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Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Um país de cabeça para baixo

Vem se tornando difícil compreender as manifestações da política. É como se houvéssemos entrado, como Alice, dentro do espelho e estivéssemos vivendo o mundo ao contrário

Política sempre é tema de conversa entre mim e meus filhos. Procuro, na medida do possível, expor de forma clara meus pensamentos e busco analisar seus comentários. Eles exibem pontos de vista eivados de paixões, que no entanto não os cegam –eu tento assentar meus argumentos em terreno menos movediço. O resultado é que, em geral, convergimos para um equilíbrio: despejamos na mesma taça um pouco de entusiasmo juvenil, um pouco de cética utopia. Confesso, porém, que nos últimos tempos vem se tornando difícil compreender as manifestações da política brasileira. É como se, de repente, houvéssemos entrado, como Alice, dentro do espelho e estivéssemos vivendo o mundo ao contrário.

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Consultado sobre a possibilidade de afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, por conta das denúncias de envolvimento em corrupção na Operação Lava-Jato, o líder do PT na Casa, Sibá Machado, respondeu de forma peremptória: “Não há sentença ainda. E se ele for inocente?” Curiosamente, o partido que ele representa divulgou moção de apoio ao ex-tesoureiro João Vaccari Neto, preso desde abril, acusado de participar de desvio de dinheiro da Petrobras, prejulgando-o, assim, inocente. Seria o caso de perguntar a Sibá Machado: “Não há sentença ainda. E se ele for culpado?”

Na pesquisa na qual Sibá Machado defende o colega Eduardo Cunha, feita pelo jornal Folha de S. Paulo, a maioria dos líderes partidários se posiciona firmemente em favor do presidente da Câmara –o líder do PSDB, Carlos Sampaio, preferiu se abster, o que não deixa de ser uma atitude covarde. A advogada Beatriz Catta-Preta, umas das maiores autoridades brasileiras em jurisdição de delação premiada, que defendia alguns clientes no processo aberto pela Operação Lava-Jato, desistiu da carreira de advogada, após denunciar que está sofrendo ameaças de membros da CPI da Petrobras. Beatriz foi convocada para prestar depoimento por requerimento do deputado Celso Pansera (PMDB-RJ), acusado pelo doleiro Alberto Yousseff de ser “pau mandado” de Cunha. Além do presidente da Câmara, por enquanto outros 21 deputados de diversos partidos estão arrolados em processos de corrupção. A blindagem a Cunha, que andou ameaçando Deus e o mundo, é na verdade um movimento de autodefesa corporativa.

Os escândalos de corrupção que atingem altos dirigentes do partido corroem a imagem do governo e neutralizam os ganhos com as conquistas sociais do último decênio

As chantagens do Congresso contra a presidente Dilma Rousseff, orquestradas pelos presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha, ambos do PMDB do vice-presidente, Michel Temer, e ambos envolvidos em denúncias da Operação Lava-Jato, devem ser debitadas na conta do PT. Os escândalos de corrupção que atingem altos dirigentes do partido, como José Dirceu, ex-ministro do governo de Luiz Ignácio Lula da Silva, corroem de maneira irreversível a imagem do governo e neutralizam os ganhos com as conquistas sociais do último decênio. Somem-se a isso a incompetência na gestão econômica e a fragilidade na condução política e o resultado é a justa indignação do cidadão comum, que vem enfrentando o brutal aumento do desemprego, a forte alta da inflação e a baixa expectativa em relação ao futuro imediato, principalmente entre os jovens.

Em um momento como esse, de enfraquecimento da nossa já frágil democracia, chega a ser leviana a atitude do PSDB de convocar manifestações públicas para pedir o impeachment de Dilma Rousseff

Em um momento como esse, de enfraquecimento da nossa já frágil democracia, chega a ser leviana a atitude do PSDB de convocar manifestações públicas para pedir o impeachment de Dilma Rousseff. Ir para as ruas protestar contra a corrupção, contra a carestia, contra o encerramento de vagas no mercado de trabalho, contra o que quer que seja, é direito legítimo do cidadão. Mas quando um partido tenta apropriar-se dessas bandeiras está apenas tirando proveito da situação –no caso, o PSDB busca se fortalecer para as próximas eleições, apostando no cenário do quanto pior, melhor. Em primeiro lugar, por enquanto não há nenhum processo no qual Dilma seja ré. Em segundo, na hipótese de vacância do cargo assumiria Michel Temer, cujo partido é tão responsável pela atual situação política e econômica quanto o PT. E, em terceiro lugar, um processo de impeachment paralisaria ainda mais a economia do país, empurrando-nos para uma estrada que ninguém sabe onde vai dar. Os tucanos deveriam se espelhar no seu líder, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que em entrevista a uma revista alemã disse que considera Dilma uma pessoa honrada e que não acredita que ela esteja envolvida em corrupção. Ao dizer isso, penso que Fernando Henrique não estava defendendo a cidadã Dilma Rousseff que ora ocupa o cargo de Presidente da República. Ao dizer isso, penso que Fernando Henrique estava defendendo uma causa maior, a própria sobrevivência da nossa democracia.

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