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O ACENTO
El acento
Texto no qual or author defends ideias e chega a conclusões is based on its interpretação dos fatos ou dado

Ninguém mais ri de um assédio sexual na televisão

Abuso praticado contra uma apresentadora da Televisa causa indignação, qualquer que seja a versão dos fatos

A conductor Tania Reza e seu colega Enrique Tovar.Vídeo: YouTube
Ricardo de Querol

Poucas décadas atrás, nos anos sessenta e setenta, a “perseguição de mulheres” era uma situação apresentada como algo divertido em programas de televisão como O Show de Benny Hill. Quem rememora isso é o escritor inglês John Higgs em Historia alternativa del Siglo XX [História alternativa do Século XX], para ilustrar a mudança ocorrida na percepção das pessoas em relação ao assédio sexual. Desde então, tornou-se público que justamente naqueles anos, naqueles palcos, foram cometidos abusos tão graves como os protagonizados pelo ídolo infantil da BBC Jimmy Savile contra centenas de crianças.

Hoje em dia, o assédio continua a ser uma das muitas faces da violência machista. Não é um assassinato, como os que tiram a vida de sete mulheres mexicanas a cada dia (no Brasil são 15). Não é um estupro, como aquele que sofre uma mexicana a cada quatro minutos (no Brasil, são 500.000 mulheres ao ano). O assédio parece ser menos dramático porque, embora também possa arruinar a vida da vítima, usufrui, ainda, de certa tolerância. Porque, dizem, é mais difícil definir a linha de ultrapassagem do limite. Porque, supõe-se, as mulheres são obrigadas a suportar, sem abandonar o sorriso, piadas grosseiras, quando não apalpadelas não autorizadas. Das muitas faces do machismo, o assédio sexual não é a que mais assusta, embora seja, de longe, a mais generalizada.

O incidente –por assim dizer—entre dois apresentadores de um programa transmitido ao vivo pela Televisa é repugnante, qualquer que seja a versão apresentada. No ATM!, um programa local de Ciudad Juárez –um dos lugares mais perigosos do mundo para as mulheres--, Enrique Tovar tentou várias vezes agarrar sua colega Tania Reza e, apontando para o seu colar, tocar em seu seio. Quando ela afastou a sua mão, ele reagiu com desprezo: “Olha só, ela não gostou!”. E quando Reza disse, no ar, que não podia continuar trabalhando assim e deixou o palco, Tovar pediu desculpas por ela! “Desculpe, pessoal, acho que minha colega está com TPM”, disse, apegando-se ao mito machista da histeria feminina decorrente da menstruação.

Depois que essa imagem circulou causando um escândalo no mundo inteiro, a sucessão de acontecimentos foi igualmente desconcertante. A Televisa divulgou um vídeo em que os dois apresentadores aparecem juntos sorrindo e dizendo que a “brincadeira” fora proposital, mas que “saiu do controle”. A rede de televisão anunciou a demissão dos dois em decorrência dessa simulação. Mas logo depois Tania Reza afirmou que havia sido forçada a dar essa versão. “Lamentavelmente, em uma situação como essa, surgiram pressões por parte da empresa obrigando-me a dizer (e até mesmo de forma gravada) que eu sou culpada”, escreveu ela no Facebook.

Ainda há muitas coisas a serem esclarecidas neste caso. Se o que aconteceu no palco da Televisa foi planejado por alguém, acabou por resultar em um desastre para a imagem da rede de televisão. Mas a mera suspeita de que, após um comportamento não previsto, uma pressão tenha sido feita sobre a vítima já daria ainda mais motivos para indignação. Não terá sido a primeira vez que uma mulher que sofre um abuso é obrigada a “se desculpar” ou apontada como culpada (como aconteceu na famosa sentença espanhola da minissaia). Nisso tudo, há uma única leitura positiva a ser feita: o público já não ri de tais episódios, como acontecia no O Show de Benny Hill.

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