Descriminalizar não é a solução. Prevenção e tratamento sim
A descriminalização não significa a legalização das drogas, mas é uma medida que abre precedentes extremamente preocupantes, especialmente em termos de saúde pública
O Supremo Tribunal Federal começou a julgar uma ação que, na prática, descriminaliza o consumo de drogas no país. Será analisada a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas e se o porte de drogas para uso próprio permanecerá, ou não, sendo considerado crime.
Temos que destacar alguns pontos sobre esse cenário no Brasil. Um deles é a dificuldade dos diversos níveis de governo em criar e adotar políticas públicas efetivas de enfrentamento, prevenção e tratamento contra as drogas. Além disso, existe ainda um lobby bem organizado, que prega que a melhor resposta para o problema das drogas (incluindo o tráfico) seria a descriminalização, seguida da legalização, a começar pela maconha.
Um dos argumentos no qual se baseia o lobby é que o consumo de tabaco e álcool é legalizado, apesar dos transtornos físicos, mentais e da dependência química que provocam. Apoiar essa alegação é ignorar tudo o que aprendemos em relação ao álcool e ao tabaco, prejudiciais tanto à saúde dos indivíduos quanto ao sistema de saúde pública.
Outro ponto defendido é que a decisão sobre usar drogas ou não é um direito individual, que não afeta o coletivo. Porém, dados da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) indicam que para cada dependente de drogas, existem mais quatro pessoas afetadas, em média, no âmbito familiar e de diversas formas, atingindo cerca de 30 milhões de brasileiros.
A descriminalização não significa a legalização das drogas, mas é uma medida que abre precedentes extremamente preocupantes, especialmente em termos de saúde pública.
Não existe hoje um exemplo de país que, ao descriminalizar o consumo de drogas, tenha obtido resultados positivos com a medida, como diminuir o tráfico de entorpecentes. Ao contrário, evidências de entidades independentes, como o European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction (EMCDDA), apontam que o tráfico em locais como Portugal (que descriminalizou o consumo de drogas em 2001) aumentou, assim como o consumo de diversos entorpecentes e mortes por overdose. Devido a esse e outros casos, a constatação é que a medida não é a solução para este grave problema.
Mas o que fazer? Antes de qualquer coisa, é fundamental acabar de vez com a polarização e o radicalismo impregnados neste debate. Só eliminar penas ou endurecê-las jamais bastará para encontrarmos uma solução para a epidemia do uso de drogas.
Precisamos considerar abordagens humanas e realistas, que se baseiem nas melhores evidências científicas disponíveis. E um exemplo concreto disso é a chamada Justiça Terapêutica.
No Brasil, a lei 11.343/06 já flexibilizou a legislação, despenalizando o usuário e evitando que ele seja preso por portar drogas para consumo próprio. Inclusive, o parágrafo 7 do artigo 28 desta lei federal prevê que “o juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado”. Porém, esse encaminhamento acontece na prática? Não. E está aí o grande “X” da questão.
Encarcerar o usuário realmente não é a solução – oferecer a ele e à população em geral prevenção e tratamento sim. E no Brasil já é possível aplicar a Justiça Terapêutica, sem alterar qualquer legislação. A lei dos Juizados Especiais Criminais possibilita acordos do tipo, propostos pelos Promotores de Justiça.
A medida é utilizada após uma criteriosa seleção de casos, para os quais são aplicados programas de tratamento, definidos após audiências individuais com os usuários, que são monitorados frequentemente para acompanhar a evolução de sua reabilitação.
O que precisamos é ampliar essa interface entre a justiça e a saúde no país, não incentivando a prisão e sim o auxílio de uma equipe multidisciplinar, que conte não somente com juízes e promotores, mas também com profissionais de saúde.
A simples descriminalização das drogas agravará um quadro de problemas sociais e de saúde pública no Brasil, onde o consumo vem aumentando consideravelmente nos últimos anos, afetando não apenas os usuários, mas também suas famílias, como apontado anteriormente.
Fora isso, precisamos educar e esclarecer a população sobre o uso de substâncias psicoativas, além de proporcionar atendimento de qualidade. Juntas, essas iniciativas criarão uma mudança social e cultural no Brasil. Somente quando essas ações estiverem totalmente consolidadas é que podemos pensar em mudanças na lei brasileira sobre drogas.
Ronaldo Laranjeira é presidente da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) e Professor Titular de Psiquiatria da Unifesp – Escola Paulista de Medicina
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