Relações estratégicas com EUA e Alemanha em busca de atualização
É preciso criar mais confiança na capacidade do Brasil de exercer um papel construtivo e agregador — não de tipo ideológico — na América Latina
Não terá sido por mera coincidência que tanto os Estados Unidos quanto a Alemanha tenham nos últimos meses indicado interesse em preservar a estabilidade do Brasil mediante duas iniciativas tomadas em plena crise institucional e política: a visita da Presidenta Dilma aos EUA e a visita da Senhora Merkel a Brasília. Em ambos os casos, talvez tenha havido conversas em tom de advertências veladas, algum questionamento pode ter surgido, mas a imagem que transpirou foi de apoio por parte dos dois maiores parceiros do Brasil no chamado mundo ocidental aos supostos esforços do Governo para superar a crise. Isso, de um lado é bom porque demonstra interesse na recuperação do país. Mas por outro não deixa de indicar a gravidade da crise brasileira.
A partir do fim da Segunda Guerra, a aliança com os EUA era vista como essencial para a obtenção dos recursos necessários ao desenvolvimento econômico e industrial do Brasil. Continua a ser!
Pouco a pouco, porém, foi ficando evidente que, por estar o Brasil fora dos eixos principais da confrontação ideológica, os EUA não estavam dispostos a investir no Brasil nada minimamente comparável ao que investiam na Europa Ocidental.
A diplomacia brasileira custou para perceber com clareza esse fenômeno. Quando o fez, no começo dos anos sessenta, atuou tardiamente e acabou identificando o Brasil com Cuba, àquela altura um risco de primeira grandeza para os EUA.
No período militar, predominou por certo tempo a lógica da guerra fria que, no entanto, já estava por terminar. Houve a expectativa – logo dissipada – de que os EUA iriam investir no desenvolvimento do Brasil como garantia de que o modelo castrista não se expandiria pela América do Sul.
A “rutura” do nexo de confiança com os EUA se deu por volta de 1968, quando o Brasil se recusou a assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP).
Isso mudou. Os EUA continuam a ser a maior potência mundial. Não há, porém, como pode ter havido no passado, razão alguma para que o Brasil se veja levado a assumir distância dos EUA. A administração Obama conduz uma política internacional isenta de qualquer tipo de qualificação contrária a interesses brasileiros essenciais. Tanto no que se refere a questões globais, quanto a interesses específicos. As políticas norte-americanas gradativamente mudaram em relação a boa parte dos temas que nos separavam.
O caso da Alemanha é diferente. Nosso país serviu de plataforma importante para a internacionalização da indústria alemã no período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. O Brasil é o principal parceiro da Alemanha na América Latina. Há um considerável patrimônio compartilhado de presença recíproca e de cooperação. Inexistem problemas significativos ou pendências entre os dois países. A Alemanha, porém, diferentemente dos EUA, pouca importância dá ao lado estratégico da relação. Enquanto as empresas alemães possam investir, produzir e comerciar livremente com o Brasil, tudo está bem.
O quadro mais amplo em que a Alemanha se move hoje no mundo é de uma grande complexidade. A Alemanha procura assumir papel político de destaque em praticamente todas as crises internacionais, em função, inclusive, de seu objetivo — compartilhado com o Brasil — de tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. É particularmente sensível às situações que envolvem desafios à União Europeia (crise do Euro), à Aliança Atlântica, especialmente as que afetam o Estado de Israel (conflito palestino, Irã) e as que se referem ao ordenamento da não-proliferação (Coreia do Norte), assim como a qualquer situação que envolva riscos ao abastecimento energético (petróleo e gás) e ao livre-comércio. Nenhum desses objetivos conflita com os do Brasil.
A relação bilateral Brasil-Alemanha não está a demandar nada de muito extraordinário. Seus fundamentos são sólidos e a malha de interesses recíprocos é relevante para ambas as partes. Na Alemanha, há um reconhecimento muito expressivo do nosso maior ativo: a consolidação progressiva da democracia.
O relacionamento bilateral se desenvolve em torno de uma matriz de signo positivo. Revela, porém, certa tendência à dispersão e não deixa de oferecer alguma resistência à inovação.
Torna-se indispensável procurar agregar valor ao patrimônio comum das relações bilaterais.
No plano político, essa agregação de valor poderia dar-se como um subproduto do objetivo compartilhado de reformar o Conselho de Segurança da ONU, juntamente com Japão e Índia (G-4). A concertação em torno do G-4, porém, raramente transbordou de Nova York. De mais a mais a Alemanha, na prática, já vem operando no âmbito internacional como se fosse membro permanente do Conselho de Segurança.
No plano econômico, os padrões de comércio não se desviam muito do observado no Século XIX, figurando o Brasil na estratégia comercial alemã ainda essencialmente como fornecedor de matérias primas.
Se tivesse que sintetizar numa só recomendação a experiência que acumulei tanto no campo das relações Brasil-Estados Unidos, quanto no das relações Brasil-Alemanha, diria da importância de lidar prioritariamente com a dispersão inerente a ambas mediante um esforço ainda maior e mais organizado de busca de convergências. Promover contatos bilaterais mais frequentes e mais orientados por resultados em nível oficial; organizar visitas ministeriais mais seguidas e ensejar mais conversas em nível de Chefe de Governo; não deixar passar muito tempo sem que se produzam consultas políticas regulares entre os dois Ministérios de Relações Exteriores; utilizar mais consistentemente a "diplomacia empresarial". Em suma, aproveitar melhor, em benefício recíproco, nossas convergências com vistas a inovar e agregar ainda mais valor a nossas parcerias.
Em ambos os casos, é preciso também criar mais confiança na nossa capacidade de exercer um papel efetivamente construtivo e agregador — não de tipo ideológico — na América Latina.
Luis Felipe de Seixas Corrêa é diplomata, chefiou a missão do Brasil na ONU e na OMC. Foi por duas vezes secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores (1992 e 1999-2001).
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