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Cafeteiras de cápsulas são seguras? Trema, George Clooney

Estudo sobre a salubridade dessas máquinas mexe com as nossas manhãs Falamos com a equipe espanhola responsável pelo trabalho

O ator George Clooney, imagem de uma célebre marca de café de cápsulas, em anúncio em uma parada de ônibus em Paris.
O ator George Clooney, imagem de uma célebre marca de café de cápsulas, em anúncio em uma parada de ônibus em Paris.
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Domadores de bactérias
Nossa nuvem pessoal de bactérias

Ninguém escapa de manter a geladeira limpa para conservar os alimentos. Da mesma forma, todo mundo sabe que seria temerário higienizar utensílios para comida com panos de cozinha sujos. Mas nessa consciência de pureza sobre o que comemos, a cafeteira é uma grande esquecida. Em uma época em que a clássica italiana de rosca se tornou quase uma peça de museu em consequência das cápsulas, uma pesquisa recente publicada no Scientific Reports, do grupo Nature, e realizada por pesquisadores do Instituto Cavanilles de Biodiversidade e Biologia Evolutiva da Universidade de Valência, é o primeiro a identificar as bactérias das modernas maquinas de café do escritório e de casa.

Essa máquina abriga famílias variadas e abundantes de bactérias, mas não há motivo para alarme, afirma Manuel Porcar, diretor da pesquisa, em um trabalho enquadrado na chamada bioprospecção, uma disciplina que tenta encontrar habitats pouco comuns de micro-organismos com aplicação industrial ou biotecnológica, e a metagenômica, o estudo das comunidades microbianas mediante o sequenciamento de seu DNA.

"É um aparelho totalmente seguro. As cápsulas e o café e não contêm nenhum tipo de micro-organismos que tenhamos sido capazes de detectar. Mas na bandeja que recolhe as cápsulas usadas acontece a contaminação. Apesar da relativa capacidade antibacteriana do café, há um grande número de micro-organismos que podem ser patogênicos [que provocam doenças]. Portanto, se deve evitar o contato com o líquido que se acumula no compartimento inferior das cápsulas utilizadas. É uma questão de limpar a máquina com certa frequência (uma vez por semana, com água e sabão, ou inclusive algumas gotas de alvejante) e depois lavar as mãos", afirma Porcar.

Culturalmente, diz esse pesquisador, não se considera igual a limpeza de um pano e de uma cafeteira. "Nós microbiologistas vemos o mundo de outra maneira, e sempre me surpreendeu as pessoas que tomam café das cafeteiras clássicas de rosca, e deixam em cima da mesa da cozinha durante toda a semana e vão bebendo dali. Ninguém faria isso com o leite. O café não deixa de ser um meio relativamente rico para o crescimento de micro-organismos", diz.

"Nós microbiologistas vemos o mundo de outra maneira, e sempre me surpreendeu as pessoas que tomam café das cafeteiras clássicas de rosca, e deixam em cima da mesa da cozinha durante toda a semana e vão bebendo”

Normalmente as cargas microbianas não nos fazem mal algum: o corpo está preparado para elas. Mas um caso extremo de falta de higiene, em que a bandeja onde caem as cápsulas usadas apresente um abandono completo, poderia causar problemas digestivos, apesar de a possibilidade ser remota, diz Porcar. "Isso só acontecerá se houver um contato significativo entre o líquido acumulado no compartimento das cápsulas usadas e o café que a pessoa beber". Mas o risco serve para deixar claro o seguinte: "Sempre que lidamos com alimentos não basta manter limpo o que se come e bebe, mas tudo o que o rodeia [nesse caso, a bandeja inferior]. Ingerir o líquido que se acumula [ou se houver uma transferência após a manipulação] poderia gerar transtornos leves".

A partir da análise de dez cafeteiras, algumas de uso doméstico (de um a três usuários) e outras de escritório (de 10 a 30 usuários), os investigadores extraíram e sequenciaram o DNA dos detritos acumulados. "O tipo e a quantidade de bactérias não diferem em função do número de cafés que a máquina faz. Em todas as cafeteiras foi detectado um líquido semelhante, composto por café diluído a partir do gotejamento das cápsulas e água", diz o pesquisador.

“Um caso extremo de falta de higiene, em que a bandeja onde as cápsulas usadas caem não é limpa com frequência, poderia causar problemas digestivos, mas a possibilidade é remota”

Depois de detectar o número de bactérias nas cafeteiras, uma segunda análise consistiu em adquirir uma máquina de café nova, a utilizando por dois meses em uma sala perto do laboratório dirigido por Porcar, o que levou a observar que a comunidade microbiana não era a mesma que a do início do processo de colonização. Uma semelhança, diz o pesquisador, corresponde a uma floresta queimada. "Como a sucessão ecológica após uma floresta ser devastada por um incêndio, o mesmo acontece com os micro-organismos. Nos restos de café de uma máquina nova, vimos que as primeiras bactérias que chegam são, em muitos casos, generalistas e também fecais, mas aos poucos são substituídas por uma comunidade microbiana muito semelhante a das máquinas com meses ou anos de funcionamento, formada por bactérias que toleram muito bem, ou até mesmo degradam, a cafeína".

Entre os 100 artigos de maior impacto na Nature

A popularidade do café e o sex appeal de suas máquinas de cápsulas colocaram esse estudo espanhol entre um dos de maior impacto do grupo Nature, de acordo com o indicador Altmetrics, posicionado entre os 100 mais vistos dos mais de 120.000 trabalhos de pesquisa com a mesma idade.

Com repercussão em jornais como o The New York Times e milhares de referências em todo mundo, o impacto midiático foi espetacular, diz Porcar, cujo grupo acaba de publicar um trabalho semelhante sobre as bactérias em painéis solares. "O impacto era esperado. Uma das razões é a crescente preocupação com o que comemos. Olhe: ninguém vai morrer por tomar café. No artigo advertimos que algumas bactérias são patogênicas, mas com uma manutenção normal da cafeteira os problemas são eliminados”. Não foram documentados casos de intoxicação por consumo de café de cafeteira. O cientista acrescenta: "Qualquer manchete sobre 'Pesquisadores alertam sobre risco de...' tem muitas leituras e as pessoas compartilham em redes sociais. Como sociedade, somos ávidos para encontrar novos perigos que nos ameaçam, mas nunca vivemos tão bem como até agora, pelo menos no Ocidente".

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