A mulher busca um homem que não existe
Você quer um homem de pegada e ao mesmo tempo sensível... Lenhador selvagem e fofo no mesmo esqueleto, dominador e dominado, rude como na borracharia e sofisticado no ABC da poesia
Bora começar com um grande título de livro: “Um bom homem é difícil de encontrar”, assina que é teu gênia Flannery O´Connor, nega fodona norte-americana da Georgia (1925-1964). Esta coletânea de contos você pode encontrar no Brasil nas melhores casas do ramo e nos melhores atchins dos sebos, vilge, vale muito a pena.
O homem bom, de tudo bom, não existe. Além, muito além da exigência feminina, nossa fraqueza mesmo já mostramos de cara. Mesmo o fofo, aquele que você, amiga, julga como quase uma versão personificada de uma música fofíssima de Los Hermanos, nem sempre foforiza por mais de três encontros. Até acho que o fofo, o cara que promete-promete-promete e não entrega, é o novo canalha! Este engana muito mais do que o cara de quem você não espera nada mesmo.
Que tal se contentar com a fraqueza masculina?
Não. Insista. Vale a pena. Desde que você seja uma heterossexual convicta.
Um bom homem é difícil de encontrar... Mas um bom homem reúne tudo isso: grandeza e fraqueza. Se quer esquecer o machismo, esqueça também a importância masculina. O homem é apenas uma nostalgia enganosa da inveja do pênis. Esqueça.
Lenhador selvagem
O bom homem, o macho predileto, não existe. Você quer um homem de pegada e ao mesmo tempo sensível... Lenhador selvagem e fofo no mesmo esqueleto, dominador e dominado, rude como na borracharia e sofisticado no ABC da poesia (eita, velho poeta Ezra Pound!), açougueiro e carne para o abate na mesma medida... Vixe, é muita função, baby.
E você ainda diz que não quer nada demais, que pede o mínimo possível, eu é que não sei, que não me ligo nos seus pedidos estampados nos sorrisos amarelos e nos muxoxos de rotina...
Será que, depois de tantos anos, eu ainda não sou seu tipo predileto? Ou você que deseja muitos em um só volume, um só casco, um só vasilhame?
Evoé, Baco
Entre continente e conteúdo, me viro, me esforço, meio Jurubeba Leão do Norte meio Romanee-Conti, o vinho dos vinhos, afinal de contas viver é Baco, não importa a origem, a rolha, a tampa, o bouquet, o rótulo.
Rio dos paradoxos dos seus quereres. Nem que eu fosse o Zelig, aquele personagem camaleônico do filme de Woody Allen, conseguiria atendê-los. Repare que eu até me viro, mas não consigo.
De nada adiantou eu decorar duas ou três coisas dos desejos das mulheres se a minha quer mais ainda do que todas as fêmeas juntas. De nada... Ave!
Barata cascuda
Você quer me mudar demais a cada movimento da terra em torno do sol, não vê que a minha capacidade de metamorfose é igual a de uma barata cascuda que resiste ao inseticida e à simples ideia de aventura –mesmo depois de cem anos do Kafka ter escrito aquele livro emblemático sobre esse mesmo tema.
Um bom homem é difícil de encontrar... Mas um bom homem reúne tudo isso: grandeza e fraqueza
Tudo certo, você conseguiu mudar as minhas camisas sociais de firma, você me deixou com fome com aquelas comidas de chéf, você me fez gostar de filmes suecos incompreensíveis, você me tirou de um Sport x Santa Cruz na Ilha de Lost, você me fez entender a importância de coisas que eu julgava não caber no meu figurino de homem do mato, matuto absoluto.
Diante dos seus gostos e desgostos, meu bem, tenho vontade até de ser bonito, mas eu não consigo, eu sempre volto atrás, como acabei de ouvir aqui na voz do inimitável e genial cantante gaúcho Wander Wildner.
Mas como entendo, como entendo vossas exigências. O homem bom, no entanto, é que talvez não exista. Não passa de uma utopia ridícula e inalcançável, ave. Será, minha gente?
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de Os Machões Dançaram (editora Record).
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.