Refugiados sírios em São Paulo: “Meu filho poderia ter sido Aylan.”
Família de 15 sírios divide casa em São Paulo há três meses e falam do horror da guerra Economista quer enviar dinheiro ao irmão para evitar que ele arrisque fuga pelo mar
Arriscar a vida na fuga ou ficar e morrer. Ao ver pela televisão a comovente imagem do menino Aylan Kurdi, cujo corpo foi arrastado até uma praia turca após uma tentativa fracassada de fugir com a sua família em direção a Europa, o sírio Abdo Ghannoum sentiu tristeza, mas ao mesmo tempo alívio e gratidão. “Poderia ter sido meu filho, a minha família tentando fazer aquela travessia, mas tivemos a sorte de ter conseguido chegar até o Brasil de forma segura.” Há 3 meses, ele e mais 14 parentes, entre eles 6 crianças, saíram de um bairro cristão de Hamah, a menos de meia hora da cidade de Homs – um dos epicentros da guerra síria – em direção ao Líbano para conseguirem um visto que os permitira voar em direção ao Brasil. Ao chegarem a São Paulo, pediram asilo como refugiados e hoje vivem todos em uma casa de 3 quartos na Parada Inglesa, no norte da capital paulista.
A escolha desta família tem se tornado mais comum entre os sírios. Apesar da distância entre os dois países, o Brasil é hoje a nação que mais concedeu asilo a refugiados sírios na América Latina. A busca pelo país veio crescendo desde 2001, quando o conflito começou e, desde então, o Brasil já recebeu 2.077 sírios que pediram refúgio, segundo dados da Agência da ONU para refugiados (Acnur). Um dos principais motivos para a procura do país é a forte presença de uma comunidade sírio-libanesa desde o século passado, mas também a facilidade de se conseguir asilo. Em 2013, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) adotou uma resolução para desburocratizar a emissão de vistos para cidadãos sírios e outros estrangeiros afetados pela guerra e interessados em solicitar refúgio no país. As facilidades expiram no fim deste mês, mas o Governo brasileiro já sinalizou que elas devem ser prorrogadas.
Desde que chegaram, os familiares de Abdo Ghannoum tem lidado com uma realidade mais difícil do que imaginavam, porém melhor do que a do destino que estaria reservado para eles caso optassem em continuar na Síria. “Não tínhamos mais trabalho, a cidade sofria bombardeios constantes e as crianças já não tinham como ir para a escola. E o meu marido também já tinha sido chamado para se apresentar as forças de Bashar al-Asad. Foi um alívio sair de lá”, conta Sarah Farrouh, de 26 anos, que prontamente agarra o celular para mostrar o que sobrou da casa dos pais após um dos últimos bombardeios. As imagens mostram como uma bomba atingiu o quarto do casal, que sobreviveu ao ataque com alguns ferimentos. “Quero muito que eles saiam de lá, mas não temos recursos para ajudá-los no momento”, explica a jovem.
Ela e o marido montaram uma lanchonete com especialidades árabes em São Paulo. Apesar de terem algo para viver e os documentos brasileiros, algumas barreiras ainda tomarão mais tempo para serem superadas. O idioma, a dificuldade de validar o diploma de economista dela e de conseguir um fiador para poder alugar uma casa para os dois são algumas delas. Sarah esperava também economizar mais dinheiro para enviar aos parentes que continuam vivendo em uma Síria. Ela só conseguiu chegar ao Brasil com ajuda de uma parente radicada a cinco anos nos Estados Unidos e agora teme não poder ajudar o irmão que planeja cruzar de barco o mar mediterrâneo e depois seguir para a Alemanha. O país deve receber até 10.000 refugiados, após acordo entre autoridades para que imigrantes possam cruzar fronteiras.
Para o representante do Acnur no Brasil, Andrés Ramírez, a situação dos refugiados sírios está cada vez mais grave. “Apesar dos pedidos de refúgio terem aumentado muito no Brasil, o número ainda é pequeno quando você olha o tamanho do problema. Hoje temos mais de quatro milhões de refugiados sírios e só 5% estão saindo da região”, explica. A maioria deles se encontram nos países vizinhos: na Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egito. “As pessoas querem continuar inseridas em uma cultura similar, em um lugar perto para poder voltar. Antes de tomar uma decisão drástica como a de cruzar o oceano, essas pessoas tentam se deslocar pela região”, completa Ramírez.
Poderia ter sido meu filho, a minha família tentando fazer aquela travessia, mas tivemos a sorte de ter conseguido chegar até o Brasil de forma segura
Ainda que seja uma decisão difícil, a Cáritas de São Paulo tem recebido pedidos de ajuda de pessoas que permanecem na Síria e nos países da região, em condições de sobrevivência e segurança muito precárias e que desejam refúgio. No Brasil, a entidade atendeu só neste ano 810 sírios, dos quais, 507 eram recém-chegados ao país.
Trabalho e a Síria pela televisão
A inserção no mercado de trabalho ainda é uma das maiores dificuldades. No caso dos refugiados que vivem na casa da Parada Inglesa, a maioria conseguiu emprego em diferentes áreas: um deles trabalha em uma construtora, outros vendem doces típicos e uma das mulheres é auxiliar de salão de beleza. Eles, no entanto, ainda não conseguiram colocar todas as crianças nas creches ou escolas e aguardam o pedido que fizeram para participar do programa do Bolsa Família.
A casa, ainda que não seja pequena, obriga aos moradores a deixar de lado o conforto e a privacidade. Na sala da entrada, apenas duas camas, uma ao lado da outra sem qualquer divisória, abrigam dois recém-casados e uma família de quatro pessoas. A cozinha é o ponto de encontro diário. É onde geralmente recebem notícias do conflito sírio por meio da televisão. O pequeno Basam, de seis anos, tem os olhinhos fixados em um episódio do Chaves, mas cumprimenta a reportagem do EL PAÍS com um sorridente “oi, tudo bem?”. Ele já aprendeu algumas palavras em português na escola estadual que frequenta. Começa um noticiário e logo aparecem imagens de um tiroteio no Rio de Janeiro. “Parece a Síria”, diz Bassan. Armas, perseguição e sangue ainda estão guardados na memória como sinônimos do país em que nasceu.
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