Por que a Olimpíada não desperta tanta rejeição popular quanto a Copa?
O melhor prêmio que a Olimpíada no Rio poderá proporcionar aos atletas brasileiros será o milagre de que nesse momento o Brasil volte a estar unido em um mesmo projeto
O Brasil perdeu a Copa em 2014. E perdeu-a mal. Aquela derrota deixou feridas, e desde então uma sombra se abateu sobre a magia do futebol brasileiro, que deixou de emocionar o mundo.
Será a Olimpíada do Rio, a ser aberta daqui a 12 meses, a revanche daquela derrota?
A Copa foi um fracasso futebolístico e político porque o torneio organizado no país pentacampeão acabou sendo envolvido em suspeitas de corrupção, e sua abertura foi maculada pelas vaias à presidenta Dilma Rousseff e pelas manifestações populares de protesto. E por aquele fatídico 7 x 1, que entrou para a história como se Deus tivesse deixado de ser brasileiro.
Desde então, o clima político se agravou. A crise se agigantou, e o consenso em torno da presidenta Dilma encolheu. Entretanto, desta vez não se nota um movimento popular contra a Olimpíada, um acontecimento de igual ou maior envergadura esportiva que a Copa do Mundo de futebol.
É como se os brasileiros quisessem fazer do sucesso dos Jogos Olímpicos um contraponto à derrota da Copa, de modo a lhes devolver o orgulho esportivo perdido. Mas será que os preparativos para a Olimpíada estão à altura da sua importância, ou já revelam lacunas graves, como as da poluição das águas onde as regatas serão disputadas, que já foi alvo de denúncias internacionais?
Será que o Brasil e o Rio têm atualmente um clima político e social que permita fazer dos Jogos um fato histórico, que deixe sua marca?
Será possível realizar a Olimpíada em meio a esse desassossego nacional que a classe política vive, e às vésperas de o país poder perder a confiança de bom pagador, conquistada com tanto sacrifício em 2008?
Os Jogos Olímpicos serão no Rio, mas, rivalidades regionais à parte, o Brasil é impensável sem a Cidade Maravilhosa, sem contar que a capital fluminense, meca do turismo internacional, é hoje um mosaico de pessoas de todo o país, um microcosmo brasileiro. É todo o país, portanto, que sedia a Olimpíada. Participarão cerca de 10.000 aletas de aproximadamente 200 países, em mais de 300 eventos.
Os Jogos Olímpicos nasceram na Grécia, há nada menos que 2.791 anos, ou seja, em 776 a.C.. Era na época um acontecimento não só esportivo como também religioso, político e social. Era o maior evento do país, e era dedicado aos deuses.
Nas Olimpíadas modernas, que começaram há 120 anos e foram se tornando cada vez mais cosmopolitas, as cidades que as receberam passaram por uma intensa transformação e modernização. Nenhuma das metrópoles que promoveram Jogos Olímpicos permaneceu igual ao que era antes. Tornaram-se melhores, mais habitáveis e mais belas. Barcelona é um exemplo na Espanha. Será também o Rio?
Para o sucesso da Olimpíada será necessário que, até lá, a crise política tenha sido pelo menos encaminhada
Não sou daqueles que acham que as Olimpíadas estão perdendo seu antigo brilho e que as cidades já não desejam sediá-las. Organizar os Jogos Olímpicos continua sendo o sonho e a inveja das grandes metrópoles. Quando o Rio ganhou, Madri chorou por ter perdido.
O Rio e o Brasil têm a esperança de que seus atletas possam ficar entre os 10 melhores do mundo, dobrando o número de medalhas obtido na última Olimpíada, em Londres. É um desejo legítimo. Entretanto, essas medalhas não são a única coisa importante.
O que contará, no final, será a imagem de país que for transmitida ao mundo. Será preciso demonstrar, além do bom desempenho dos nossos atletas, que Rio depois dos Jogos será uma cidade não só mais bela, mas também mais funcional, mais humana e menos violenta.
Uma cidade menos dividida entre o asfalto e o morro, entre a opulência e a pobreza. Menos rasgada entre aqueles que têm de sobra para viver e os que sofrem porque sua renda continua a mantê-los na escassez material e cultural.
Para o sucesso da Olimpíada será necessário que, até lá, a crise política tenha sido pelo menos encaminhada. É de se desejar que esses Jogos sejam abertos por um Presidente da República que no dia da abertura, que será vista por bilhões de pessoas no mundo todo, possa ser aplaudido ao invés de vaiado, como ocorreu na Copa.
Será necessário que a essa altura já se comece a vislumbrar uma luz no fim do túnel da maltratada economia brasileira, e que os índices negativos de desconfiança dos brasileiros quanto ao seu futuro já tenham baixado.
Os amantes do esporte e os cariocas, cuja hospitalidade e internacionalismo são proverbiais, merecem isso. Assim como esse outro Brasil, o que não sai nos jornais e na televisão, o que trabalha em silêncio, sem fazer barulho, cujas lágrimas são invisíveis para nós. Esse Brasil que sofre em solidão e anonimato e que se sente importante com as vitórias esportivas nacionais.
Merecem isso os habitantes sacrificados e sofridos das comunidades carentes que cercam a Cidade Maravilhosa qual uma dolorosa coroa de espinhos, vítimas quase diárias da violência policial e institucional.
Se, ao contrário, a Olimpíada servisse somente para melhorar a vida dos que desfrutam do asfalto, esquecendo-se, no apagar suas luzes, do outro Rio, isso significaria uma derrota mesmo que se ganhasse mais medalhas do que nunca, e mesmo que o centro da cidade ficasse mais bonito.
A população do Rio certamente terá durante a Olimpíada uma segurança com a qual os cariocas nunca sonharam. Isso ficará a cargo dos milhares de policiais e soldados do Exército. E depois?
Esse será o teste definitivo. O Rio será, a partir da Olimpíada, uma cidade mais segura e integrada? A única medalha que o Rio não deverá ganhar é “a do ranking da violência”, como escreve Joaquim Ferreira dos Santos com amarga ironia em sua coluna do O Globo.
Na antiga Grécia, o atleta vitorioso não ganhava medalhas, a vitória era dedicada ao deus Zeus. O melhor prêmio que a Olimpíada poderá proporcionar aos atletas brasileiros no Rio será o milagre de que nesse momento o Brasil volte a estar unido em um mesmo projeto de esperança e prosperidade.
Será a melhor revanche à derrota esportiva, política e moral da Copa.
Quem sabe a Olimpíada não realiza também o milagre, se é que Deus continua sendo brasileiro, de ressuscitar o futebol, cujo eclipse empobrece e dói em todos nós?
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