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Futebol sul-americano poderá perder imunidade diplomática

Após escândalo da FIFA, presidente do Senado paraguaio quer tirar privilégio da Conmebol

Blatter (esq.) com o presidente da Conmebol, Juan Angel Napout.
Blatter (esq.) com o presidente da Conmebol, Juan Angel Napout.AFP

Governos, juízes e promotores de vários países latino-americanos buscam mostrar-se preocupados e ativos diante da corrupção na FIFA denunciada na quarta-feira pelos Estados Unidos, e pela qual estão sendo acusados 18 dirigentes do futebol, 11 deles dessa região. No Paraguai, sede da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), o presidente do Senado, Blas Lllano, anunciou na sexta-feira que deu entrada na Casa a um projeto de lei para tirar a imunidade diplomática que o país outorgou à entidade esportiva em 1997. Dirigentes da Conmebol estão sendo acusados de receber 100 milhões de dólares (cerca de 320 milhões de reais) em subornos, de um total de 150 milhões de dólares denunciados pela procuradora-geral norte-americana, Loretta Lynch.

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Mas a justiça dos EUA ainda não conseguiu que a do Paraguai revistasse a sede da confederação sul-americana para inspecionar documentos, já que a entidade possui proteção como se fosse uma delegação de um país estrangeiro ou de um órgão multilateral. “O Paraguai não tem que aparecer mantendo uma imunidade que possa ser entendida na comunidade internacional como uma blindagem que impeça a investigação do funcionamento da Conmebol”, opinou o senador Llano.

O presidente da entidade sul-americana, o paraguaio Juan Ángel Napout, disse no sábado em uma entrevista à Rádio Mitre, de Buenos Aires, que apoia o projeto de anulação da imunidade: “Vamos nos abrir e colaborar. Queremos que tudo seja visto”. No entanto, quando um jornalista da emissora lhe perguntou sobre o suposto suborno de 7,5 milhões de dólares que ele e outros presidentes de associações nacionais de futebol da América do Sul teriam recebido em 2013, pelos direitos comerciais das próximas quatro edições da Copa América, segundo a denúncia de Lynch, Napout respondeu que não falaria do assunto e interrompeu a conversa.

O presidente da Conmebol e ex-chefe da Associação Paraguaia de Futebol não está, apesar de tudo, entre os 18 indiciados pelos EUA. Mas da lista consta seu compatriota Nicolás Leoz, de 86 anos, que presidiu a entidade sul-americana entre 1986 e 2013. A justiça norte-americana pediu sua detenção na mesma quarta-feira em que foi divulgada a imputação, mas Leoz se internou de imediato em uma clínica de sua propriedade em Assunção por suposta “crise de hipertensão”, como parte de um quadro que os médicos descreveram como “doença coronária valvar aórtica e insuficiência renal crônica”.

A procuradoria paraguaia reconheceu que não pode prender maiores de 70 anos ou pessoas que sofram de uma doença grave e somente pode ordenar sua prisão domiciliar. Enquanto permanecer internado na clínica, Leoz só terá de se submeter a um procedimento de identificação e controle médico por parte de funcionários da Justiça. O juiz paraguaio encarregado do caso ainda não determinou quando isso será feito.

Na Argentina, um juiz ordenou a revista na sexta-feira das sedes de duas empresas do negócio de transmissão de jogos pela TV e marketing do futebol cujos três proprietários estão na lista dos 18 acusados pelos EUA e permanecem foragidos. A pedido da justiça norte-americana, a Interpol revistou o escritório da produtora de televisão Torneos y Competencias, propriedade do indiciado Alejandro Burzaco, entre outros sócios, e os da Full Play, de Hugo Jinkis e seu filho Mariano. Os EUA pedem a extradição dos três empresários por suposta lavagem de dinheiro e pagamento de subornos. Mas pode ser que a Argentina negue seu envio à superpotência. Ocorre que no dia seguinte ao indiciamento anunciado por Lynch as autoridades tributárias argentinas denunciaram Burzaco e os Jinkis por fraude tributária. “Nosso país, como muitos outros, considera a renda global, independentemente de como é gerada. Trata-se, neste caso, de empresas argentinas que foram denunciadas por suborno e lavagem de dinheiro. Esse dinheiro saiu da banca suíça e foi lavado. Foi colocado em superfície na banca americana e a banca americana denunciou isso. Para nós interessa cobrar os impostos na Argentina sobre esse dinheiro”, disse o chefe da Fazenda da Argentina, Ricardo Echegaray, ao jornal Clarín.

A presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, apoiou a investigação dos EUA e prometeu ajuda: “Temos um acordo com eles. O Brasil e o Departamento de Justiça colaboram sistematicamente”. O ministro da Justiça brasileiro, José Eduardo Cardozo, chegou a se reunir com o ex-jogador e atual senador Romário para analisar o escândalo que levou à detenção na Suíça de José Maria Marin, destituído do cargo de vice-presidente da Confederação Brasileira de Futebol 24 horas depois da revelação do caso.

A justiça do Uruguai removeu o sigilo bancário e congelou as contas de outro dos detidos em Zurique, sede da FIFA, as do vice-presidente dessa entidade e ex-chefe da Conmebol, o uruguaio Eugenio Figueredo, segundo o jornal El País, de Montevidéu. No Uruguai estavam sediadas duas das empresas de marketing esportivo envolvidas no caso: a Full Play e a Datisa, que é a empresa dos argentinos Jinkis e Burzaco, do brasileiro José Hawilla e do norte-americano Aaron Davidson, que teria pago 100 milhões de dólares em subornos aos dirigentes da Conmebol e outros 10 milhões aos da Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf) pelas próximas quatro edições da Copa América, incluída a que será realizada em caráter extraordinário nos EUA em 2016 para comemorar o centenário desse troféu sul-americano.

O Governo da Bolívia, antigo adversário do presidente da federação de futebol do país, Carlos Chávez, aproveitou o escândalo para pedir a essa entidade informações sobre suas finanças. A Federação Boliviana de Futebol respondeu que Chávez não figura na denúncia dos EUA, mas omitiu o fato de que aparece, sim, uma menção de subornos ao presidente dessa entidade, embora sem citar seu nome.

No Peru, fontes vinculadas ao ex-chefe da associação local de futebol Manuel Burga afirmaram que os supostos subornos não foram parar em seu bolso, mas nas contas da entidade. O mesmo argumento apresentaram as federações da Argentina, Chile e Equador. “É um dinheiro que pertence à FEF (Federação Equatoriana de Futebol) pela participação do Equador na Copa América, um dinheiro normal”, tentou esclarecer seu assessor jurídico, Guillermo Saltos Guale. Enquanto isso, a procuradoria equatoriana disse que não investigará o escândalo porque não recebeu dos EUA informações sobre o caso.

A Federação Colombiana de Futebol prometeu colaboração nas investigações e defendeu seus contratos com a Full Play, mas não mencionou nada sobre os pagamentos da Datisa. Em El Salvador, apesar dos dirigentes do futebol do país não figurarem na denúncia de Lynch, a procuradoria prometeu uma investigação integral. Nada semelhante se escutou em outros países da Concacaf.

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