_
_
_
_
_

Bachelet não consegue superar escândalo dos negócios do filho

Presidenta do Chile enfrenta uma crise que paralisa o Governo e arranha sua popularidade

Rocío Montes
A presidenta chilena, Michelle Bachelet.
A presidenta chilena, Michelle Bachelet.M. GUZMÁN (EFE)

Quando um escândalo ataca frontalmente um chefe de Estado em um país presidencialista como o Chile, onde Michelle Bachelet gozava inclusive de uma autoridade maior do que a de seus antecessores, o Governo entra em uma crise política profunda e numa paralisia que, segundo observado nas últimas semanas, o Palácio de La Moneda não consegue superar. Desde o início de fevereiro, quando a imprensa revelou os milionários negócios de especulação imobiliária vinculados ao primogênito da mandatária, Sebastián Dávalos, o Executivo chileno parece ter perdido o controle da agenda pública pouco mais de um ano depois de ter assumido o poder. Especialmente, porque é a liderança de Bachelet e a bandeira de seu segundo mandato, a luta contra a desigualdade, que foram prejudicados por essa trama que explodiu no círculo mais íntimo da presidenta.

Mais informações
Sombras familiares sobre Bachelet
Filho de Bachelet se defende por seus negócios milionários
Ministra de Saúde renuncia após fala polêmica sobre aborto

A Procuradoria investiga os crimes de tráfico de influência e uso de informação privilegiada nos negócios comandados pelo filho da presidenta e sua nora, Natalia Compagnon, durante a campanha presidencial de 2013. Com esse objetivo, no último dia 6 de março, o promotor Luis Toledo, acompanhado pela polícia, foi à residência do casal na cidade de La Reina, ao leste de Santiago, para apreender computadores e documentos.

Ao mesmo tempo, fizeram buscas no Palácio de La Moneda, onde o Governo teve que entregar o celular e o computador que o filho da presidenta usava quando era diretor sociocultural, cargo ao qual teve que renunciar quando explodiu o escândalo. Nas últimas semanas, os estilhaços dessa bomba marcam a maioria das atividades públicas e privadas de Bachelet, atingida no âmbito político e pessoal pelo caso. De acordo com uma pesquisa da Adimark, o nível de aprovação da presidenta caiu para 39%.

A empresa Caval — na qual o filho de Bachelet era gerente de projetos em 2013 e controlada em 50% por Compagnon — tentava comprar terrenos a 100 quilômetros ao sul de Santiago, que se valorizariam com a alteração do plano diretor, uma mudança que depende do Governo. A empresa precisava de um empréstimo de 10 milhões de dólares (31,6 milhões de reais), mas nenhuma instituição financeira concedia o crédito. Até que Dávalos e Compagnon conseguiram ser recebidos por um dos empresários mais ricos e poderosos do país, Andrónico Luksic, vice-presidente do Banco do Chile. Em 16 de dezembro de 2013, uma segunda-feira, apenas 24 horas depois da vitória de Bachelet, o banco lhes informou que o empréstimo havia sido aprovado.

Quando, no começo de fevereiro, a imprensa revelou esses negócios, o Palácio de La Moneda e a própria presidenta, que estava de férias com o filho e a nora no sul do Chile, tiveram sérios problemas para enfrentar o escândalo. Inicialmente, o Governo justificou os negócios e destacou que eram assuntos privados, versão que se tornou insustentável com o passar das horas. Segundo analistas políticos de todos os setores, a chefa de Estado errou, sobretudo, por apostar em suas obrigações como mãe e não em seu dever no comando do Governo. Seu filho demorou uma semana para apresentar sua renúncia no Palácio de La Moneda, Bachelet mencionou o assunto, pela primeira vez, 17 dias depois, sem fazer até agora uma crítica explícita e direta e, considerando o poder que um presidente tem no Chile, não tomou providências para rescindir o contrato de compra da Caval. Justamente no auge do escândalo, a empresa de sua nora acabou por fechar o negócio, com lucro de 3,8 milhões de dólares (12 milhões de reais) para a companhia.

A liderança de Bachelet tem se apoiado basicamente em suas próprias qualidades pessoais e políticas, que se sobrepõem muito ao poder dos partidos de centro-esquerda que a apoiam, da Democracia Cristã ao Partido Comunista. Não é um mistério que, se não fosse pela socialista, a coalizão Nova Maioria teria tido sérias dificuldades para voltar ao poder em 2014, depois de ter perdido as eleições em 2010. A força de Bachelet se sustentava, em boa medida, por sua história e seu estilo de fazer política para os cidadãos, afastada dos partidos, como sempre defenderam seus assessores.

A presidenta tinha o poder, e não os dirigentes do partido, que com o escândalo da Caval pretendem recuperar o espaço que já tiveram no Chile. Na semana passada, poucas horas depois de Bachelet apresentar um conselho para regular a relação da política e o dinheiro, os parlamentares e os partidos de seu bloco anunciaram a criação de uma equipe paralela.

A principal incógnita, até agora, não é o prejuízo que o caso Caval causou a Bachelet, mas se esse prejuízo é reversível ou não. Enquanto isso, o processo judicial da trama continua avançando. A empresa que comprou os terrenos em questão está processando a Caval por fraude, os promotores apreenderam os cheques com os quais foram feitos os pagamentos à empresa da nora de Bachelet, e a imprensa continua revelando novos capítulos do polêmico negócio.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_