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Djavan: “Rezo para seguir produtivo. Estou na metade do meu caminho”

Homenageado no último Grammy Latino, músico lança seu disco mais autobiográfico

María Martín
Djavan acaba de lançar novo disco, 'Vidas para contar'.
Djavan acaba de lançar novo disco, 'Vidas para contar'.divulgação
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Djavan (Alagoas, 1949) está imerso na eleição do tecido do figurino da sua próxima turnê quando a reportagem chega na sua casa com jardim e piscina na Barra da Tijuca. “Este azul é muito apagado”, “gosto do veludo porque tem mais corpo, mas este vai ficar velho no segundo show. Este é sertanejo demais”... A assistente sai com a cor do terno na cabeça mas terá que voltar, depois de consultar o alfaiate. O cantor não se decide pelo tecido do casaco que ele levará, pelo menos, durante a primeira música de cada show.

Na carreira de Djavan, um dos ganhadores do último Grammy Latino pela sua trajetória musical, tudo é conduzido por ele, da roupa à gravação dos seus discos. Faz a música, os arranjos, tem seu estúdio na própria casa, e abriu uma produtora, uma gravadora e uma editora exclusivamente dedicadas aos seus projetos. “Sou autossustentável”, brinca. “Desde o início, como eu tenho uma música muito pessoal, eu tive que criar condições de produzir meu trabalho para ser mostrado de maneira íntegra. Já tive situações nas que encomendei um arranjo a um amigo talentoso e depois não gostei. Como falar isso para ele? Prefiro ter o meu trabalho na minha mão”.

Aos 66 anos, o artista acaba de lançar um novo disco, Vidas para Contar. É seu trabalho mais autobiográfico, dizem, embora Djavan se reconheça mais como um “inventor de canções” que como alguém que desvela sua vida nas letras.

Pregunta. Como foi a entrega do prêmio Grammy? O que significa para um brasileiro ganhar esse reconhecimento?

Resposta. Este é o terceiro Grammy que eu ganho, mas nunca tinha ido lá receber. Dessa vez achei que eu tinha que ir, considerei esse o mais importante porque contempla toda a obra, ratifica a ideia de que minha obra criou asas e está no mundo.

P. Como seu ego lida com esses reconhecimentos?

R. Eu não sou uma pessoa muito vaidosa. Tenho a vaidade de querer sempre o melhor. Mas o que o prêmio significa para mim é meramente um estímulo para continuar. Ele ratifica que o que eu estou fazendo está no caminho certo. Mas eu recebo isso com naturalidade. Não muda nada em mim.

P. Seu último disco é o mais autobiográfico. Por que agora?

R. É casual. Tenho pensado muito na minha mãe, ela foi uma figura muito importante na minha vida artística porque foi ela quem me disse: “você tem talento e vocação para a música”. E eu a vida inteira falei da minha mãe nas entrevistas, mas nunca tinha falado na música. Ao mesmo tempo nesse disco, em Vida Nordestina, quis fazer uma homenagem ao Nordeste porque é a região que eu mais amo, que eu conheço melhor. Eu sinto e sei todas as dificuldades e virtudes, sei como funciona a cabeça do nordestino. Eu quis fazer também uma música [Enguiçado] falando do homem hoje nos âmbitos políticos, sociais, e até familiar, da necessidade que temos de refundar os valores. Porque a classe política está dando um péssimo exemplo à sociedade. Falo de amores, de relação, dos amores que vêm, dos que não vieram, dos amores que são esperados, dos que se interromperam... Usando uma linguagem capaz de manter a diversidade desse assunto, pois o amor é um tema universal e recorrente em todo o mundo. Eu quis trazer frescor a esse assunto.

P. E na vida real como você faz para ter um relacionamento de tantos anos sem se repetir?

Eu não saberia viver sem trabalho. E toda vez que eu rezo eu não peço nada a Deus que não seja que ele me mantenha produtivo. Eu preciso dar vazão.

R. Isso se aprende. O amor é bem cultivado se existe uma igualdade. O privilégio é você manter o amor sempre aflorado, e isso você tem que fazer cotidianamente. Você precisa sentir prazer em ver o outro feliz. Quando você aprende a fazer isso naturalmente você está no caminho para manter o amor.

P. Caetano, Gilberto Gil, Elza Soares, Ney Matogrosso... você... Há uma geração de artistas brasileiros que nunca para de cantar.. O que há com vocês?

R. Eu sou de uma geração posterior a eles, que as pessoas confundem. Eu tenho meu ofício como um elixir. Compor é uma necessidade física, eu preciso periodicamente compor alguma coisa, trazer novas palavras, novas melodias... Faço para mim, para atender meus anseios. Eu não saberia viver sem trabalho. E toda vez que eu rezo eu não peço nada a Deus que não seja que ele me mantenha produtivo. Eu preciso dar vazão. E eu acho que estou, no máximo, na metade do meu caminho.

P. Qual é sua religião, em que você acredita?

Eu não tenho muita facilidade de exteriorizar meus sentimentos porque eu nasci para inventar. Mas mesmo inventando uma música, ela tem elementos vividos por mim. Mas eu prefiro ficar mais observando do que falando

R. Minha religião é Deus. Me criei sob o manto da religião católica, mas admiro outras religiões como a umbanda. Religião é um conceito de vida, a sua religião é o seu transporte para você atingir sua fé. Eu não preciso de religião, na verdade, para atingir minha fé, eu sou um homem de fé, sempre tive. Eu tenho fé em mim, nas coisas que eu faço, fé no trabalho...

P. Como você percebe o poder crescente de determinadas igrejas que polarizam o debate das ideias no Brasil?

R. Eu acho que a fé é algo que o indivíduo precisa, mas você tem conceitos de fés muito diversos. Aqui nós temos de tudo, o Brasil é um país miscigenado, sobretudo na fé. A gente está vivendo um momento de convulsão política, estamos vivendo um momento de limpeza. O Brasil vai ser agora mais do que nunca, um país grande e evoluído. É preciso que se passe por todas essas confusões que estamos passando agora. É importante fazer essa limpeza ética para permitir que as instituições funcionem com o rigor da lei e, depois, o Brasil tem que entender que tem que investir pesado na educação.

P. Qual passagem da sua vida você não compartilha nem na música?

R. É a parte que você vai ficar sem conhecer [risos]. Uma pessoa como eu já é muito exposta. Eu detesto me expor, são raros os momentos nos que eu vou à televisão. Eu não tenho muita facilidade de exteriorizar meus sentimentos porque eu nasci para inventar. Mas mesmo inventando uma música, ela tem elementos vividos por mim. Mas eu prefiro ficar mais observando do que falando.

P. Há alguns momentos da sua vida em que você teve que sair a público para desmentir boatos. Um deles é sobre o verdadeiro significado da música Flor de Lis que relataria a morte da sua mulher durante o parto. De onde saem essas histórias?

R. A Internet tem esse poder de sedimentar mentiras. Eu cansei de dizer que isso não é verdade. Essa música fala de um amor que não progrediu, mas não é uma coisa pessoal, é uma invenção. O grande barato é criar uma situação em que você se identifique e fulano se identifique. Criando uma canção sobre a vida real você está sendo mais um repórter, mas na minha profissão valorizo mais inventar, criar.

P. Outro dos rumores é sobre sua saúde e a possibilidade de você padecer de mal de Parkinson.

R. Minha saúde é ótima. Sou uma pessoa rigorosíssima com a alimentação e com tudo e quero cantar por muitos anos ainda. Quem gosta de mim: não se preocupe, estou ótimo.

P. Você já disse que sofreu preconceito por ser negro. Como é ser negro no Brasil?

R. Talvez seja uma das minorias que mais tenha sofrido restrições durante toda a História. É difícil se conviver com restrição advinda de algo tão ridículo como a cor da pele. O negro tem que mostrar muita capacidade para demonstrar as coisas. Para o homem e a mulher negra é tudo sempre mais difícil. Quando eu apelo para a educação é porque acho que é o único caminho para resolver todas as questões. É na sala de aula que você aprende que todos somos iguais. O Governo tem que aprender que não é paternalizando, como com as cotas nas universidades, que se resolve o problema. O que vai resolver é você dar ao negro condições iguais para conseguir as coisas. Por que as cotas acabam sendo um mal necessário? Porque é ou isso ou zero, mas não é o ideal.

P. No seu caso foi mais difícil atingir suas metas?

R. Eu já nasci músico. Minha vida não é parâmetro para essa questão. Se eu não fosse músico eu teria todas as dificuldades a mais que o homem negro tem. Agora, as dificuldades que eu tive na minha profissão por ser negro também não servem de parâmetro, porque eu sempre tive uma personalidade muito forte e como Deus me deu uma música diferente e pessoal me deu também uma capacidade muito forte para defendê-la. Eu já nasci brigando. Me diziam: “Pô, você até tem algum talento, mas é que sua música é difícil. Tem que facilitar as coisas”, e eu não entendia o que diziam. Até hoje tenho extrema dificuldade de fazer coisas fora do meu pensamento. Não é que seja totalitário, ouço a opinião de todo o mundo, mas minha ideia prevalece.

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