_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Integração regional: realidade possível

Torna-se imprescindível desenvolver uma visão de futuro do Mercosul compartilhada entre Brasil e Argentina

O estreitamento da relação com a América Latina em geral e com a América do Sul em particular representa o fruto mais positivo da reorientação de política externa seguida após o reencontro do Brasil com sua identidade democrática nos anos 80. O ponto de partida foi a reformulação do relacionamento com a Argentina, mediante a criação paulatina a partir de 1986 de um espaço preferencial de entendimento democrático e de integração expresso, após sucessivos acordos específicos, no Tratado de 1988 que criou o Mercado Comum Brasil-Argentina.

Posteriormente, o projeto do Mercado Comum Brasil-Argentina foi ampliado para incorporar o Paraguai e o Uruguai, mas de certa forma teve seu alcance reduzido de Mercado Comum para União Aduaneira, mediante o Tratado de Assunção de 1991 que criou o Mercosul. Acertaram-se por outra parte importantes medidas de confiança como a constituição da Agencia Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC) e os Acordos de Salvaguardas com a Agencia Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Com o passar do tempo, os eixos sul e latino-americanos da política externa do Brasil tomaram forte impulso. Consolidaram-se processos decisórios no Mercosul; o conflito fronteiriço Peru-Equador foi resolvido sob liderança brasileira; o Brasil tomou a iniciativa de convocar e sediar em Brasília a I Reunião de Presidentes da América do Sul.

Nos anos 2000, a América Latina em geral e a América do Sul em particular foram ratificadas como prioridade número um da política exterior do Brasil. Reforçou-se no plano da retórica a parceria estratégica com a Argentina kirchnerista, muito embora as dificuldades econômicas viessem a diminuir ainda mais o comprometimento portenho com o aprofundamento do Mercosul. A Venezuela incorporar-se-ia ao Tratado de Assunção em manobra urdida sobretudo por iniciativa argentina, país que dependia então do apoio financeiro da Venezuela.

Mais informações
'Hora de livrar-se da camisa de força do Mercosul', por J. C. HIDALGO
“Brasil e Argentina devem se unir para negociar com a China”
O Brasil padece, e a Argentina se ressente
Queda da soja prejudica o Mercosul

A América do Sul, porém, em lugar de se fortalecer, passou a correr o risco de se fragmentar em grupos diferenciados: um que se agrupa em torno do Pacífico, envolvendo o Chile, o Peru e a Colombia, juntamente com o México (a Aliança do Pacífico); e outro que continua a girar em torno de um Mercosul crescentemente debilitado, mais a Bolívia e o Equador. Configurou-se, assim, conforme já foi dito, uma nova linha de Tordesilhas no espaço sul-americano.

Não obstante as dificuldades atuais, o tema da integração marca profundamente nosso presente e está destinado a influenciar decisivamente nosso futuro. A integração, na verdade, é uma realidade possível. O papel dos Governos e dos agentes econômicos deve ser, portanto, o de atuar para ampliar os limites de suas possibilidades.

O crescimento exponencial do comércio intra-Mercosul nos anos 90 deu-nos a todos a ilusão do sucesso. Ao jogar com as tarifas, esquecemo-nos do fato de que elas geram (ou inibem) comércio, mas dificilmente induzem à integração. Esquecemo-nos de que sem políticas setoriais conjuntas, sem a harmonização das vantagens comparativas de cada um mediante a integração das cadeias produtivas, sobretudo entre a Argentina e o Brasil, não haverá jamais integração. Do otimismo original passamos a um presente de crescente desilusão.

Protagonistas essenciais do processo, Brasil e Argentina são hoje países que, sem menosprezarem suas diferenças, percebem-se mutuamente como interlocutores privilegiados e parceiros essenciais na consolidação e na expansão dos seus respectivos projetos nacionais e internacionais. Compartilhamos ademais a convicção de que, para que esses objetivos possam ser atingidos, é essencial que sejam complementados sob uma perspectiva regional mais ampla.

Na prática, porém, o Mercosul, baseado originalmente na convergência de visões e de propósitos entre o Brasil e a Argentina, passou a ser regido por uma dinâmica de divergências e fricções reciprocamente agravantes, logo no momento em que se torna mais necessária a coesão entre os dois. Seria, portanto, particularmente importante prevenir que o Mercosul permaneça na agenda bilateral sob um signo crescentemente conflitivo. Torna-se imprescindível desenvolver uma visão de futuro do Mercosul compartilhada entre os dois. De outra forma, cada qual seguirá vendo o Mercosul no espelho de suas próprias ilusões e estaremos fadados a desencontros que poderão ter efeitos nocivos aos interesses individuais e conjuntos dos parceiros..

O Mercosul é uma utopia consciente, ou seja, uma instituição até certo ponto virtual, resultante, não necessariamente de um temor da realidade, como a maioria das utopias, mas sim do interesse em considerar a realidade como uma tarefa permanente e uma invenção perpétua. Como tal, deve estar permanentemente à espreita dos limites do possível. Ou aproximamos nossas perspectivas ou estaremos condenados a continuar encarando os mesmos fenômenos com olhos distintos e enxergando cada qual coisas diferentes, um acusando o outro de não ver o que, no fundo, talvez prefira não ver.

A vigência da aliança com a Argentina deve ser assegurada como ponto da mais alta prioridade no quadro das relações externas do Brasil. Com imaginação criativa, mais perseverança e um pouco mais de “cumplicidade”, poderemos recuperar o ímpeto do Mercosul em benefício do Brasil, da Argentina e de toda a nossa região.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_