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Cristina Fernández retoma a presidência com mão de ferro

A governante argentina nomeou um novo ministro da Economia o homem que elaborou expropriação da YPF

Francisco Peregil
Axel Kicillof em uma entrevista coletiva em 2012.
Axel Kicillof em uma entrevista coletiva em 2012.M. BRINDICCI (REUTERS)

Uma mandatária de sorriso largo e mão firme. Essa é Cristina Kirchner, que retomou a presidência da Argentina na segunda-feira depois de seis semanas de convalescência. Ela sorri para abordar questões banais em um vídeo de quase sete minutos, após ter demitido quatro funcionários de alto escalão de seu Governo. Ela sorri para fingir espontaneidade em sua mensagem gravada –“Agora sim?”, perguntava-lhe a sua filha Florencia, que filmava. “É para esta câmera que tenho que olhar ou para a sua?" Ela sorri para não comentar os maus resultados das eleições legislativas de 27 de outubro, a decisão da Suprema Corte que declarou constitucional a Lei de Meios de Comunicação ou a reforma de Gabinete que acabava de assinar. Nem sequer informou sobre como ocorreu o golpe na cabeça que a deixou com um hematoma cerebral. Mas Cristina Kirschner soube dar mostras de mão firme ao ordenar mudanças que serão decisivas nos dois anos que lhe restam de mandato.

Com essas mudanças, a presidente agrada, por um lado, seus seguidores mais jovens, organizados na associação La Cámpora, liderada por seu filho Máximo Kirchner. E, por outro, satisfaz o peronismo tradicional, representado pelos governadores das províncias dirigidas pela base aliada. A esse grupo foi outorgada a nomeação do governador da província de Chaco (norte), Jorge Capitanich, de 48 anos, escolhido Chefe de Gabinete. E, no caso dos mais jovens, Axel Kicillof, de 42 anos, foi anunciado como novo ministro da Economia.

Kicillof é o professor de Economia que impulsionou em abril de 2012 a expropriação de 51% das ações da Repsol na YPF. Seu cargo oficial era, de 2011 até segunda-feira, o de secretário de Estado da Economia. E seu chefe imediato era o ministro Hernán Lorenzino, o mesmo que em abril respondeu que queria deixar uma entrevista quando uma jornalista grega lhe perguntou qual era a cifra exata de inflação. Cristina Fernández concedeu a ele um retiro cobiçado como embaixador na União Europeia, embora o mantenha na liderança de uma equipe para renegociar a dívida argentina.

Lorenzino se foi, mas a inflação continua. A oficial –à qual ninguém deposita muita confiança– se situa em 10% e as oferecidas pelas consultorias privadas em 25%. Kicillof será aquele que terá de lidar com o tema. Ele também deverá abordar a sangria de dólares que a cada mês escapa do Banco Central. Foi essa escassez de dólares que levou a equipe econômica em maio a aprovar uma anistia fiscal para os responsáveis por evasão de divisas. A operação foi um fracasso total. O Governo pretendia atrair 4 bilhões de dólares do exterior (9,2 bilhões de reais) e só conseguiu 379 milhões de dólares (872 milhões de reais). Minguou a confiança no Governo. E a nomeação de Kicillof não parece desatar a euforia nos mercados. O índice da bolsa de Buenos Aires caiu na terça-feira cerca de 5%.

Kicillof, por fim, poderá exercer com todas as honras as funções de ministro que já vinha exercendo. Há quase dois anos, durante as negociações com os diretores da Repsol, era Kicillof o que tinha a voz mais grave. Uma testemunha daquelas conversas lembrava: “Os ministros falavam pensando no que ele contaria depois à presidente. Ao contrário de outros, ele sim que tinha acesso direto a ela. Parecia como se tivesse fugido de uma reunião universitária. Suas opiniões sobre a empresa privada eram muito dogmáticas. Mas era o único que parecia acreditar no que dizia”.

E o que Kicillof achava na época é o que continua achando agora: que o Estado é o grande meio para intervir na economia em defesa dos mais desfavorecidos. O que não quer dizer que o novo ministro da Economia não saiba se adaptar às circunstâncias quando as circunstâncias deixam poucas escapatórias. Da mesma maneira que Cristina Kirchner demorou 48 horas em se reconciliar com Jorge Bergoglio quando este foi eleito papa, da mesma forma que ela recuou em algumas de suas políticas mais emblemáticas quando se aproximava o descalabro eleitoral de 27 de outubro, Kicillof também tem mais jogo de cintura do que aparenta.

Antes de chegar ao Governo, quando era um professor da Universidade de Buenos Aires alheio ao uso de gravatas, combatia a falsificação da inflação por parte do Governo kirchnerista e chegou a escrever em um relatório de 2008: “Como é de conhecimento público, a partir da intervenção política do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec) em janeiro de 2007, as estatísticas oficiais perderam toda a credibilidade”. No ano seguinte, Kicillof foi incorporado ao Governo, seguiu sem vestir gravatas, mas jamais voltou a criticar em público a manipulação das cifras.

A outra grande nomeação de Cristina Kirchner também apresenta um jogo de cintura político à prova de mudanças vertiginosas. O governador de Chaco, Jorge Capitanich, que substitui Juan Manuel Abal Medina como Chefe de Gabinete, é um peronista de 48 anos. Soube ser menemista com Carlos Menem, duhaldista com Eduardo Duhalde (2002-2003), com o qual já foi Chefe de Gabinete. E agora passa por um dos políticos mais leais a Cristina Kirchner. Ademais, foi elogiado por uma boa parte da oposição, que o vê como um político sério e de formação econômica sólida. Dentro do peronismo é visto como um homem de centro-esquerda, espírito dialogante e sucesso eleitoral contrastado. Ou seja: uma das opções mais consistentes para suceder Cristina Kirchner dentro do governo.

Os resultados das legislativas de 27 de outubro afastaram a governante das presidenciais de 2015. Ficou claro que não já não poderia contar com a maioria de dois terços necessária para aspirar a um terceiro mandato. Capitanich pode ser um possível herdeiro e conta agora com uma forte vitrine para ser conhecido no país.

O cargo de Chefe de Gabinete está bastante desprestigiado, já que a presidente nunca outorgou a Abal Medina o poder necessário para se impor ao restante dos ministros. Mas as coisas poderiam mudar a partir de agora. Sobretudo se o estado de saúde de Cristina Kirchner fizer com que ela delegue mais entre os membros de sua equipe. Por enquanto, embora tenha voltado com o sorriso largo e um ritmo bem mais pausado, não cabe dúvida de que quem manda é ela.

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