, têm ambos plataformas de pagamento em suas edições online. Empresarialmente não é a opção mais conveniente que exista uma grande site de notícias gratuito e pago pelo contribuinte.
A BBC deu argumentos a seus inimigos nos últimos anos. Sua gestão do escândalo de crimes sexuais do apresentador Jimmy Savile abalou gravemente a confiança na instituição. As indenizações milionárias a executivos que saíram colocaram lenha na fogueira.
Cameron decidiu enfrentar um símbolo do país. Algo a que nem Margaret Thatcher se atreveu, apesar de representar tudo que ela odiava. Em 2016 deve haver um novo estatuto. A escassez de tempo joga a favor de Cameron. Contra ele, a alta popularidade que a rede continua tendo hoje entre os britânicos. Inclusive entre os votantes conservadores.
A BBC se defende
A instituição começou cautelosamente sua defesa. Tony Hall, diretor-geral desde 2013, foi definido como o Adriano dos imperadores da BBC. O primeiro que não tem como foco a expansão, e sim a consolidação das fronteiras de seu território. Tem fama de tático e conciliador.
Quando, em 29 de junho, Whittingdale lhe disse que o Ministério das Finanças passaria para a BBC a responsabilidade de pagar a taxa dos maiores de 75 anos, tirando-lhe de um só golpe 630 milhões de libras, Hall decidiu não fazer uma confrontação pública. Negociou duramente de forma reservada com Osborne, conseguindo em contrapartida o compromisso de que a taxa, congelada desde 2010, voltaria a subir com o IPC (a inflação).
Depois da publicação do documento de Whittingdale na quinta-feira, a BBC respondeu, desta vez sim, com um comunicado público no qual afirma que o Governo propõe “uma BBC reduzida e menos popular”. Algo que seria “ruim para o Reino Unido e diferente da BBC que os britânicos conhecem e amam há mais de 90 anos”. Depois se soube que incentivou uma carta aberta ao primeiro-ministro, assinada por personalidades como a escritora J.K. Rowling e o ator Daniel Craig, que dizia que “uma BBC diminuída significaria um Reino Unido diminuído”. Nos próximos meses, provavelmente por meio de uma série de discursos, Tony Hall definirá a postura de negociação da casa.
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