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Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Até que a monogamia nos separe

O que importa é que o mundo mudou para voltar ao que sempre foi: o respeito aos instintos

Cadeados em ponte de Paris sobre o rio Sena.
Cadeados em ponte de Paris sobre o rio Sena.STEPHANE MAHE (REUTERS)

Quando eu vi a cidade batendo as panelas, eu achei que era ela voltando pra... mim.

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Assobio aquela do xará Chico Buarque, ainda do tempo da campanha das Diretas, quando escuto a moça da mesa ao lado, deixando em pânico o vagabundo, com toda sinceridade desse mundinho pequeno:

“Vamos abrir esse relacionamento, chega de farsa; assim fica um jogo limpo, sem caô, sem enganação!”

O sujeito, um desses malhados cariocas metidos a dons Juans do balneário, treme na camiseta apertada. Sua frio o açaí da véspera do moralismo:

“Como assim, qualé, não estou entendendo esse papo...”

“Isso mesmo que ouviu, vamos jogar aberto e ser felizes”, diz a afilhadinha de Balzac, ali na casa dos 30 e tantos calibres de lindeza. “Quem sabe até nos divertindo em um triângulo amoroso... Adoro aquela sua amante que você nega e me esconde, aquela gostosa da foto romântica contigo na Pedra do Leme... Pegaria fácil!”

“Fala sério!”, manda o galã, assombrado com o que escuta da namoradinha zona sul, até então uma recatada “menina de família”.

O casal saiu do ambiente bufando o varejão da rotina. Corta.

Mulher para casar

Para o cafa-coxinha, o mundo ainda está dividido entre “mulher para casar” e mulher para a sacanagem clandestina. O cafa-coxinha em questão já não é mais criança, passou dos 35, algumas entradas e bandeiras no cocuruto, por supuesto.

O cafa-coxinha se pôs deveras nervoso diante da novidade. Embora estivesse querendo entrar nesse jogo, não contava com a forma explícita que a suposta certinha mandou na lata.

Pedi mais uma sopa de siri na caneca, no balcão de O Caranguejo, quase esquina de casa, enquanto observava o espetáculo da vida, ai de mim Copacabana.

Na véspera havia visto o primeiro episódio de Amores Livres, série do GNT, o canal das moças mais bonitas do planeta, donde também trabalho, graças a Deus — sim, me pagam, mesmo eu implorando para fazer por prazer etc.

Havia visto e batucado na caixinha de fósforo do juízo uma tese maluca: sim, a monogamia acabou, datou, talvez não exista mais, a não ser em casos de impossibilidade ou preguiça de fazer belas confusões na existência.

Será? Não sei, mas o tema, o mote, é deveras procedente, não achas?

No que, epa, salto exclamado: a monogamia é o que nos restou de mais perverso. Amar pesadamente somente ela. Dirão os normais do tudo-pode: que estranho, olha o tesão daquele cara tão-somente por aquela mina!

O que importa é que a bela confusão está formada.

No que vejo agora outro xará, o Papa, anistiando os divorciados... Que Papa. No que pode, é vanguarda.

Básico instinto

O que importa é que o mundo mudou para voltar ao que sempre foi: o respeito aos instintos. Básicos instintos, como me alerta o maior poeta urbano brasileiro, Fausto Fawcett, meu vizinho de GPS carioca.

Se a monogamia acabou, pouco importa, o lindo é que os amores estão cada vez mais livres. As pessoas sacam que o que importa é a comoção da hora, o dizer no olho no olho como é grande o meu amor por você etc.

Só vale, óbvio, com delicadeza.

O resto é silêncio e culpa.

Se bem que amo, como amo, uma mulher culpada. Nada como uma mulher culpada. Vejo até o INRI cristão tatuado no corpo. Lindo demais quando uma mulher culpada chega de mansinho em casa, pisando nos astros distraída, impagável, nada mais carinhosa... Começa a arrepiar desde o capacho.

Ela sabe que gozou lindamente com outro, mas, por cuidado, só por hoje como nos Nárcóticos Anônimos, adentra o nosso ambiente com o mais fiel sorriso da Monalisa.

Como é lindo! Eis a vida.

Livre cabeça

Amores livres, poliamor, como até vivi em olindenses rodas do Roberto Freire, autor do clássico Sem Tesão não há Solução e outros tantos do gênero. Como aprendo todo dia lendo ou ouvindo Regina Navarro Lins, grande autora de A cama na varanda, minha colega no programa global Amor & Sexo.

É o que rola. Queiramos ou não. Porque livre é a cabeça. E quando o pensamento dispara, vixe, já era.

Não que tudo seja traição de fato e de direito. Platonicamente, porém, não há mais monogamia mesmo. Desde que entrei na primeira sala de bate-papo do UOL, ainda nos anos 1990, já era. Phodeu com ph de vez.

Não, não, não se pode criminalizar um desejozinho que até melhora nossa vida lá em casa, mas que é, de alguma forma, traição, isto é, traiçãozinha decente sem voltar para casa com o perfume da rapariga.

Vejo o episódio da série Amores Livres, dirigida por João Jardim, um cabra que entende de amor por ter amado tanto, e reflito, digo, penso com a cabeça de baixo: que lindeza essa suposta sacanagem. Sacanagem um caralho. É amor mesmo. A dois, a três, com os desejos paralelos, é apenas uma forma de estar vivos e aguentar essa porra toda sem carecer virar um babaca, um tarado profissional ou um noviço de Igreja.

A cabeça de baixo é um mito: não existe sem a de cima.

Mas será mesmo que a monogamia, da forma com a qual sonharam nossos pais, acabou mesmo?

Juro que a pratico. Com a perversão dos diabos. É muito bom, paudurescência sem fim, amar só a mesma mulher. O tesão maior disso tudo é que ela nunca acredita!

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor do “Catecismo de Devoções, Intimidades & Pornografias (editora do Bispo).

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