Thomas Bach: é preciso renovar a confiança no esporte
Presidente do COI reflete sobre o que fazer depois dos últimos escândalos de corrupção e dopagem no esporte mundial

Como medalhista olímpico, os recentes acontecimentos em alguns esportes são particularmente preocupantes para mim. O que mais me dói como ex-esportista é que minam a confiança nos atletas honestos. O dedo acusador aponta para os atletas honestos que se esforçam diariamente para alcançar seus sonhos. Esse é o pior efeito secundário do doping.
Precisamos fazer tudo o que estiver em nossas mãos para proteger esses milhões de atletas honestos no mundo. Temos de preservá-los do doping e da corrupção, por seu bem e pelo bem da credibilidade das competições esportivas. Também precisamos proteger a credibilidade das competições esportivas da manipulação e do arranjo de resultados. O COI criou um fundo de 20 milhões de dólares (74,5 milhões de reais) especificamente destinado à proteção dos atletas honestos. Esse fundo se soma a investimentos internacionais de 500 milhões de dólares para efetuar cerca de 250.000 controles antidoping por ano, entre outras iniciativas. O COI tem uma política de tolerância zero com o doping e qualquer tipo de manipulação ou corrupção.
Precisamos fazer o que estiver em nossas mãos para proteger os milhões de atletas honestos
Os atletas que se dopam enfrentam, desde a primeira infração, a proibição de participar de qualquer competição esportiva durante quatro anos. Isso significa que não podem tomar parte na edição seguinte dos Jogos Olímpicos. Na minha juventude, pedi a suspensão para toda a vida a partir da primeira infração. Infelizmente, nenhum tribunal judicial validaria esse tipo de punição. Mas o que poderemos fazer, sim, é que o sistema antidoping seja mais independente das organizações esportivas. Nesse sentido, o COI tomou a iniciativa de pedir à Agência Mundial Antidoping (AMA), a autoridade internacional na luta contra o doping no esporte, que estude a possibilidade de administrar os programas de controle das federações esportivas internacionais. O COI também propôs que o Tribunal Arbitral do Esporte (TAD), o órgão judicial supremo no mundo do esporte, se ocupe de todas as punições aos atletas infratores.
A tolerância zero também implica o respeito às normas da AMA por parte de todas as nações e todos os esportes. Para isso, o esporte necessita do apoio dos Governos. Não esqueçamos que eles participam com 50% do financiamento da AMA. Os Governos têm que garantir que as autoridades antidoping nacionais cumpram as disposições da AMA. E também precisam assegurar que os transgressores, treinadores e médicos corruptos sejam punidos com todo o rigor da lei.
A proteção dos atletas honestos tem de ser acompanhada de um entorno livre de corrupção. O COI e as federações esportivas internacionais estão colaborando estreitamente com a polícia e os reguladores e operadores de apostas em todo o mundo com o objetivo de combater a manipulação no esporte e, concretamente, as apostas ilegais e o arranjo de resultados. O COI está ciente do caráter internacional do crime organizado, por isso também coopera com a Interpol a fim de salvaguardar a integridade do esporte.
O esporte necessita do apoio dos Governos. Não esqueçamos que eles participam com 50% do financiamento da AMA
Para lutar contra a corrupção, a boa governança das organizações esportivas é um aspecto fundamental. Há tempos o COI adotou as medidas as necessárias para isso. Mais recentemente, as reformas aprovadas há exatamente um ano, no marco da Agenda Olímpica 2020, garantem normas de governança reconhecidas internacionalmente. O resultado disso é que nossas contas são auditadas de acordo com as Normas Internacionais de Informação Financeira (NIIF) e que tudo aparece em nosso relatório anual, como é habitual no mundo corporativo. Ainda assim, fixamos limites de idade e duração de mandato para todos os membros do COI, e nomeamos um responsável pela ética e cumprimento, bem como um comitê de auditoria e uma comissão de ética independente. Pedimos a todas as organizações esportivas que sigam esse caminho, e esperamos que assim o façam. Todas essas medidas, entre tantas outras, são públicas e permitem que o COI distribua mais de 90% de sua receita, ou seja, 3,25 milhões de dólares (12,1 milhões de reais) por dia, entre atletas e outros atores do mundo do esporte.
Os recentes debates sobre essas questões deixam em evidência a importância do esporte em nossa sociedade. O esporte pode transformar o mundo em um lugar melhor. Se todas as organizações esportivas adotarem essas medidas de boa governança e seguirem as políticas de tolerância zero, o esporte terá um futuro brilhante. Como disse Nelson Mandela: "O esporte tem o poder de mudar o mundo”. Sim, são tempos difíceis para o esporte. Mas isso também nos dá a oportunidade de renovar nossa confiança na capacidade do esporte de contribuir para um mundo melhor.