Vai creme de leite? Não é carbonara
Quando um prato viaja, se adapta a costumes locais. Os atentados comuns contra massas
Gaspachos com caldo de galinha e tabasco. Tortilhas de batatas no forno. Sanduíches de paella. Todo turista viajado pelo mundo ou pela Internet já deu boas risadas dos atentados contra os clássicos de sua cozinha em países como o Reino Unido, Alemanha ou Estados Unidos. No entanto, poucas vezes se fala de como nós interpretamos ou destruímos os pratos vindos de fora, e a descontração com que acrescentamos ingredientes ou modificamos técnicas, para o assombro dos nativos dos países onde nasceram tais iguarias.
Esse é um processo natural na cozinha, que ocorre desde tempos imemoriais: quando um prato viaja de um país a outro, é adaptado aos costumes locais, à maneira de cozinhar e aos alimentos que há no mercado. Muitas iguarias que hoje consideramos mais nossas que de outros lugares nasceram assim: as rabanadas ou o croquete, por exemplo, são certamente variações incorretas de receitas francesas... e não apenas são deliciosos, mas talvez superem os originais.
Isto posto, também não custa nada mostrar certo respeito pelos pratos alheios e não guarnecê-los com adições que destroem a sua essência. Para isso, é importante conhecer sua fórmula tradicional antes de começar a modificá-los. Se um tiramisù ou um ceviche são elaborados de uma determinada maneira, é por algum motivo. Convém olhar a lista de atentados mais comuns que cometemos com alguns dos greatest hits internacionais. Neste capítulo, as massas.
Espaguete carbonara
Qualquer italiano do Lácio, zona onde se originou esta receita, se perguntará que tipo de drogas tomam os estrangeiros quando lhe servem espaguetes carbonara à moda cigana. Ou, seja, com creme de leite. "O carbonara admite só cinco ingredientes", explica a jornalista italiana e autora do blog Pão do Dia, Alessia Cisternino. "A massa, o guanciale [uma carne de porco parecida com a panceta], as gemas de ovo, o queijo Pecorino romano e a pimenta preta. Não sou eu quem diz. Quem diz é Emilio Dente Ferracci, historiador da gastronomia e filho da famosa cozinheira romana Anna Dente. O segredo da carbonara é conseguir que o ovo seja cozido com o calor da massa, sem se ressecar. O creme e qualquer outro tipo de molho estão a mais."
A ausência de guanciale no mercado justifica uma substituição até por bacon. Mas o creme de leite, porém, sobra, a não ser que você tenha um restaurante e não se preocupe demais em respeitar a tradição italiana. Nesse caso, isso lhe facilitará a vida, porque você poderá ter o molho preparado com antecedência e simplesmente esquentá-lo antes de misturá-lo à massa, algo que a receita original não permite. Suspeito que esse seja o motivo pelo qual em nosso país se estabeleceu essa versão, que empanturra mais, mas não é melhor nem pior. Simplesmente não é carbonara.
Bolonhesa
Outro molho italiano tão popular quanto maltratado até a morte. À parte o amplo uso de ingredientes da pior qualidade, eu pensava que nosso maior pecado era colocar tomate em excesso, ignorando que o protagonista do ragù é a carne (de fato, algumas receitas antigas, como a de Pellegrino Artusi, nem sequer o levam). Mas Alessia Cisternino descobre novos crimes: "Se você pensou em colocar tomate frito, por favor, não faça isso. Eu costumo refogar um pouco de cebola, cenoura e aipo, depois jogo a carne picada e finalmente o tomate triturado natural".
"Não o façam também com massa seca lisa, como espaguetes, bucatini ou farfalle", acrescenta. "O ragù alla bolognese é perfeito para a massa com ovos – lasanha, tagliatelle, pappardelle etc–, que tem um sabor mais intenso e uma textura capaz de sustentar o peso desse molho". Lição aprendida.
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