O declínio da pirâmide da riqueza
Polícia investiga empresa com sede em Madri e promovida por brasileiro que atraiu 70.000 investidores Prometia altos retornos em troca da promoção dos anúncios no Twitter e Facebook
David Vázquez nunca pensou que fosse parar em um psiquiatra. Tem 37 anos. Ganha 600 euros (1.900 reais). E não consegue pagar as contas no fim do mês. Suas surrupiadas economias ruíram depois de investir 1.125 euros (3.540 reais) na WishClub, uma empresa do chamado setor multinível que prometia ganhos com a divulgação de seus próprios anúncios na Internet e com a venda de sua própria revista e que a polícia suspeita que na realidade ocultava um clássico esquema de fraude de pirâmide financeira, também conhecido como “Ponzi”. Hoje o dinheiro do investidor flutua no ciberespaço. Mas Vázquez não pode tocá-lo. A empresa bloqueou os recursos de milhares de clientes. “Acredito que tenha perdido tudo”, diz o vendedor de móveis, que já perdeu mais de 14.000 euros no ano passado em outro esquema pirâmide, da TelexFree.
Mais de 70.000 poupadores como Vázquez acreditaram na promessa de dinheiro fácil a toque de caixa. Um sistema de investimento desenvolvido a partir de Madri que se espalhou como pólvora por 52 países através da Internet desde março de 2014. A Polícia Nacional investiga a WishClub pelo suposto crime de fraude.
WishClub levantou em dois meses sete milhões de euros, segundo ex-diretor
A empresa prometia dinheiro aos que investissem nela, em troca da promoção da própria marca WishClub nas redes sociais. A atividade exigia alguns minutos por dia, clicando em links da companhia na Internet e anunciando a marca no Twitter e no Facebook. Segundo os fundadores, a atividade em si gerava ganhos porque melhorava a posição da empresa —que não tinha outra atividade conhecida— nas ferramentas de busca da Internet. Investir na empresa custava de 225 a 1.125 euros, dependendo do retorno prometido. Embora a WishClub contasse com uma revista para dar aparência de seriedade, na verdade a divulgação em massa de sua publicidade só servia para captar novos sócios que, por sua vez, financiavam com seus próprios recursos as promessas de retorno dos investidores mais antigos. Um esquema típico de pirâmide, segundo suspeitas da polícia e dos investidores afetados.
Brasileiro que promovia empresa na Espanha fechou escritórios da noite para o dia
Com o chamariz de vídeos de Ferraris e cheques de cinco dígitos, os investidores sucumbiram à fórmula de sucesso projetada em Madri em eventos com milhares de pessoas. Apresentações com referências bíblicas e dançarinas brasileiras serviam para colocar a mensagem da fortuna ao alcance de uma classe média vulnerável devido à crise. “Me prometeram um retorno de 200%. E agora não posso sacar meus 7.000 euros”, diz Alfredo Vilalta, de 46 anos, comerciante de Toledo, na Espanha. “Está claro que é uma fraude. Estão dando desculpas desde agosto para não pagar. Diziam que o sistema eletrônico havia caído”, acrescenta Alba Vilches, 32, profissional da área administrativa que está desempregada. Uma farmacêutica da cidade de Castellón, que depositou 50.000 euros de uma herança, diz que se sente uma “idiota”. "Me pegaram em um momento muito frágil. Minha mãe acaba de falecer de câncer”, confessa. Como ela, a modelo Silvia Alzamora acredita que suas economias de 25.000 euros estão perdidas. “Conheço mais de 200 afetados que nem sequer pensam em denunciar. Não têm dinheiro para os advogados”, destaca. Outro fator que impede as reclamações é que a maioria dos investidores chegou à empresa pelas mãos de amigos e familiares.
A derrocada da WishClub se intensificou em agosto do ano passado. A empresa despediu na época 50 empregados —20 deles jornalistas— e desmantelou seus escritórios de 700 metros quadrados em Alcobendas (Madri). Duas semanas antes, o EL PAÍS havia publicado que o empreendedor que promovia o negócio na Espanha, Rogério Alves da Silva, foi apontado pela Justiça brasileira como um dos arquitetos de um esquema piramidal que oferecia ganhos de 63.000 euros ao mês através da empresa BlackDever. Na época o empresário tinha 21 anos e cursava ortodontia.
“Saíram sem avisar de Alcobendas. Limparam o escritório de um dia para o outro”, lembra uma fonte conhecedora da “debandada”. A empresa justificou sua mudança para os investidores como um traslado para Dubai para crescer e consolidar sua projeção internacional. Junto com a Espanha, Portugal, Brasil, República Dominicana, Equador e Colômbia concentravam o grosso dos clientes.
Durante os quatro meses em que operou em Madri, a caixa registradora do WishClub teve entrada de em média 50.000 euros (150 mil reais) por dia. “Entre março e maio de 2014 foram arrecadados 7 milhões de euros. Cerca de 60% do dinheiro vinha da Espanha, e o resto, da América Latina”, diz um ex-diretor. Essa fonte defende que o bloqueio dos fundos de milhares de investidores foi resposta à decisão dos bancos espanhóis de suprimir o sistema, para transferir o dinheiro para contas correntes. Este jornal tentou, sem sucesso, entrar em contato com o WishClub.
Projetar a imagem de êxito fácil era essencial. A empresa declarava em suas convenções que estava entre as 300 companhias mais importantes da Espanha. Montou um estúdio de TV para gravar anúncios e planejava comprar um jornal para atenuar as notícias negativas, segundo um ex-diretor.
“Alves chegou a nos dizer que queria financiar campanhas de políticos espanhóis para ter seu respaldo”, acrescenta a fonte. Alves era o sujeito de seus vinte e poucos anos que, vestido de preto, promovia o sistema, encomendando-se a Deus diante de auditórios com 700 seguidores.
Os espanhóis atingidos que foram consultados não sabem onde está hoje o jovem. Também não sabem a quem reclamar seu dinheiro, entre 225 e 1.125 euros, na maioria dos casos. O WishClub, que está registrado em Santa Cruz de Tenerife sob a matriz Askbleu, com capital de 62.000 euros, diminuiu sua presença nas redes sociais, sua principal porta-voz. Sua página na internet mantém Alcobendas como quartel-general. E mostra imagens dos funcionários demitidos como se nada tivesse acontecido. Uma parte do pessoal recorreu aos tribunais contra a dispensa.
Como acontece na maioria desses sistemas, quando uma empresa desaparece, outra assume. Uma parte do organograma do WishClub opera hoje por meio da multinível BNG International. O responsável por essa firma em Portugal é João Mercucci, ex-presidente da BlackDever, a sociedade de Alves investigada pela promotoria brasileira por construir um modelo piramidal. A BNG oferece esta semana sua fórmula de sucesso em dezenas de reuniões na Espanha e em Portugal. Seu lema: “Um negócio sólido, legal e rentável”.
Uma história de ganância
O que pode levar um investidor a tropeçar duas vezes na mesma pedra? A maioria das vítimas da WishClub consultadas já tinha tentado a sorte com a TelexFree, uma colossal pirâmide fundada em Massachusetts que evaporou as economias de um milhão de investidores do planeta. A fraude somou 2,3 bilhões de reais, segundo a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês). David Vázquez pediu um empréstimo de 14.000 euros para entrar na TelexFree. Perdeu tudo. Agora paga as parcelas de 300 euros do empréstimo com o salário de 600 euros de vendedor de móveis.
Vázquez entrou no negócio levado por seu tio e o vendedor apresentou a suposta fórmula de sucesso à sua mulher. “Entrei porque parecia confiável. Tinha escritórios. Tudo mudou quando foram para Dubai”, afirma. O comerciante Alfredo Vilalta, cujos 7.000 euros estão presos na nuvem, resume assim sua decisão: “Quem não arrisca, não petisca”. Vilalta conta que entrou com quatro amigos que depositaram mais de 20.000 euros. “Com três filhos, precisava tirar dinheiro de algum lugar. A empresa parecia maravilhosa. Nos eventos havia dançarinas. Tudo surrealista”, diz a desempregada Alba Vilches, que não espera recuperar seus 300 euros. “Alguns desses grupos têm componentes de seitas. Incluem a ganância como bandeira e a imagem de sucesso rápido como estratégia. É a fórmula para que aumentem as vendas”, conclui o psicólogo Miguel Perlado.
investigacion@elpais.es
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