O melhor presente de Natal para o Brasil
Nos milagres econômicos fáceis demais se esconde, às vezes, o ovo da serpente
Se Deus continua sendo brasileiro, o melhor presente de Natal que poderia dar ao país é fazê-lo voltar a crescer, unido e capaz de abrir uma nova página de sua história, como fez quando derrotou a ditadura que o tinha dividido e ensanguentado.
O adjetivo mais usado nestas festas é “feliz”. Nós nos desejamos Feliz Natal enquanto transborda o desejo de um Feliz Ano Novo, menos duro que o que termina.
Enquanto isso, este Natal, que encerra um ano negativo quase em tudo, será ainda amargo para muitos.
“Natal? Que Natal?! Este ano não dá para alegrias”, comenta o dono de um mercado, cada vez mais vazio, em uma pequena cidade no interior do Estado do Rio.
Este Natal será, de fato, amargo para milhões de famílias.
Em vez de palavras de paz, nas redes sociais ainda se continua a escutar os ecos da divisão social. No mundo político, em vez de solidariedade com o país e com os mais afetados, reina o salve-se-quem-puder em meio a intrigas e traições.
Será amargo o Natal para esse trabalhador que perdeu o emprego –a cada trinta segundos alguém é despedido. Para o milhão e meio que já foi demitido neste ano que termina. Com a perda do emprego a autoestima do trabalhador também costuma ficar despedaçada.
Assim será para as famílias que tiveram de sacrificar a alegria do pagamento extra na época do Natal para quitar dívidas atrasadas.
Os brasileiros, que sempre souberam esperar pacientes, desta vez têm pressa de ver a luz no final do túnel. Querem vê-la quanto antes.
Para os milhões a quem a crise obrigou a raspar as poupanças, porque o salário, carcomido pela inflação, não chega para comer e pagar a conta de luz, o novo luxo deste país.
Será amargo para os jovens pelos quais os pais se sacrificavam para lhes pagar um curso de qualificação – “para que amanhã, filho, possas viver melhor do que nós” – e que tiveram de voltar a trabalhar porque o salário da família já não é suficiente para as despesas. Para os milhões saídos da pobreza e até da miséria, que começaram a sorrir e a poder ter uma televisão e uma máquina de lavar roupa. Quantas mãos de mulheres pobres rachadas no passado de tanto lavar roupa nas casas e que agora têm medo que a máquina milagrosa quebre, porque não teriam como consertá-la e menos ainda como comprar uma nova.
Nos milagres econômicos fáceis demais se esconde, às vezes, o ovo da serpente.
Será amargo para as famílias da classe média que nunca conheceram a pobreza e a fome, e que hoje precisam começar, também elas, a fazer cortes em seu orçamento porque “as cosias já não são como antes”.
Para os que sentiram as garras do dragão de lama que tragou casas, vidas e esperanças na tragédia ambiental de Mariana. Por que os culpados ainda não estão presos?
Será amargo para as mulheres grávidas que vivem sob o pesadelo do maldito mosquito que poderia contaminá-las e para as que desejariam ter um filho e ficam paralisadas pelo medo. Por que as autoridades fecharam os olhos diante da epidemia? Por que demoraram tanto para reagir? Onde está o governo?
Será dura para todos os que farão filas, nesse dia e sempre, na porta de hospitais públicos cada vez com menos recursos, onde os mais pobres morrem no esquecimento. E será também para os estudantes das escolas públicas, dos quais querem fechar escolas e até cortar o sanduíche da merenda, com a desculpa de uma crise forjada pelo binômio da corrupção e incapacidade de administrar um país rico.
Será um Natal amargo para todos os atingidos pelas balas perdidas, símbolo do caos de uma classe política perdida também, mas nos labirintos de seus interesses de poder.
Será amargo para a caravana de discriminados pela cor da pele, por sua sexualidade e hoje – e isso é tristemente novo no Brasil – até pela religião ou crença política.
Será amargo para as mulheres vítimas da violência dos maridos, para as estupradas – uma a cada nove minutos – e para aquelas às quais se nega o direito de dispor do fruto de seu ventre, por isso morrem na busca de um aborto clandestino –e que já chegam ao recorde de 50.000 por ano.
Será também amargo para os que não renunciaram a ser cidadãos e desejariam ser também responsáveis pelo destino de seu país, mas não encontram instituições limpas onde empenhar-se.
Para os que sofrem a traição política, o assassinato de utopias e esperanças. Para “a legião de órfãos deixados pelo PT, pessoas decentes, que confiavam nele e foram ludibriadas”, como escreveu com dor Rosiska Darcy em sua coluna de O Globo. Órfãos do PT e de tantos outros partidos, transformados em fábricas de votos em vez de celeiros de ideias e projetos para a nação.
Será amargo também, e sobretudo, para os moradores das periferias das cidades, que observam à margem os bairros da riqueza, onde se forjam as leis que sempre os acabam penalizando. São eles os que mais sofrem o açoite da violência. Os frutos das Olimpíadas chegarão ao coração das favelas?
Será um Natal amargo para as mães daquelas comunidades, pobres e violentas, que têm de presenciar a matança dos filhos antes de florescerem para a vida. Os sonhos que nutriam para eles acabam todos os dias assassinados pelo chumbo das balas. Para uma mãe pobre não há filho bom ou bandido. Há somente filho vivo ou morto. Será um Natal amargo para muitos, mas não desesperado, porque toda noite costuma ser seguida pela luz de uma estrela.
Os brasileiros, que sempre souberam esperar pacientes, desta vez têm pressa de ver a luz no final do túnel. Querem vê-la quanto antes.
Para quando essa luz de renovação chegar poderem festejá-la e desfrutá-la, unidos e alegres, como fizeram quando se despojaram das garras da ditadura para voltar a abraçar a democracia e a liberdade.
Os sinos do Natal, há milhares de anos, nos trazem ecos e nostalgias de paz, e não de guerra.
A todos, e de modo especial aos que festejarão na dor e no desencanto, meu abraço, de FELIZ NATAL.
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