‘Caso Nisman’ invade a disputa presidencial na Argentina
Favoritos na eleição de outubro se distanciam do serviço secreto, um dos pivôs do caso
A bala que matou Alberto Nisman se alojou na disputa eleitoral pela Casa Rosada, com consequências imprevisíveis. Seja suicídio ou assassinato, o caso do promotor argentino que morreu quatro dias depois de denunciar a presidenta faz as atenções se voltarem para as opacas operações da Secretaria de Inteligência (SE).
Enquanto os três candidatos favoritos para a eleição presidencial de 25 de outubro criticam esse órgão, a presidenta Cristina Fernández de Kirchner foi além. Longe de assumir responsabilidades pelas operações turvas da agência, a chefa do Executivo se colocou como vítima do seu próprio serviço de inteligência. Na segunda-feira, declarou que, desde que assinou em 2013 um acordo com o Irã para elucidar o atentado contra a Associação Mútua Israelita Argentina (AMIA), tem sido alvo de muitas denúncias, dando a entender que estas foram forjadas dentro da SE, com a cumplicidade de promotores, juízes e jornalistas.
A oposição qualificou de improvisada e oportunista a posição da presidenta. Após quase oito anos no Governo, e restando-lhe apenas 10 meses de mandato, Cristina pareceu ter percebido que a reforma dos serviços secretos era uma dívida incontornável que a democracia argentina vinha arrastando desde 1983.
Os aspirantes
- Daniel Scioli. O chamado "governador teflón" de Buenos Aires é um camaleão político de 57 anos e favorito dos desencantados com Cristina Fernández.
- Sergio Massa. O ex-chefe de gabinete da presidenta, de 42 anos, é um dos políticos mais populares do país.
- Mauricio Macri. De 56 anos, vem dos negócios e presidiu o Boca Juniors. É chefe do governo de Buenos Aires (prefeito).
Na segunda-feira à noite, ela anunciou um projeto para dissolver a SE e transformá-la em uma Agência Federal de Inteligência. Diferenças, além do nome? Para ela, todas: seus dois principais responsáveis serão escolhidos pelo Executivo, como agora, mas referendados pelo Senado, onde o kirchnerismo conta com maioria absoluta; permanecerão no cargo por quatro anos; e o sistema de escutas telefônicas já não ficará mais subordinado ao Executivo, e sim ao Ministério Público.
A oposição diz que só o nome muda, porque tanto a Procuradoria Geral como o Senado atendem às ordens da presidenta. A única intenção de Cristina, segundo vários deputados oposicionistas, é impor ao seu sucessor um diretor de inteligência escolhido por ela.
Daniel Scioli, governador peronista da província de Buenos Aires, Sergio Massa, deputado da Frente Renovadora, e Mauricio Macri, chefe de Governo da cidade de Buenos Aires, são os políticos com mais chances de suceder Cristina, segundo as pesquisas. A morte de Nisman os obrigou a redesenharem suas agendas. Scioli já declarou na semana passada que seria preciso “repensar as estruturas e o funcionamento” dos serviços secretos. Massa, um kirchnerista que decidiu se bandear para a oposição há um ano, saindo candidato a presidente por um partido próprio, anunciou na segunda-feira que deseja aparecer como querelante na ação judicial, para que “a sociedade se sinta representada”.
A resposta da Casa Rosada foi taxativa. O secretário da Presidência, Aníbal Fernández, tuitou: “Sergio Massa: você é grosseiro e mal intencionado. Deveria saber que só os particulares afetados podem ser parte querelante, ou (...) associações como a CELS (Centro de Estudos Legais e Sociais) por crimes contra a humanidade. Você não tem consideração nem respeito pelas 85 vítimas e mais de 200 feridos”. Colaboradores da Massa informaram depois que tudo se deveu a um “erro de comunicação”, e que o político pretende na verdade se apresentar como autor na ação judicial contra a presidenta por suposto acobertamento de terroristas – conforme a denúncia feita por Nisman dias antes da sua morte.
Macri, candidato do oposicionista PRO, é o que mais abertamente critica os serviços secretos, embora ele mesmo esteja sendo processado em um caso de escutas ilegais: “Os serviços de inteligência”, declarou dias atrás, “precisam estar a serviço dos interesses da nação, não de um partido nem contra outros dirigentes, como me coube sofrer esse sistema com o processo das escutas”.
E, quanto à reforma anunciada pela presidenta, Macri disse que a SE não se transformará com uma mudança de nome, mas sim de política. Macri solicitou que continue sendo investigada a denúncia de Nisman contra Cristina, embora juristas de prestígio antevejam que ela não prosperará, por entenderem que não há crime descrito nas acusações. Seja como for, a atenção da imprensa se centra agora nas circunstâncias da morte do promotor. Os candidatos presidenciais deverão se pronunciar sobre isso à medida que a investigação avançar. Apesar de os primeiros laudos da autopsia indicarem suicídio, nenhum candidato quer aderir a essa tese. As pesquisas revelam que a maioria dos cidadãos não acredita no suicídio de Nisman. E nenhum aspirante à presidência quer contradizer a opinião pública.
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