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DANTE SICA | economista

“Brasil e Argentina devem se unir para negociar com a China”

Para o sócio da Abeceb, a China "desafia o Mercosul em seu próprio território" e os países devem se unir para lidar com o avanço chinês, que lembra “o colonialismo inglês de 1800”

Carla Jiménez
Dante Sica, sócio da consultoria Abeceb.com.
Dante Sica, sócio da consultoria Abeceb.com.Divulgação

Dante Sica viaja com frequência ao Brasil, por ser a ponte entre empresas brasileiras e a Argentina, e vice-versa. Por isso, o sócio da consultoria para investimentos Abeceb.com conhece de cor todos os detalhes do Mercosul, e reconhece a similaridade entre os dois países para uma série de assuntos. Dificuldade de estimular o investimento, letargia para avançar em obras de infraestrutura, e um amigo asiático que preocupa: a China. Ao mesmo tempo em que se tornam os principais parceiros dos dois países, os chineses começam a fincar sua bandeira no continente sul-americano, desafiando o Mercosul. “Se deixar, a China é o colonialismo inglês de 1800. Ela não quer só comprar tua soja e minérios. Ele quer as terras, e explorar com trabalhadores chineses”, afirma.

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De passagem por São Paulo, ele conversou com o EL PAÍS sobre os principais desafios do Governo Dilma neste segundo mandato. Dentre eles, a aproximação do Mercosul com a Aliança do Pacífico. “Um acordo com a Aliança do Pacífico é mais importante para o Brasil que para os demais sócios”, acredita.

Pergunta. Como está sendo recebida a reeleição de Dilma na Argentina?

Resposta. Eu diria que, em termos políticos para o Governo, foi muito bem vista, porque de alguma maneira o oficialismo entre a Argentina e o Brasil brincam com o famoso ‘efeito Orloff’ [em referência a um comercial dos anos 90 que mostrava o personagem em sua versão do dia seguinte.]

P. “Eu sou você amanhã”, ou seja, a Argentina amanhã é o Brasil de hoje?

R. Como a Dilma já ganhou fica algo do tipo, 'bom, temos uma possibilidade de ganhar as eleições que vêm aí'. Beneplácito, mas também gera dúvidas porque realmente foi uma eleição muito estreita, uma eleição onde o tema econômico jogou muito mais forte do que outras vezes. Este segundo mandato terá muito mais desafios porque não tem um Congresso tão favorável como antes. O resultado exige ter muito mais negociações e muito mais diálogo com os setores da oposição e acho que vai ter de fazer, se quiser recuperar o equilíbrio econômico, mudanças na política econômica. Deveria, na minha opinião, criar-se até um comitê de crise, para temas como energia e infraestrutura.

P: O setor de energia em função dos problemas financeiros das empresas do setor e a seca. Mas no caso de infraestrutura por quê? Para acelerar o que já existe?

R. Para acelerar e para realizar. O Brasil tem um brutal problema, tanto quanto a Argentina, de competitividade. Nestes anos, tanto no Governo Lula e mais ainda no da Dilma, o crescimento foi liderado pelo consumo, não investimentos. Na Argentina também foi assim. A reação à perda de competitividade foi fechar-se mais do que se abrir. Isso de alguma maneira agravou o problema. Se o Brasil tem que recuperar sua capacidade exportadora, precisa ter uma melhor abertura. Mas para isso terá que fazer um fortíssimo investimento em infraestrutura, portos, telecomunicações... A burocracia excessiva do Brasil, em termos de custos ocultos, até as distintas instâncias pelas quais uma obra da iniciativa privada precisa passar, fizeram com que nos últimos quatro anos um programa forte anunciado por Dilma [de investimento em infraestrutura] nem sequer tenha sido colocado em prática. Acho que há um desafio que não é só de investimento necessário. Também desarmar essa massa burocrática, que lhe permita ser mais ágil nos próximos quatro anos.

P. Como está a Argentina em relação à negociação com a União Europeia-Mercosul?

R. Eu diria que o Governo não acredita nessa negociação, e nem o setor empresarial argentino. Na Argentina não há clima para negociações, e nem demanda para isso. Eu faço uma piada. Para um argentino, negociações internacionais é tirar um contêiner da aduana caso consiga autorização do Governo...

P. Então como a negociação entre a União Europeia e o Mercosul é vista?

R. Não acreditam e entendem que o Governo argentino assumiu essa nova condução, que é: se a negociação fracassar, será porque a UE não tem interesse. É algo como dizer 'por que nós ficaremos como culpados se a negociação se frustrar, por não apresentarmos uma oferta, se a UE não quer negociar? Também houve uma negociação com o Brasil, pois, para a Dilma, era muito importante apresentar uma oferta ou isto viraria tema de campanha eleitoral. A Argentina apresentou uma oferta mínima, que o único que faz é compatibilizar os parâmetros necessários para o Brasil, para ter uma oferta consolidada e apresentar para a UE.

P. Se por um acaso avançar, se alinha com o Brasil para apresentar a oferta?

R. Agora a bola está com a Europa, haverá que esperar a próxima reunião para ver o interesse da UE. Mas, para a Europa o Mercosul é o Brasil. E dá a sensação de que a Europa está mais preocupada com os EUA que com o Brasil. Até porque estamos tentando fazer acontecer uma negociação velha, que começou em 1995, quando o mundo era diferente e o interesse dos blocos na época era diferente.

P. Não são os mesmos interesses...

R. Passamos dos anos 90 de um marco quando começava a ideia das integrações regionais, para a época das commodities, e agora para acordos inter-regionais, e pensando numa OMC 2.0 . E continuamos com o mesmo marco de acordo. Parece que estamos empurrando um carro velho. Talvez se saíssemos do zero estaríamos negociando sobre parâmetros distintos. Por isso a negociação trava. Estamos querendo retomar algo que ficou congelado no tempo.

P. E o Mercosul enquanto bloco?

R. Ele também se encontra num debate. O Mercosul resultou em grandes coisas. Às vezes pedimos mais do que podíamos dar. No Brasil há um olhar muito negativo para o Mercosul. No entanto, houve avanços muito positivos. Conseguimos forte comércio.

P. Está subestimado?

R. Sim. E quem mais ganhou foi o Brasil, do ponto de vista comercial. É o sócio que tem superávit com todos os países, transformou-se em principal fornecedor de quase todos os bens industriais de todos os sócios. Numa segunda etapa, de investimento produtivo, o Brasil foi um grande vencedor. O Brasil tem forte investimento no Uruguai, Paraguai, Argentina, onde tem força, com a sua cadeia industrial. A maior integração de cadeias se deu no marco do investimento brasileiro. E também se avançou em temas políticos e culturais. Há muito por fazer, para avançar. Dá a sensação de que nos últimos dez anos o Mercosul estancou. A ideia de evoluir para uma união aduaneira estacionou. Ficaram só as exceções, as alíquotas comuns, para os problemas de assimetria.

P. O Mercosul poderia se abrir para que seus membros fechassem acordos bilaterais?

R. Acho que isso é muito forte. Propor isso é repensar a alíquota intra-região. Aí acredito que os países precisam fazer um balanço. Fazer um acordo bilateral, que implique um sistema de preferências diferente ao do resto dos países, teria de implicar numa discussão de preferências intra-região, ou se formaria uma triangulação que afetaria os sócios. Minha sensação é que a agenda comercial e de investimentos externos se esgotou. É preciso pensar uma nova agenda para o Mercosul.

P. Como seria?

R. Primeiro, uma agenda de infraestrutura de conectividade. O Mercosul requer avançar em programas de integração energética, integração territorial, com vias de comunicação terrestres e ferroviárias. Devemos ter política de portos. Requer avançar numa estratégia e que lhe dê conexão com o Pacífico. E acho que há um desafio novo que se coloca para o Mercosul, mais além do Alba e Unasul. A Aliança do Pacífico, a possibilidade de entrada de investimentos e a influência do México, e a forte entrada de China.

P. Há um caminho de conversação com a Aliança do Pacífico?

R. Há, e para o Brasil é mais importante que para os demais países. O acordo firmado (que ainda não está em operação) entre a Aliança do Pacífico e o México, de livre comércio, é na verdade o ingresso mexicano na América Latina, impondo um contrapeso à presença do Brasil. Para o Brasil é mais importante ter rapidamente um acordo com a Aliança do que talvez para os demais países do Mercosul. O outro ponto é a China, que avançou primeiro com acordos comerciais, com grandes investimentos na região, e agora, tira exportações da Mercosul no seu próprio território. Ela desafia o Mercosul no seu território. Acho que virá uma etapa de revitalização do Mercosul. E nós temos pouca competitividade contra uma plataforma industrial de baixo custo e muita competitividade atuando em países com baixas alíquotas. Temos um grande desafio.

P. Isso empurra o bloco a uma nova agenda?

R. Há uma mudança política. Primeiro com o novo mandato de Michele Bachelet, no Chile, que quer levar uma comunicação mais forte entre o Atlântico e o Pacífico na relação com o Mercosul. O mandato de Dilma e o seu desafio de dar resposta para quem não votou nela fará o Brasil ter uma agenda muito mais dinâmica. O fato de a crise na Venezuela ser tão grande faz com que ela deixe de ser uma preocupação [sobre sua participação no bloco]. Há, ainda, o desafio do Brasil com os Brics e com a União Europeia. Isso trará dinamismo. Haverá novas autoridades no Uruguai [este ano], e, em 2016, na Argentina. Temas mais importantes, mais estruturais, talvez se debatam a partir de 2016. E de 1999 em diante a agenda comercial do Mercosul é a agenda do Brasil. E as pessoas aqui não reconhecem. A falta de dinamismo do Mercosul tem a ver com a falta de dinamismo da agenda externa do Brasil. Não é tudo culpa da Argentina.

P. Como é possível tratar a China para o nosso continente?

R. Tem a parte boa que é o fato de a China ser uma grande compradora de alimentos, energia e minério, três matérias-primas que a região tem. Começa a ser um grande exportador de capital. Grande competidor, com plataforma de preços muito baixos. Não podemos dar resposta ao fenômeno comercial e produtivo do século de maneira individual. Aí o Mercosul, e, em especial, o Brasil e a Argentina, deveriam ter uma política mais coordenada para saber manejar essa dualidade. Por um lado, a necessidade de integrar um mercado em expansão, estudar as possibilidades de onde são os nichos, e também de maneira inteligente, proteger nossa cadeia industrial. O Brasil e a Argentina deram respostas diferentes. Negociamos em separado. E, hoje, a Argentina, sob debilidade financeira, tem uma complacência com a China que permite ser mais flexível em alguns controles.

P. O que poderíamos ter ganhado se fossem em conjunto?

R. Se deixar, a China é o colonialismo inglês de 1800. Ela não quer só comprar tua soja e minérios. Ele quer as terras, e explorar com trabalhadores chineses. E depois te fornecer o maquinário e implantar a ferrovia. Se fizermos em conjunto ganhamos capacidade de negociação.

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