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O Brasil padece, e a Argentina se ressente

A estagnação brasileira rebate na terra de Cristina Kirchner, que já tem problemas de sobra

Carla Jiménez
Cristina Fernández em Formosa (Argentina) nesta terça-feira.
Cristina Fernández em Formosa (Argentina) nesta terça-feira.EFE

O Brasil, assim como a América do Sul, já viveram dias bem melhores. Um passado em que os presidentes dos países vizinhos se miravam em Lula como exemplo de administração, quando ele gozava de grande popularidade com seus feitos econômicos. O ex-presidente surfava, naquela época, numa onda chinesa que veio compensar as perdas da crise financeira de 2008, que atingiu de frente os Estados Unidos e a Europa. Surfava, também, na expansão de crédito que garantiu o boom do consumo no mercado interno.

Em 2010, o Brasil teve um invejável crescimento de 7,5% do PIB, um número pouco usual para uma nação que vive, há décadas, uma expansão a um ritmo baixo. Houve uma sensação momentânea de que o país havia deixado para trás o que os economistas apelidaram de crescimento a “voo de galinha”, aquém de suas possibilidades. Mas, a letargia da atividade este ano, com demissões na indústria, e um consumidor mais retraído, deixam claro que o país não conseguiu se desvencilhar desse modelo.

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A estagnação brasileira acaba atingindo também um dos seus principais parceiros comerciais, a Argentina. O Brasil compra de alimentos a carros da terra de Cristina Kirchner. Mas, neste ano, as importações do país vizinho, que é o terceiro parceiro do país, depois da China e dos Estados Unidos, já caíram quase 20%. “O Brasil continua sendo a economia mais dinâmica da América do Sul e o segundo emergente com estrutura econômica mais diversificada, só perdendo para a China. Nesse sentido, é natural que os movimentos da economia brasileira afetem os nossos vizinhos. Isso ocorre, por exemplo, pela via comercial, sobretudo no segmento de bens industriais”, afirma Octávio de Barros, economista chefe do banco Bradesco.

Dante Sica, economista argentino da consultoria Abeceb.com, explica que a Argentina sempre é afetada quando o Brasil cresce abaixo de 1,5%. Com a perspectiva de expansão de 1% este ano, segundo o Governo, e de 0,33%, segundo os analistas financeiros, os argentinos dificilmente sairiam ilesos. Sica lembra que os problemas domésticos já são tão grandes para Kirchner, que os efeitos da crise brasileira ficam em segundo plano. “Enquanto a Argentina não fechar acordos com seus credores [fundos abutres], continuará seu ciclo recessivo”, avalia.

Os argentinos, em todo caso, estão atentos ao processo eleitoral brasileiro, pois se está ruim com o governo de Dilma Rousseff, há um temor de mudanças bruscas caso a candidata do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Marina Silva, seja a próxima presidenta. “As primeiras expressões de Silva sobre a Argentina e o Mercosul têm sido duras. Mas seja quem for a vencedora, o Brasil precisa mudar a política econômica para voltar a se recuperar”, completa Sica.

Ingo Ploger, presidente do Conselho Empresarial da América Latina, acredita, no entanto, que o contágio brasileiro é relativo. “O Brasil é mais parte da solução do que do problema dos argentinos agora”, acredita. De fato, se o Brasil está comprando menos, eles também estão comprando menos daqui: quase 25% a menos, entre janeiro e agosto. O saldo comercial ainda é positivo para os vizinhos, que substituíram produtos manufaturados brasileiros por itens chineses. “Enquanto houver escassez de dólares, e a China oferecer financiamento para comprar seus produtos, será assim”, acredita Dante Sica.

As exportações para o Mercosul, que incluem as vendas tanto para a Argentina, como para o Paraguai e Uruguai, estão hoje na casa dos 13 bilhões de dólares, de janeiro até agosto, enquanto que no ano passado foi de 24,6 bilhões de dólares. “Provavelmente, não vamos conseguir empatar com os valores do ano passado”, acredita Barros, do Bradesco. Fica evidente o peso do mercado argentino nesse resultado, uma vez que as exportações brasileiras para o mercado uruguaio e paraguaio cresceram 40% e 9,5%, respectivamente, comparado ao mesmo período do ano passado. Os dois juntos, porém, representam uma fração ínfima do comércio exterior do Brasil.

O economista lembra que no caso específico do Mercosul, os principais itens da pauta exportadora brasileira são industrializados, o que tende a aumentar os desafios ao setor manufatureiro nacional. Hoje, a pauta brasileira está concentrada em commodities (mais de 70%), e a perda de competitividade em manufaturados prejudica a indústria, que vem sangrando desde o início do ano.

As exportações, em todo caso, representaram atualmente 12,6% do PIB do ano passado, ou seja, o grosso da economia brasileira está concentrada no mercado interno. “O comércio exterior é relevante para o Brasil, mas não é o vetor mais dinâmico de crescimento doméstico. Consumo das famílias e investimentos têm tido esse papel e creio que deverão continuar tendo nos próximos anos”, observa Barros, do Bradesco. “Manter ou melhorar as condições para esses componentes avançarem é o caminho”, alerta o economista.

A desaceleração chinesa influenciou o preço das comodities e está afetando o resultado da balança comercial, que deve fechar este ano com um pequeno saldo comercial, abaixo de 1 bilhão de dólares, segundo projeções da Associação dos Exportadores do Brasil (AEB). Em 2013, o saldo foi de 2,56 bilhões, já bem abaixo dos 19,4 bilhões do ano anterior.

O valor de mercado das principais vedetes brasileiras, soja e minério, está em queda e, embora o volume exportado seja similar ao do ano passado, a matemática é inexorável. “Só não teremos um déficit na balança porque as importações também estão caindo”, observa José Augusto Castro, presidente da AEB.

Apesar dos pesares, há alguns indicadores que demonstram que o Brasil continua na guerra para ao menos preservar seu lugar ao sol. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a instituição pública de fomento, que financia exportações de bens e serviços, deve direcionar 2,8 bilhões de dólares para a venda de empresas brasileiras ao mercado externo. Em 2013, esse número foi de 2,5 bilhões de dólares.

Luciene Machado, superintendente da área de comércio exterior do banco, explica que nesse valor estão incluídas operações de venda de produtos manufaturados e de serviços de empreiteiras, por exemplo, para a construção de hidrelétricas, rodovias, etc, em países parceiros. “São projetos de médio e longo prazos, em mercados onde as empresas brasileiras são competitivas, como a América Latina e África”, diz Machado. Só em serviços, que inclui a engenharia de obras infraestrutura, o valor é 1,3 bilhão de dólares.

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