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Jazida Vaca Muerta, o sonho do ouro negro argentino

A joia da nacionalizada YPF, que pretende seguir os passos dos EUA com fratura hidráulica

Carlos E. Cué
Torres de perfuração e 'fracking' em Vaca Muerta.
Torres de perfuração e 'fracking' em Vaca Muerta.Ricardo Ceppi

Vaca Muerta não tem cheiro, mas pode ser vista de muito longe. Depois de 80 quilômetros de intimidante deserto patagônico desde Neuquén, a capital da província, a chegada à jazida que despertou os sonhos de grandeza dos argentinos é percebida pelo fogo que sai de cada torre em cima de um poço. É o gás que sobra, de má qualidade, que não pode ser vendido. É proibido lançá-lo na atmosfera, de modo que deve ser queimado. Ao redor existem somente pequenos arbustos e muita poeira. Um deserto esburacado por 400 poços de fratura hidráulica, a maior exploração do mundo fora dos EUA. A Argentina, graças à Vaca Muerta, é o segundo país do mundo com mais recursos em gás de xisto, e o quarto em petróleo não convencional.

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Uma manchete como a que estava nos jornais no segundo fim de semana de junho faz a Argentina sonhar: “Os EUA se transformam no maior produtor de petróleo do mundo”. A fratura hidráulica revolucionou a economia dos EUA e do planeta, com a reação de vários países árabes para forçar uma queda no preço para acabar com a rentabilidade dos poços do Texas. A Argentina acredita ter em Vaca Muerta uma joia como a que transformou o Texas no novo Eldorado. São 30.000 quilômetros quadrados de rocha cheia de petróleo. Certo, a 3.000 metros de profundidade e presa em microporos. Só pode ser retirado literalmente destruindo a rocha com água, areia e produtos químicos: a fratura hidráulica.

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Para realizar a exploração, a Argentina se aliou com a norte-americana Chevron e trouxe pessoas como Aldo Guerrero, um texano de origem mexicana que trabalhou 13 anos no Texas e outros 7 na Arábia Saudita e outros países. É o responsável pela máquina que sua empresa, a HP; aluga por 80 milhões de dólares (247 milhões de reais) à YPF para perfurar o poço que visitamos convidados pela companhia argentina nacionalizada (51%) por Cristina Kirchner depois de expropriá-la da espanhola Repsol em 2012, justamente quando Vaca Muerta começava a ser uma realidade.

“Viajei pelo mundo inteiro realizando a fratura hidráulica. Aqui é até melhor do que o Texas. Essa rocha tem muitas possibilidades, muito futuro”, entusiasma-se Guerrero. É o único que dorme no poço, em meio ao duríssimo deserto patagônico, sem uma árvore à vista e com temperaturas que vão de 40 graus no verão a 14 abaixo de zero no inverno. De noite, só resta o vento e o ruído da perfuradora, que nunca termina.

Essas condições extremas de vida são o que faz a fratura hidráulica menos polêmica na Argentina, ainda que em Vaca Muerta os mapuches da região, que reivindicam a propriedade dessas terras, opõem-se à exploração: “Não é a mesma coisa fazer esse procedimento na superpovoada Europa ou em Buenos Aires do que no deserto patagônico”, explica a YPF, que descarta qualquer risco de contaminação dos aquíferos, o principal temor dos ecologistas. “A fratura hidráulica é feita a 3.000 metros e os aquíferos estão a 200”, justifica.

Enquanto sobe na torre de 56 metros da qual controla a perfuração (3.100 metros para baixo e outros 2.305 na horizontal dentro da rocha, antes de jogar no buraco 20 caminhões cheios de água e areia a uma pressão de 10.000 PCI, inimaginável se pensarmos que um pneu de carro tem 30) Martín Costa, chefe da equipe, ironiza a imagem que todos têm de um poço petrolífero. “Se jorrar e nos mancharmos, como nos filmes, é que fizemos algo muito errado. Aqui tudo está entubado, o petróleo não aparece”.

A Argentina é o segundo país do mundo com mais recursos em gás de xisto, e o quarto em petróleo

As tubulações são cobertas com cimento para evitar vazamentos, mas somente até 350 metros de profundidade. Mais abaixo, afirmam, não existe risco de que o petróleo cruze com os aquíferos. Tudo é metódico, mecanizado, aparentemente seguro. Um cartaz diz: “90 dias sem acidentes na equipe”. Parece um recorde.

A técnica é apurada a cada dia. “Já fizemos quase 400 poços. Ainda estamos aprendendo. Quando chegarmos aos 1.000 poços teremos um conhecimento exato de tudo”, resume André Archimio, o responsável pela tecnologia da fratura hidráulica na YPF. Quantos mais fizeram, mais rentável: o custo por unidade baixa. Esse é o grande problema econômico da fratura hidráulica. Cada poço custa aproximadamente seis milhões de dólares (18,5 milhões de reais). Um convencional somente dois (6 milhões de reais). Ainda que tenham conseguido baixar muito o custo desde os 50 milhões de dólares (154,5 milhões de reais) em 2010.

Ainda assim a Argentina precisa de enormes investimentos estrangeiros para abrir mais e mais poços. Além da Chevron, com a qual já extraem 39.000 barris diários, a YPF já firmou parceiras com a também norte-americana Dow e a malaia Petronas. E Cristina Kirchner acaba de acertar outras com a China Sinopec e a russa Gazprom. Para garantir o investimento, o Governo assegura que o petróleo será pago com o mínimo a 77 dólares (238 reais) e não nos 60 dólares (185,45 reais) do mercado atual.

Guerrero trabalha 28 dias seguidos e depois volta para sua casa no Texas para descansar outros 28. Os demais fazem turnos de 12 horas e dormem perto do campo, principalmente no pequeno povoado de Añelo, o mais próximo, que dobrou sua população em dois anos, desde o início da fratura hidráulica.

Os chefes vão a Neuquén, onde a imprensa fala da iminente inauguração de novos hotéis de luxo para os executivos do petróleo. O Sol de Añelo, o melhor hotel do povoado, é um dois estrelas de 69 quartos com diária de 1.050 pesos (359 reais). E está lotado o ano todo. Alguns moradores vendem suas casas por fortunas às petrolíferas para que instalem seus trabalhadores e vão para outros povoados mais afastados da joia argentina.

A riqueza do petróleo é bem-vinda, mas também causa muitos problemas. Milhares de homens sozinhos com dinheiro, tempo livre e poucas opções para gastá-lo. “Passamos de 3.000 a 6.000 habitantes. Aqui era um povoado tranquilo e veio um tsunami. É preciso controlá-lo. Nós não queremos ser um acampamento petrolífero com 10.000 homens. Isso implica drogas, prostituição, jogos de azar. Estamos vivenciando isso. Queremos chegar em 20 anos a ser uma cidade de 50.000 habitantes, mas para isso precisamos que eles venham com suas famílias. Estamos nesse pé”, explica o prefeito, Darío Díaz.

Toda a província está em ebulição. O cassino de Añelo impressiona, mas o da capital, Neuquén, é um dos maiores da Argentina. No livro “Vaca Muerta” (Editora Planeta), de Alejandro Bercovich e Alejandro Rebossio, que analisa detalhadamente o fenômeno, se explica que o desemprego em Neuquén caiu de 8% a 5%, mas por sua vez se transformou na segunda província com mais máquinas caça-níqueis per capita. “O crescimento traz problemas, esse é o desafio”, afirma o prefeito.

A Argentina, um país rico em quase tudo, que foi uma potência mundial nos séculos XIX e XX, e abrigou milhões de europeus que fugiram da fome, vive momentos de incerteza econômica, como quase toda a América Latina, e sonha retirar de Vaca Muerta um novo maná como o foram anteriormente o trigo e a carne e agora a soja. A queda do preço do petróleo preocupa a todos, mas também dão por certo que Vaca Muerta durará pelo menos 40 anos e o preço, acreditam, voltará a subir. O petróleo está ali embaixo e a Argentina tem intenções de retirá-lo não importa o método.

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