_
_
_
_
Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

Novos atores para um velho drama

As eleições decidem-se entre quem nada têm que perder e quem temem o perder tudo

O líder do Syriza Alexis Tsipras (à esq.) ao lado do líder do espanhol Podemos, também de esquerda, Pablo Iglesias.
O líder do Syriza Alexis Tsipras (à esq.) ao lado do líder do espanhol Podemos, também de esquerda, Pablo Iglesias.YANNIS BEHRAKIS (REUTERS)

A política e o drama sempre andaram de mãos dadas na Grécia. As eleições de domingo não são as primeiras em que o país votará à beira do abismo, com uma sociedade polarizada. As declarações radicais, o duelo dos candidatos, a oratória inflamada dos líderes –característica decisiva como em nenhum outro lugar para serem apreciados pelos cidadãos— têm sido tradicionais no espetáculo de som e de fúria das eleições gregas desde a restauração da democracia, há 40 anos. Mas elas são as primeiras em que o resultado será decidido entre quem já não tem nada a perder e quem teme perder tudo. Sem dúvida terá repercussão no resto da Europa, e a provável vencedora, a esquerda radical do partido Syriza, verá seu triunfo como uma revanche pela derrota dos comunistas na guerra civil de 1946-1949.

Também são as primeiras a não serem dirimidas entre representantes das grandes dinastias que ocupam o poder há décadas. As famílias Karamanlis, Mitsotakis e Papandreu proporcionaram seis primeiros-ministros e governaram o país por mais de 30 anos desde a II Guerra Mundial. Não é o que ocorre agora. Andonis Samarás, candidato da Nova Democracia (centro-direita) e Alexis Tsipras, líder do Syriza, não pertencem à elite e são em vez disso novatos que surfaram a onda, cada um à sua maneira, da pavorosa crise econômica sofrida há cinco anos pela Grécia.

Mais informações
Partido Syriza pedirá um corte “realista” de parte da dívida grega
EDITORIAL: Respeitem os gregos
Medo derruba as bolsas e leva o euro ao menor valor em nove anos
A Grécia mergulha na campanha eleitoral em clima de polarização
Grécia antecipa eleição e vive maior cataclismo político desde a crise
Casos de corrupção justificam crescimento do Podemos na Espanha
Fenômeno na Espanha, Podemos inspira os descontentes no Brasil

Samarás, um oportunista, na opinião de seus críticos, rompeu com a Nova Democracia por causa da questão da Macedônia –o nacionalismo grego nega a essa ex-república iugoslava o uso do nome da pátria de Alexandre, o Grande-, fundou a Primavera Política, um partido de tintas xenófobas com o qual afundou nas urnas, e voltou em 2004 ao redil da centro-direita para se tornar o chefe em 2009 e se opor ao primeiro resgate europeu um ano depois. Tsipras, de 40 anos -uma juventude insólita para um país que valoriza muito a maturidade e experiência de sua classe dirigente- era há poucos anos um político obscuro com origem no comunismo, condenado a uma carreira entre os assentos irrelevantes da minoria.

A chance do Syriza chegou quando a Grécia despencava rumo ao Estado falido, e Tsipras soube interpretar o humor nacional: a raiva pelos estragos da austeridade imposta do estrangeiro vencia o medo das aventuras políticas. A ruína da classe média, varrendo a centro-esquerda, representada pelo Pasok, cuidava do resto. A ascensão do Syriza, um amálgama de ex-comunistas e toda sorte de órfãos e náufragos da esquerda, foi se consolidando eleição após eleição –de 5% dos votos em 2009 a 16,6% em maio de 2012 e 27% um mês depois, no mesmo ano– conforme os cidadãos perdiam seus empregos, pensões e salários eram reduzidos, os serviços sociais se deterioravam, os remédios escasseavam, e muitos deles –calcula-se que 200.000– votavam com os pés voltados ao exterior.

A chance do Syriza chegou quando a Grécia despencava rumo ao Estado falido

Foi então, e não agora, que se rompeu o bipartidarismo. De forma concreta, em maio de 2012, quando o voto combinado da Nova Democracia e do Pasok foi de 35% do total, ante 89% que concentravam em 2009. O sistema político estava ferido de morte, e um partido antissistema não deixaria de aproveitar a ocasião. Havia uma culpada –Merkel e o dogma da austeridade– e um atalho –o populismo nacionalista e antieuropeu seria capaz de regenerar a democracia grega.

O discurso do Syriza alarmou a Europa conservadora e deixou mudos os sociais-democratas. Mas a memória política grega vai longe, e o populismo e o estatismo desta nova esquerda têm raízes em Andreas Papandreu, que começou sua conquista do poder pedindo um referendo sobre a entrada na União Europeia, manifestando-se contra a participação da Grécia na OTAN e flertando com as ditaduras árabes. Que diriam hoje em Bruxelas se ouvissem Tsipras repetir aquelas saraivadas contra a oligarquia e contra este clube capitalista que era a Europa, que explorava os países da periferia, como fazia o velho leão do Pasok? No final, era só retórica.

Hoje, depois de 240 bilhões de euros (720 bilhões de reais) gastos em resgates, e às portas do poder, Tsipras moderou sua mensagem, declarando-se a favor do euro e de renegociar a dívida para aliviar o fardo sobre os cidadãos, e contra qualquer política econômica unilateral contra os credores europeus. O Syriza, mais afim ao que pretendia ser a Esquerda Unida na Espanha que o que é o Podemos, sem um componente bolivariano tão marcante, prepara-se para governar, e seu líder se verá submetido à pressão dos radicais e às vozes moderadas que convivem na aliança progressista. A política grega volta a oscilar entre a “Grécia pertence ao Ocidente”, do velho Constantino Karamanlis, e a “Grécia pertence aos gregos”, proclamada por Andreas Papandreu.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

¿Tienes una suscripción de empresa? Accede aquí para contratar más cuentas.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_