Os rastros tucanos na Lava Jato
Além de Cerveró, outro delator, Pedro Barusco, disse fazer parte de esquema de desvios desde 1996, ainda no Governo FHC
Alguns fios da investigação levada a cabo pela Lava Jato ligam, pelo menos com indícios e citações em delações premiadas, o Governo tucano (1995-2002) ao escândalo. Entre especialistas, é recorrente a afirmação de que a corrupção na Petrobras vem, inclusive, de mais longe no tempo e perpassa governos e partidos políticos. Entre eles, está Pedro Henrique Pedreira Campos, professor do departamento de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro Estranhas Catedrais – As empreiteiras brasileiras e a Ditadura Civil-Militar. “O problema transcende as principais siglas partidárias, PSDB e PT. A prática de pagamento de propina na Petrobras vai além disso”, afirma o professor, cujos estudos apontam casos de corrupção na estatal já durante os anos de chumbo. O próprio procurador Deltan Dallagnol, um dos porta-vozes mais ativos da operação, admite que “a corrupção não é problema de partido A ou B, deste ou daquele Governo, é um problema sistêmico”.
Um desses supostos fios de ligação surgiram nesta segunda-feira, quando o jornal Valor Econômico publicou documento no qual o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, um dos delatores da operação, diz que a compra da empresa petrolífera Pérez Companc pela estatal brasileira envolveu pagamento de propina de 100 milhões de dólares ao Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) _FHC rejeita a acusação. Antes, o delator Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobras, havia admitido que recebia propina desde 1996. A Setal Engenharia e Construções, em seu acordo de leniência firmado com a Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (SG-Cade), diz que as empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato já operavam em cartel nas licitações da Petrobras desde o final dos anos 1990, segundo informou reportagem do jornal O Estado de São Paulo.
Em dezembro passado, o jornal Folha de S.Paulo publicou que, quando o hoje senador preso pela Lava Jato Delcídio do Amaral (PT-MS) foi diretor da Petrobras no Governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, quatro termelétricas contratadas por ele causaram prejuízos milionários aos cofres públicos. Em suas delações premiadas, Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa, teriam revelado que, sob a gestão de Delcídio, a Alstom teria pago 10 milhões de dólares em propina a ele para viabilizar contratos entre 2001 e 2002. Neste caso, FHC também rebateu: “se houve algo, durante o meu Governo, foi conduta imprópria do Delcidio, não corrupção organizada, como agora”.
Entretanto, em seu livro Diários da Presidência, lançado em 2015, Cardoso diz que Benjamin Steinbruch, então dono da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), teria avisado o tucano em outubro de 1996 – 18 anos antes do início da Lava Jato – de que havia problemas na Petrobras. “Eu queria ouvi-lo sobre a Petrobras. Ele me disse que a Petrobras é um escândalo”, escreveu o ex-presidente.
Apesar das menções, com exceção do ex-deputado federal Sérgio Guerra (PSDB-PE), morto em março de 2014 e citado pelos delatores da Lava Jato Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa como destinatário final de propinas, nenhum nome do PSDB ou do DEM veio à tona até agora nas investigações. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) chegou a ser incluído na lista dos alvos da operação, mas posteriormente o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu o arquivamento do pedido de investigação contra o parlamentar.
Em 30 de dezembro, Carlos Alexandre de Souza Rocha, que trabalhava como entregador de dinheiro para o doleiro Alberto Youssef, disse em sua delação premiada ter entregue 300.000 reais a um diretor da UTC, segundo o qual a quantia seria encaminhada para o senador tucano. Em nota, Aécio afirmou que a citação a seu nome é "absurda e irresponsável", e disse não haver prova alguma de que isso ocorreu. O conteúdo das delações feitas por Rocha é visto com ressalvas uma vez que, por duas vezes, Youssef o desmentiu: com relação a entregas de dinheiro feitas ao senador Randolphe Rodrigues (Rede-PE) e sobre uma sociedade entre o doleiro e o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, do PT.
A procuradoria geral também chegou a pedir a abertura de inquérito para investigar o ex-governador de Minas Gerais e atualmente senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), mas o pedido foi arquivado pelo relator da Lava Jato no Supremo, Teori Zavaski. O parlamentar foi citado no depoimento do policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho, que disse ter entregue, em 2010, um milhão de reais a mando de Youssef a alguém que parecia ser o senador. O doleiro negou pagamentos feitos ao tucano, que também afirmou ser inocente.
Há ainda outra questão que levanta suspeitas sobre outras legendas além do PT e do PMDB. São as doações de campanha oficiais usadas como método para pagamento de propina. A prática, descoberta pela força-tarefa da Lava Jato, joga sombra sobre as contribuições feitas a outros partidos. Em 2014 o PSDB, por exemplo, recebeu 22,33 milhões de reais em doações de campanha das empresas Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, OAS e Queiroz Galvão, investigadas por participação no esquema de corrupção. Os tucanos sempre afirmaram que o valor foi repassado pelas companhias de forma legal, e que o montante foi declarado na prestação de contas.
Para o PT, não há dúvidas de que a sigla está sendo perseguida pelos procuradores e esse é um dos principais argumentos que utilizam contra a operação. Em fevereiro do ano passado o PT protocolou uma representação junto às corregedorias do MPF e da Polícia Federal questionando a linha de investigação da Lava Jato, que na visão do partido se concentra no período pós 2010 – ano em que Dilma foi eleita. No documento, os advogados da legenda citam os indícios de que o esquema de corrupção existia, ao menos, desde 1995, primeiro ano de FHC na presidência. O pedido não obteve resultado.
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