_
_
_
_

Berlim e Paris alertam para risco das reações nacionalistas à crise

Líderes da França e Alemanha se dirigem ao Parlamento europeu de forma conjunta

Claudi Pérez
Jean-Claude Juncker (esq), saúda Merkel e Hollande no plenário do Parlamento Europeu em Estrasburgo (França) em 7 de outubro de 2015.
Jean-Claude Juncker (esq), saúda Merkel e Hollande no plenário do Parlamento Europeu em Estrasburgo (França) em 7 de outubro de 2015.PATRICK SEEGER (EFE)

Um quarto de século depois da queda do Muro, a Europa enfrenta a crise de refugiados com o risco de sucumbir a um perigoso recuo nacionalista. A chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, François Hollande, compareceram nesta quarta-feira ao Parlamento Europeu (Eurocâmara) com uma mensagem de unidade e de alerta ante os reflexos nacionalistas que reaparecem aqui e acolá. “O retorno às fronteiras nacionais, sem unidade para combater a crise, seria o fim da Europa”, disse Hollande. “O debate não é entre mais ou menos Europa. É entre sua afirmação ou seu fim”, enfatizou o presidente. “Todos os países têm de responsabilizar-se pela chegada dos refugiados sem cair no nacionalismo”, reforçou Merkel.

Mais informações
Crise migratória divide a Alemanha no 25º aniversário da reunificação
Emigrantes ou refugiados na Europa: a batalha pela semântica
Angela Merkel cai nas pesquisas devido à crise dos refugiados
O desenho de um menino sírio que deixou a polícia alemã sem palavras

"Uma Alemanha livre e unida em uma Europa livre e unida”. Em Estrasburgo nesta quarta-feira ressoava o eco imponente dos discursos de Helmut Kohl e François Mitterrand depois da queda do Muro, já faz 25 anos. Eram outros tempos. Há um quarto de século, em 1989, a história se acelerou: a queda do Muro representou o fim do mundo hibernado da Guerra Fria e uma nova e promissora etapa para a Europa. Duas décadas e meia depois, Merkel e Hollande tentam fazer também um chamamento à unidade em meio à crise de refugiados, uma marca a mais na sucessão quase eterna de crises que se superpõem como as camadas de uma cebola há quase 10 anos.

Essa unidade não para de ser demonstrada. A Hungria acaba de erguer um muro — imitação envenenada daquele que saltou pelos ares há 25 anos — em sua fronteira com a Sérvia. Houve algum país que chegou a dizer que só aceita refugiados cristãos. Em Bruxelas, por fim, surgiram enormes problemas para encontrar soluções de emergência e vários países se desentenderam ou preferem ficar à margem da distribuição de refugiados proposta pela Comissão Europeia.

Talvez este não seja o tempo mais adequado para os grandes discursos: o euro se aferra hoje a uma trajetória de sobrevivência. Deixou para trás os anos de êxito. Durante a crise financeira, os grandes bancos se recolheram a seus países: produziu-se uma renacionalização dos sistemas bancários, patrocinada –por certo– pela total negativa de Merkel de compartilhar os custos da crise (imortalizada com aquele “chacun sa merde”, ou cada um com a sua, de Merkel).

Tanto a chanceler como Hollande avisam agora sobre o perigo desse tipo de resposta no caso da gestão da crise de refugiados. Mas nem Merkel nem o presidente francês ofereceram soluções radicalmente novas: Berlim apontou a necessidade de uma autêntica política europeia de asilo e exaltou as soluções “na origem”, nos países dos quais saem os refugiados. Paris lembrou que com frequência somente a França é capaz de intervir militarmente para evitar situações potencialmente explosivas e reivindicou uma política externa mais decidida. Isso foi tudo.

Ainda assim, os discursos tiveram um ou outro lampejo. “O nacionalismo é a guerra”, ressaltou Hollande, parafraseando Mitterrand. “Não há nada mais em vão do que alguém se fechar em si mesmo. Isso representaria o declínio da Europa”, vaticinou. “Aprendemos as lições da história”, intercedeu Merkel.

Merkel é firme candidata ao Nobel da Paz por abrir os braços aos refugiados em uma das fases mais agudas da crise; dias depois, no entanto, suspendeu a livre circulação de pessoas na fronteira entre a Alemanha e a Áustria. Vários eurodeputados criticaram Merkel por essa mudança. No final, também na Alemanha reapareceram certos reflexos nacionalistas, observados nas pesquisas que mostram uma recuperação do populista Alternativa para a Alemanha. Talvez por isso Merkel saiu pela tangente. “Há 60 milhões de refugiados no mundo; muitos olham para a Europa. É preciso encontrar a forma de responder a esse desafio conjuntamente”, afirmou a chanceler ante os aplausos gerais da Eurocâmara.

Com uma ou outra exceção: Marine Le Pen se declarou “a anti-Merkel” e criticou com dureza sua “propaganda” em favor de “abrir as fronteiras, para depois fechá-las”. Merkel não entrou no jogo. Hollande, sim: “Quem não estiver convencido, que saia da Europa, que saia do euro, que saia de Schengen e que saia até da democracia, se é que isso seja possível”, respondeu, em um arroubo que recebeu a maior salva de aplausos da tarde. Um pouco mordaz, mas nada a ver com a épica daquele Kohl-Mitterrand de 25 anos atrás, isso não. São outros tempos.

Quando Mitterrand alertava: "O nacionalismo é a guerra"

Luca Costantini

Era 17 de janeiro de 1995 quando o então presidente da República Francesa, o socialista François Mitterrand, fez seu último discurso diante do Parlamento Europeu. Um ano antes de morrer, Mitterrand alertou sobre o perigo do ressurgimento do nacionalismo na Europa: “Senhores e senhoras, vocês são os guardiães de nossa paz, de nossa segurança e de seu futuro”, disse o francês, referindo-se aos parlamentares europeus, os quais ele instou a lembrarem que “o nacionalismo é a guerra”.

Em sua intervenção, Mitterrand recordou o cativeiro na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Somente assim, afirmou, pôde entender como injustificados e falsos eram os preconceitos que sua geração fora incorporando ao longo de décadas de nacionalismos: “Conheci os alemães e depois passei algum tempo em Baden-Württemberg, na cadeia, e as pessoas que estavam ali, os alemães com quem falei, e me dei conta de que amavam a França mais do que nós amávamos a Alemanha”.

“Os acasos da vida fizeram com que eu nascesse durante a Primeira Guerra Mundial e que combatesse na Segunda. Passei minha infância com famílias que choravam seus mortos e guardavam rancor e ódio contra o inimigo”, explicou aos eurodeputados, pedindo-lhes que transmitissem o “ensinamento recebido dos pais, que padeceram o sofrimento e conheceram a aflição, a dor da separação, a presença da morte, unicamente pela inimizade dos homens da Europa entre si”. Para evitar que a guerra se repita na Europa “é preciso vencer os preconceitos da própria história”, concluiu.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_