Uma agência de viagens na cozinha
A cozinha se transformou em um assunto global e alçou os chefs à categoria de estrelas midiáticas
Os restaurantes latino-americanos se parecem cada dia mais com uma agência de viagens. Trabalham quase tanto com os pratos quanto no planejamento e produção de excursões promocionais, viagens a congressos, visitas de boa vizinhança e expedições de prospecção de mercado. Não é fácil saber se você vai encontrar um chef em sua cozinha. Para o cliente que chega de fora, já não se trata apenas de conseguir uma reserva durante sua visita ao país, mas de fazer com que a data se encaixe também à presença do cozinheiro.
Os últimos 15 anos propuseram mudanças que podem ser definitivas no universo culinário: a cozinha se transformou em um assunto global e já alçou seus protagonistas, os chefs, à categoria de estrelas midiáticas.
Até então, o ritmo dos negócios era ditado pelo Michelin. O guia francês consagrou um modelo que obrigava o cozinheiro a viver em função de seu restaurante e de seus clientes. Afinal, entre eles podia estar um inspetor do guia vermelho. O resultado era um profissional concentrado em melhorar cada detalhe e em consolidar um conceito culinário. Era uma boa ideia que chegava tarde demais aos domínios da alta cozinha clássica, onde os chefs se dedicavam a aprimorar detalhes dos cardápios que repetiam várias vezes os mesmos pratos. Uma tarefa complicada, em um mundo definido pela criatividade e a busca de técnicas, formas e produtos novos que levam a surpresa ao centro da mesa.
Desde então, os profissionais viajam em busca de ideias novas e produtos diferentes. Primeiro exploraram alguns rincões da Ásia —Japão, Tailândia e depois Vietnã foram os preferidos— e acabaram abrindo a porta de cozinhas aparentemente próximas e no entanto tão desconhecidas, como a mexicana e a peruana.
Foi então que chegaram os congressos —O Melhor da Gastronomia, em San Sebastián, e pouco depois o Madrid Fusion foram os pioneiros—, a troca de ideias e os encontros culinários— que na época se chamavam jornadas gastronômicas, hoje se chamam pop up— para definir a imagem de um cozinheiro que abria cada vez mais espaços em sua agenda de trabalho para olhar para fora.
Em 2004, o terreno estava preparado para o surgimento da primeira lista do The World’s 50 Best Restaurants. Em princípio, nada do outro mundo: um grupo não muito numeroso de cozinheiros, jornalistas gastronômicos e fãs que selecionavam seus restaurantes preferidos. Seu sucesso foi dar a eles uma dimensão mundial, ao acolher continentes, cozinhas e restaurantes ignorados pela Michelin: África, Ásia, Oceania, quase toda a América e metade da Europa. Lacunas demais para cobrir em um mercado cada dia mais global. Três anos depois já era referência. A partir de então, nada mais foi igual.
A eficácia da proposta traz em si ao mesmo tempo uma dupla perversidade: a maioria dos votantes desconhecia e desconhece o que acontece para além das cozinhas mais próximas, o que obriga o cozinheiro a ir ao encontro delas para se mostrar e pedir seu apoio. As listas dos The 50 Best Restaurants —a mundial, a asiática e a latino-americana— transformaram o profissional de cozinha em um estranho cruzamento de caçador de votos e mercador de favores.
Isso virou uma obrigação para os históricos, que procuraram se posicionar no topo da lista mundial. As excursões protagonizadas há dois e três anos por Alex Atala (DOM, São Paulo) e Enrique Olvera (Pujol, México DF) os mantiveram afastados de suas cozinhas por boa parte do ano, com tudo o que isso representa. O peruano Gastón Acurio seguiu o exemplo, mas sem a mesma aplicação. Os jovens profissionais mais avançados do momento se lançaram em busca de sua estrela. Especialmente também o peruano Virgilio Martínez (Central, Lima), seguido do chileno Rodolfo Guzmán (Boragó, Santiago) e da dinamarquesa Kamilla Seidler, que lidera a lista boliviana com seu Gustu (La Paz). Resta saber quantos jovens mais vão tomar esse caminho e se terão o tempo de que necessitam para consolidar suas propostas culinárias.
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