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Gabriel Medina

O Neymar do surfe

Com apenas 21 anos, o brasileiro Gabriel Medina segue os passos do mítico Slater, consegue a coroa mundial e desponta como estrela midiática

Gabriel Medina.
Gabriel Medina.jason o´brien (cordon)

No mês passado, quando um filho ilustre de São Sebastião, Gabriel Medina, desceu para treinar, algo entre 1.000 e 2.000 espectadores se reunia na praia. Vários agentes de segurança precisaram abrir caminho para ele na água entre uma multidão de crianças e jovens fascinados: aquele menino moreno e vigoroso podia se transformar no primeiro brasileiro campeão mundial de surfe. Faltava apenas a prova final, no Havaí, entre as ondas tubulares que tornaram famosa a praia de Pipeline. Esta semana, voltou para sua cidade transformado definitivamente em um ídolo de massas; acaba de ser proclamado campeão do mundo com apenas 20 anos, a mesma idade que tinha o mítico Kelly Slater, o melhor surfista da história.

O ASP World Tour, Campeonato Mundial de Surfe, é composto de 11 provas na competição masculina e é disputado por 34 esportistas. Medina venceu a Quicksilver Pro Gold Coast na Austrália em março, a Fiji Pro em junho e a Billabong Pro Tahiti em agosto, ultrapassando os favoritos, (o norte-americano Slater e o australiano Mick Fanning). Poderia ter conquistado o campeonato em meados de outubro, na Moche Rip Curl Pro realizada em Portugal, mas foi eliminado (junto com Slater) na rodada preliminar. Fanning terminou em primeiro e ganhou o direito de disputar o trono no exame final. Medina não fugiu da raia: “Não depende deles; é tudo coisa minha”, declarou, sem perder a calma, diante da imprensa especializada do circuito profissional do surfe.

Cara a cara com a lenda

O norte-americano Slater ganhou onze campeonatos mundiais entre 1992 e 2013. O brasileiro Medina acaba de vencer o primeiro.

Slater tem 42 anos e Medina completou 21 este mês. Os dois compartilham o recorde de precocidade na conquista do título mundial: 20 anos. Slater, além disso, detém o de surfista de mais idade (39).

O norte-americano ganhou mais de dez milhões de reais por seus resultados. O brasileiro passou de três milhões.

Na semana passada, no Havaí, enquanto Medina se preparava na água para sua bateria de ondas nas quartas de final, Mick Fanning foi eliminado por outro concorrente brasileiro, Alejo Muniz (“Alejo foi um anjo caído do céu”, diria minutos depois seu compatriota campeão). A loucura explodiu na praia de Pipeline, uma das catedrais do surfe mundial. Medina saiu da água e foi levantado nos ombros pela torcida eufórica. Uniram-se a ele por satélite personagens como a própria presidenta, Dilma Rousseff, o ex-jogador Ronaldo e seu amigo Neymar, capitão da seleção brasileira de futebol. “O melhor do mundo! Cara, estou feliz demais por você... Parabéns! Que Deus continue fazendo você brilhar, irmão... Desfruta desse título que você mereceu muito”, afirmou no Twitter o atacante do Barcelona, evangélico como Medina, criado também no litoral paulista e igualmente propenso a agradecer publicamente a Deus por suas vitórias. “Graças a Deus por um ano mais de vida e por me proporcionar tantas coisas”, escreveu o novo ídolo do surf no Twitter há poucos dias.

O australiano Joel Parkinson, sexto no ranking mundial deste esporte, afirmou que Medina “é o surfista mais talentoso do circuito. Seu surf ‘free’ é incrível...” A estrela de São Sebastião ganhou seu primeiro título nacional aos onze anos e é profissional desde os quinze. Mede 1,81 metros e pesa 74 quilos. Segundo contou sua mãe, Simone, já aos quatro anos ficava de pé sobre uma prancha. Tem pouco contato com seu pai biológico, Claudio Ferreira, tendo sido criado por seu padrasto e treinador, Charles Rodrigues, um triatleta aposentado que viu o “enorme talento” daquele menino e começou a formá-lo “em uma cidade pequena, em uma praia pequena, sem muita influência de outras pessoas.” Gabriel começou a chamá-lo de "pai" aos nove anos, quando começou a surfar na mesma praia de Maresias onde, dentro de umas semanas, será colocada uma estátua em sua honra. “Muitos surfistas têm talento, mas são poucos os que conseguem ser tão inteligentes em plena competição. Seu foco é extraordinário, não treme diante dos grandes nomes”, disse a este jornal Adrian Kojin, redator-chefe da revista online The Surfer’s Journal Brasil.

A profissão de surfista já não é a do “vagabundo que passa o dia fumando maconha... Isso mudou.

Gabriel Medina tem fama de ser um menino exemplar. Um jovem muito religioso que, segundo sua mãe, “continua sendo humilde e boa gente”. Apesar das tentações que seguramente o assaltarão a partir de agora: se os jornais brasileiros lhe dão fotos de primeira página, os patrocinadores (Gilette, Rip Curl, Guaraná Antarctica, Mitsubishi, Oakley e Samsung, para citar alguns) inundam a televisão e a web com anúncios e homenagens. Medina arrasta uma multidão por onde passa; na verdade, no Havaí passou a maior parte do tempo na casa de um de seus patrocinadores, para escapar do assédio midiático e popular. Esta semana cancelou o desfile sobre um caminhão de bombeiros previsto para o dia 24 por sua cidade natal por causa das inundações registradas no Estado de São Paulo.

Medina já tem programas de TV especialmente dedicados a ele (Mundo Medina, no canal Off, e Medina 360º, na TV Globo). É o surfista que mais dinheiro ganhou este ano no circuito mundial: quase meio milhão de dólares. Na Internet, ele arrasa: mais de 700.000 seguidores no Facebook e quase um milhão no Instagram. Sua família acompanha de perto para evitar os riscos associados à fama: “Ele sempre se afastou das drogas e das festas”, afirmou para a imprensa seu técnico e padrasto, Charles Rodrigues; “ele foca nos treinamentos e respeita as regras familiares. Tem muita consciência e maturidade”. Sua avó materna, de origem chilena, cujo sobrenome Gabriel usa, o chama de “espartano”. Sempre brinquei que ele era o [bailarino russo Rudolf] Nureyev dos mares”.

É o surfista que mais dinheiro ganhou este ano no circuito mundial: quase meio milhão de dólares

Desde 2012 seu agente, César Villares, e seu treinador-padrasto promovem encontros com outros esportistas brasileiros de sucesso para acostumá-lo a esse mundo exclusivo e “completar sua instrução”. Com um deles, Neymar Jr., desenvolveu uma amizade (em outubro, pouco antes da prova portuguesa na qual já poderia se consagrar campeão, passou dois dias na casa do jogador em Barcelona). No avião que o trouxe do Havaí a São Paulo fez 21 anos. “Quero ser melhor que Kelly Slater”, disse enrolado em uma bandeira “verde-amarela” depois de aterrissar. Medina é forte candidato a se transformar em ícone popular de um país com quase 8.000 quilômetros de costa e grande tradição surfista, obcecado pelo esporte e pela praia, ansioso para produzir novos craques e recuperar no banquete poliesportivo das Olimpíadas do Rio de Janeiro parte do orgulho ferido pelos 7 a 1 da Alemanha na Copa do Mundo passada. Segundo Adrian Kojin, “ele tem potencial para ocupar no imaginário do público brasileiro o lugar que ocuparam Ayrton Senna, Guga Kuerten e Anderson Silva”.

Gabriel Medina disse em uma entrevista coletiva recente que a profissão de surfista já não é a do “vagabundo que passa o dia fumando maconha... Isso mudou. É uma profissão decente e de esportistas sérios. Vou aos Estados Unidos ou Austrália e vejo moleques de nove anos com a prancha cheia de patrocinadores. Aqui vejo moleques com o mesmo talento e nenhum patrocínio”. Na atraente praia carioca do Arpoador, a poucos metros de Ipanema, um dos berços do surfe brasileiro, um vendedor de água de coco sorri diante da pergunta de se sabe quem é Gabriel Medina. “Gabriel Medina...? Claro, cara... É o Neymar do surfe”.

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