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Obama tenta virar a página das torturas cometidas pela CIA

A ONU e várias ONGs exigem que se preste contas à Justiça

Yolanda Monge
Presidente Obama durante ato na Casa Branca nesta quarta-feira.
Presidente Obama durante ato na Casa Branca nesta quarta-feira.Susan Walsh (AP)

No dia seguinte a que o mundo teve certeza de que entre 2002 e 2006 os Estados Unidos torturaram os suspeitos de terrorismo detidos depois dos ataques terroristas de 11 de setembro –mesmo tendo evitado a palavra tortura e usado um eufemismo como aplicação de técnicas de interrogatório reforçadas– ficou claro que a tomada de responsabilidade se conclui com a publicação do relatório do Comitê de Inteligência do Senado.

A prestação de contas não passa daí. Ninguém será levado à justiça nem serão reabertas ou abertas investigações criminais novas. Nesta quarta-feira, a Casa Branca remeteu ao departamento de Justiça quando seu porta-voz foi perguntado sobre o próximo passo, o “e agora?”. Josh Earnest declarou que a bola estava no campo do procurador geral do Estado, Eric Holder, e o departamento que ele ainda dirige já tinha deixado claro no dia anterior que não abriria qualquer expediente para investigar o comportamento da Agência ou levar os responsáveis pelo programa de detenção e interrogatórios à justiça.

Ninguém será levado à justiça nem serão reabertas ou abertas investigações criminais novas

Dizendo isso, que indiscutivelmente é uma virada de página sobre um dos capítulos mais obscuros da história deste país –algo que costuma ser praxe, como quando Ford perdoou Nixon–, a Casa Branca reconheceu, no entanto, que os brutais interrogatórios tinham minado “a autoridade moral dos Estados Unidos no mundo”. Segundo admitiu o porta-voz de Barack Obama, o presidente está preocupado com “o impacto que as ações da CIA tiveram sobre a imagem do país”. A consciência se lava na mídia, mas não nos tribunais.

O sórdido capítulo reclama a gritos uma tomada de responsabilidade, exigida tanto pelos grupos de defesa dos direitos civis como pelos advogados dos presos sem acusações ainda hoje encarcerados em Guantánamo e pelas Nações Unidas. “Se nos ativermos à lei internacional, os Estados Unidos são obrigados a levar os responsáveis à justiça”, garantiu o relator especial dos Direitos Humanos da ONU, Ben Emmerson.

Em termos de liberdades civis, a prestação de contas e uma mudança no sistema são ainda mais urgentes, já que assim como ao chegar ao poder Obama baixou uma ordem executiva restringindo os abusos da CIA, o presidente seguinte ou o outro poderiam acabar com essa determinação com uma nova canetada.

Os acusados no informe continuam defendendo seu trabalho com o argumento de que salvaram milhares de vidas

A senadora Dianne Feinstein, porta-voz, nesse caso, de um exercício de transparência –por mais limitado que seja– que só podem realizar as democracias mais sofisticadas, descreveu o episódio como “uma mancha em nossos valores e em nossa história”. O comitê que ela preside, aos 81 anos de idade, expôs em pouco mais de meio milhar de páginas o melhor e o pior dos Estados Unidos.

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Os acusados no relatório continuam defendendo seu trabalho com o argumento de que salvaram milhares de vidas. Os antigos diretores da CIA George Tenet, Porter Goss e Michale Hayden publicaram nesta quarta-feira um artigo opinativo no jornal The Wall Street Journal no qual garantem que o relatório do Senado se enganou ao dizer que a Agência tinha mentido. “O Comitê ofereceu um estudo com um único lado, cheio de erros nos fatos e interpretativo, basicamente um ataque partidário e interessado sobre a Agência que fez tudo o que pode para proteger a América depois do 11 de setembro”.

Sem tribunais, os fatos descritos no relatório têm algo de acusação formal contra uma instituição concreta. E também de confissão coletiva. Ou de catarse, segundo o Congresso, a instituição que representa a vontade popular. Nos meses posteriores aos atentados contra as Torres Gêmeas e o Pentágono, poucos norte-americanos teriam aceitado que seus agentes secretos não fizessem todo o possível para evitar outro atentado. O relatório é uma forma de dizer: fizemos isso e não voltará a ocorrer. Mas só. Com o relatório, Obama vira a página e os EUA seguem adiante depois de vislumbrar 500 de 6.000 páginas dedicadas ao esgoto.

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