_
_
_
_
_

O abandono dos imigrantes irregulares na Líbia

Centenas de estrangeiros estão há meses encarcerados em Misrata

Francisco Peregil (Enviado especial)
Grupo de imigrantes em centro de internação para estrangeiros em Misrata.
Grupo de imigrantes em centro de internação para estrangeiros em Misrata.JULIÁN ROJAS

O capitão de polícia encarregado do centro de imigrantes indocumentados de Misrata, Mohamed Kahol, trabalhava há quatro meses no Departamento de Homicídios. “Antes lidava com assassinos, presenciei histórias horríveis. Mas aqui me dá vontade de chorar com o que vejo.” Ele não está autorizado a permitir que os jornalistas vejam o mesmo que ele. É proibido acessar o lugar onde os sem-documentos se amontoam atrás de grades. Por outro lado, ele permite que esses imigrantes venham ao seu gabinete e falem. Alguns não precisam dizer nenhuma palavra para descrever o horror da experiência. É o caso de dois irmãos do Níger, de quatro e cinco anos. Chegaram há uma semana a esta antiga escola transformada em prisão, e aqui devem passar os próximos meses, junto com os demais 400 imigrantes.

Mais informações
Líbia: do medo de Muamar Gadafi ao medo do Estado Islâmico
Chegada de imigrantes irregulares à Europa supera um milhão em 2015
Por que os refugiados agora emigram maciçamente para a Europa?

Pelo menos esses dois meninos têm a sorte de estarem com a mãe. Também entram nesta cadeia crianças e adolescentes sem nenhuma companhia. Buhacar Khassey é um pintor de paredes que já estava detido quando completou 19 anos. Em 2013, teve a ideia de emigrar da Gâmbia para a Líbia, com a intenção de enviar dinheiro para sua família. Está com catarro e assoa o nariz numa toalha. “A polícia me deteve uma noite em Trípoli e me mandou há um ano para Misrata. E continuo aqui. Um amigo de Gâmbia teve pior sorte ainda, porque tentou fugir, mas os policiais o apanharam e lhe deram tamanha surra que ele morreu depois de sete dias. Isso eu vi eu com estes olhos.”

Khassey afirma que as condições de vida melhoraram desde a chegada do novo diretor, o capitão Kahol. “Ontem, por exemplo, veio um médico. Isso antes não acontecia. Mas, apesar disso, nesta prisão se vive muito mal. A comida é insuficiente, a água é de péssima qualidade, nossa cama é o chão, dormimos 13 na mesma cela, faz muito frio e vivemos isolados do mundo, não sabemos o que acontece no lado de fora, não há televisão nem rádio.” Obviamente, eles tampouco têm telefones. “De vez em quando deixamos que façam alguma ligação para suas casas nos nossos próprios celulares”, admite o policial.

De repente, se apresenta no escritório de Kahol o cônsul do Chade em Misrata, Ibrahim Khalaby. Kahol o convida para um café e comenta na presença dele: “Ele vai fazer como todos os cônsules. Tiram fotos dos imigrantes do seu país, conversam com eles e vão embora. Mas não levam nenhum”. O cônsul sorri e explica que não é fácil tirar as pessoas da Líbia. As estradas não oferecem segurança, e não há voos diretos para o seu país. E os voos via Tunísia? Estes são caros, mas isso é algo que ele não diz.

“Aqui se vive muito mal. A comida é insuficiente”, diz um imigrante de Gâmbia

Kahol traz ao seu gabinete quatro imigrantes para que conversem com o jornalista. Um deles é Melzah Mohamed, de 20 anos. “Há muitos paquistaneses. Pagaram 1.800 euros [7.850 reais] por um visto, e quando chegaram aqui descobriram que o visto era falso”, diz Kahol. Ao seu lado está o argelino Abdul Kader, de 57 anos. Trabalhava em Sirte, na Líbia, quando chegou o Estado Islâmico (EI). “Quiseram me recrutar, mas eu só queria trabalhar. Perdi meu emprego, vim para cá e agora não tenho como ir embora.”

Há detentos da Nigéria, Somália, Eritreia, Gâmbia, Egito… Alguns fugiram da fome, e outros, de guerras. Mas, na Líbia, não se faz distinção entre imigrantes ou refugiados políticos. A única maneira de sair desta prisão sem a intervenção das embaixadas é convencendo algum líbio a declarar que precisa deles para fazer algum trabalho em suas casas, alguém que se responsabilize por eles. Mas nas ruas de Misrata há milhares de imigrantes subsaarianos, muitos deles indocumentados. Estão no acostamento da rodovia a qualquer hora do dia ou da noite, com uma marreta e um martelo no chão, como propaganda dos ofícios que podem exercer. Mas por que alguns estão na rua, e outros na prisão?

“As forças de segurança”, diz Kahol, “adorariam trazer para mim toda essa gente que você vê nas ruas de Misrata. Mas eu não tenho espaço. A primeira coisa que fiz quando cheguei foi perguntar quem estava aqui havia mais tempo. Um levantou a mão e disse que estava fazia um ano e meio. ‘Fora daqui’, disse eu”.

Controles contra o EI

Nas ruas, a polícia está em alerta contra os estrangeiros por causa da sua possível afiliação ao Estado Islâmico. Há muitas blitze na cidade, além de controles nos principais acessos a Misrata. O agente Salem al Makhey comanda um desses controles viários e conta que neste mês deteve dois tunisianos sem documentos. “Suponho que pertençam ao Estado Islâmico. Eu me limitei a mandá-los para o Serviço de Inteligência.” Al Makhey explica que procura se concentrar nos carros sem placas, “que são muitíssimos na Líbia”.

“Se ninguém os levar, ficarão aqui a vida toda”, antevê o diretor do campo

Mas a maior parte dos estrangeiros trancafiados na antiga escola de Misrata nunca teve a oportunidade de dirigir um carro na Líbia. E pode ser que demorem muito tempo para conseguir. “Se ninguém os levar, ficarão aqui a vida toda”, antevê o capitão Kahol.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_