O Brasil mostra sua cara
A história ensina que salvadores, sejam de esquerda ou de direita, sempre conduzem os rebanhos rumo ao abismo
Nos primeiros anos do século XVII, o dramaturgo inglês William Shakespeare escreveu uma frase lapidar para o personagem MacBeth, o general que tomando o lugar do rei após assassiná-lo inaugurou um período de arbitrariedades e derramamento de sangue. Na Cena V do Ato V, MacBeth, dialogando com Seyton, seu oficial, afirma: “A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, sem sentido algum”. Constatação terrível, se a tomamos no âmbito da nossa vida pessoal, mas ainda mais trágica se a pensarmos no contexto da crônica de uma nação.
A presidente Dilma Rousseff, acossada por um processo de impeachment, oferece um ministério, qualquer um, ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com isso, imagina que com seu inegável carisma Lula irá recompor a base aliada, que tem como principal partido de sustentação o PMDB, e irá recolocar a esfrangalhada economia nos eixos. Ao fazer isso, Dilma, na prática, está renunciando ao seu mandato, já que evidentemente a sombra de Lula irá se projetar sobre cada pequeno espaço do governo. É uma espécie de suicídio político com um bilhete de despedida no qual admite sua incompetência.
Por seu turno, Lula, acuado por graves denúncias de corrupção, ao invés de respondê-las uma a uma com a altivez de quem não tem nada a esconder, busca, de todas as maneiras, esquivar-se. A investigação que responde dentro da Operação Lava-Jato transcorre na esfera da Justiça Federal. Aceitar um cargo no governo é deslocá-la para o domínio do Supremo Tribunal Federal (STF). É um artifício legal, sem dúvida, mas constrangedor para quem um dia surgiu como um líder destinado a por fim aos desmandos da hipócrita política brasileira.
De qualquer jeito, com ou sem Lula, Dilma está de novo nas mãos – ou, talvez melhor, nas contas – do PMDB, esse partido que tornou-se, na breve história da nossa fragilíssima democracia, um grande balcão de negócios. A presidente tem que mendigar apoio do presidente do Senado, Renan Calheiros, alvo de três inquéritos no STF, investigado por crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava-Jato. O PMDB sozinho tem 15 dos 57 parlamentares réus em ações no STF – dois senadores e 13 deputados. Além destes, no momento há mais de 100 outros congressistas, de todos os partidos, alvos de inquéritos.
Um dos réus no STF é o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, responsável por dirigir a tramitação do processo de impeachment contra Dilma. Acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, Cunha, por sua vez, pode ter o mandato cassado por seus colegas. Embora tenha conseguido manipular os procedimentos, em continuados adiamentos, a tramitação do processo no Conselho de Ética segue. Ele já avisou que não renuncia – vai usar de todas as armas disponíveis para ganhar sobrevida. Cunha, hoje, é o segundo nome na linha sucessória da Presidência da República. O primeiro é o vice-presidente, Michel Temer, que vem trabalhando desde sempre, às claras, pela destituição de Dilma.
Se Dilma deixar a Presidência, Temer assumirá um cargo para o qual não ganhou um único voto. Sem estofo para garantir a governabilidade, ele já antecipou a aliança com o PSDB que, caso aproveite o convite, chegará ao poder sem ter conquistado a vitória nas urnas. Nada disso é irregular ou ilegítimo – mas é sem dúvida embaraçoso. Se levarmos em consideração que até 2018 dificilmente surgirá um novo nome genuíno, capaz de remendar os farrapos a que a sociedade está reduzida, e que as atuais lideranças, sejam do PT sejam do PSDB, estão todas sob suspeição, resta-nos um temeroso cenário. O de que, inconformados uns, insatisfeitos outros, o povo vá às ruas não em busca de líderes, mas de salvadores. E a História ensina que salvadores, sejam de esquerda ou de direita, sempre conduzem os rebanhos rumo ao abismo.
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