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São Paulo corre contra o relógio para frear chegada do zika

Estado, que concentrou quase a metade dos casos de dengue do país, lança plano para combater Aedes Mosquito também transmite o vírus ligado à epidemia de microcefalia que já atingiu 3.174 bebês

Mosquito transmissor da dengue.
Mosquito transmissor da dengue.Venilton Kuchler (ANPr)

Se a epidemia de microcefalia que já vitimou 3.174 recém-nascidos no Brasil trouxe alguma lição, foi a de que não é mais possível subestimar o poder de estrago do Aedes aegypti. Transmissor da dengue e da dolorosa febre chikungunya, o mosquito já é o vetor de uma tríplice epidemia que pode se espalhar pelo país neste verão, infectando também com o zika, um terceiro vírus, que está sendo apontado pelo Ministério da Saúde como o responsável pela explosão de casos graves da malformação cerebral em bebês e que causa a síndrome de Guillain-Barré em adultos. São Paulo, que foi o campeão de dengue neste ano mas ainda teve poucos casos de zika (6), corre contra o relógio para mostrar que aprendeu a lição a tempo.

O medo provocado pela chegada do zika no Estado será um teste de como as agências epidemiológicas dos municípios paulistas respondem a uma epidemia iminente. Segundo epidemiologistas, o vírus deve chegar a São Paulo neste verão e depois de ter mostrado seus efeitos danosos no Nordeste, por onde entrou no país no começo deste ano. Isso deu a São Paulo uma margem de tempo para tentar conter a proliferação do Aedes aegypti com mais efetividade do que tem feito até o momento.

O Estado enfrentou no ano passado um número recorde de casos de dengue. Segundo o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, até 5 de dezembro deste ano os municípios do Estado tiveram 722.352 casos prováveis de dengue, 45% de todos os quase 1,6 milhão de casos registrados no país. Em 2014, esse número foi bem menor: 196.679 casos.

“Em 2015, o Estado teve um cenário de circulação do vírus da dengue muito forte. É de se esperar que veremos casos similares com outras arboviroses [como os outros vírus transmitidos pelo Aedes]. Para se propagar, elas precisam da presença do vetor e as condições já se mostraram propícias”, afirma o professor da Santa Casa de São Paulo Marco Aurélio Safadi, que é diretor do núcleo de estudos da Sociedade Brasileira de Dengue e Arbovirose e secretário do Departamento Científico de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. 

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Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, David Uip, secretario da Saúde do Estado e um dos mais renomados infectologistas do país, reconheceu que a batalha contra o Aedes aegypti não tem sido bem sucedida em São Paulo. “Nossos esforços em 2014 e 2015 não foram suficientes para conter a epidemia, falhamos", relatou ele ao jornal. Ele credita o grande aumento de casos de dengue no ano passado à circulação do sorotipo 1 da doença (são quatro tipos no Brasil), que foi comum no país na década de 1980, quando a dengue ainda não era muito disseminada no Estado. Por isso, houve um amplo contágio, já que havia uma grande quantidade de pessoas em São Paulo sem os anticorpos para esse tipo de dengue –quando uma pessoa contrai a doença uma vez, ela se torna imune àquele sorotipo específico e, quando é picada novamente, não se infecta mais por ele.

A chegada do zika pode produzir um cenário similar. Ele é um vírus novo e, por isso, há um contingente gigantesco de pessoas susceptíveis a ele, o que indica a possibilidade de se repetir o mesmo padrão de contágio visto com a dengue tipo 1 no Estado. A falta de respostas sobre a forma como se comporta o vírus impõe ainda mais desafios para as equipes de saúde. O Ministério afirma, em seu Plano Nacional de Enfrentamento à Microcefalia no Brasil, que até o momento não há nem evidências de que a "imunidade conferida pela infecção natural do vírus zika seja permanente”. Ou seja, não se sabe ainda nem se quem contrai zika uma vez está livre dela, seja por um período ou para sempre.

Até a segunda semana de dezembro, São Paulo havia registrado dois casos de zika autóctones (contraídos dentro do próprio Estado) e seis importados (de pessoas que se contagiaram fora dos municípios paulistas). Outros quatro casos estão sendo investigados – todos ocorreram no primeiro semestre do ano. De acordo com o último boletim epidemiológico sobre a microcefalia divulgado pelo Ministério da Saúde, São Paulo investiga seis casos da doença relacionada com o zika vírus, um número baixo ainda em comparação aos casos do Nordeste – 1.185 em Pernambuco, 504 na Paraíba e 312 na Bahia, para citar os de maior incidência. O Rio de Janeiro e Minas Gerais, outros Estados do Sudeste com incidência expressiva de dengue, têm sob investigação, respectivamente, 118 e 18 casos suspeitos de microcefalia relacionada com zika.

Operação de guerra

Neste mês, o Governo de São Paulo montou uma força-tarefa contra o mosquito. O Plano Estadual de Combate às Arboviroses mobilizará 12 secretarias, homens do Corpo de Bombeiros, da Polícia Militar, do Exército e da Defesa Civil. A partir de janeiro, cerca de 1.000 policiais militares vão realizar diariamente mutirões contra o Aedes nos municípios de maior risco no Estado e atuarão no combate aos focos dentro das residências.

Também foi criada uma espécie de sala de situação na capital, que vai monitorar a circulação do mosquito e a evolução do contágio das doenças causadas por ele, além de um fundo de urgência com 50 milhões de reais disponíveis para distribuir verbas emergenciais para os municípios que precisarem. A Prefeitura de São Paulo também lançou seu plano, que prevê, inclusive, a entrada à força de agentes sanitários em residências fechadas. Considerando que o pico da epidemia de dengue no Estado, neste ano, foi entre março e abril, é possível que essa janela temporal da chegada do vírus zika atue em favor do poder público.

Brasil aprova vacina da dengue

T.B

Na esteira do frisson produzido pela chegada do zika vírus, e do consequente aumento de casos de microcefalia, o Governo brasileiro permitiu a comercialização da primeira vacina no país a ser usada contra a dengue. Apesar de serem transmitidas pelo mesmo vetor, o Aedes aegypti, ela não vale nem para a zika, nem para a chikungunya.

A vacina da farmacêutica Sanofi-Aventis começará a ser vendida em três meses e terá um esquema de aplicação em três doses. Ela será dirigida para a prevenção da dengue causada pelos quatro sorotipos em pessoas que têm de 9 a 45 anos. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que aprovou o registro da vacina, ainda não existem dados que comprovem sua segurança para o uso em indivíduos menores de nove anos ou nos maiores de 45. Ela já foi aprovada para uso no México e nas Filipinas. 

Em resposta a questionamentos do EL PAÍS no início deste mês, o Ministério da Saúde afirmou que uma primeira análise sobre a vacina indicava uma eficácia de 65%. Isso, dizia o órgão, mostrava o "desafio de incorporá-la ao SUS, como estratégia de saúde coletiva, correndo o risco de a população e gestores desarmarem as medidas de prevenção, o que poderia ter efeito inverso no combate à doença". Segundo o laboratório, a vacina reduziu dois terços dos casos causados pelos quatro sorotipos de dengue, preveniu 8 de cada 10 hospitalizações e 93% dos casos de dengue grave.

No último dia 11 de dezembro, o Instituto Butantan, ligado ao Governo do Estado de São Paulo, afirmou que teve o aval da Anvisa para iniciar a última fase de testes de uma outra vacina contra a dengue, aplicada em dose única. O laboratório pretende registrá-la até 2017.

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