_
_
_
_
_

A reputação manchada da revista Rolling Stone

O depoimento de uma jovem que relatou um violento estupro na Universidade de Virginia teve repercussão internacional. A história era falsa

Yolanda Monge
Estudantes caminham pelo campus da Universidade de Virginia, onde uma estudante relatou ter sofrido um estupro coletivo.
Estudantes caminham pelo campus da Universidade de Virginia, onde uma estudante relatou ter sofrido um estupro coletivo.AFP

A história que deveria ser redentora para toda jovem que faz parte da brutal estatística de que uma em cada cinco universitárias sofre violência sexual durante a vivência no campus se voltou contra a causa que pretendia defender e, infelizmente, consolidará a generalizada cultura de duvidar, e inclusive forçar o silêncio da vítima.

Em 19 de novembro, a revista Rolling Stone publicou uma ampla reportagem, escrita pela jornalista Sabrina Rubin Erdely, que descrevia nos mínimos detalhes o brutal estupro em grupo sofrido por uma jovem de 18 anos, de suposto nome Jackie, em 28 de setembro de 2012 na Universidade de Virginia.

A história teve repercussão mundial e destacou nas principais manchetes dos Estados Unidos o problema dos estupros nas faculdades de prestígio do país, forçando a Universidade de Virginia a rever sua identidade.

Menos de duas semanas depois, a reportagem da Rolling Stone começa sua edição digital com uma mensagem na qual o diretor da publicação, Will Dana, pede perdão aos leitores. Basicamente, a história de Jackie é falsa. (Embora Dana dê voltas e justifique seu erro não tanto por não ter colocado em prática as regras básicas do jornalismo —como entrar em contato com os supostos agressores ou comprovar dados básicos como se existia a fraternidade na qual supostamente teria acontecido o crime—, mas por ter confiado na palavra da jovem).

A história teve repercussão mundial, destacou novamente nas principais manchetes o problema dos estupros nas faculdades de prestígio dos EUA

“Sob a luz de novas informações parece haver discrepâncias no relato de Jackie e devemos concluir que erramos ao confiar nela”, afirma a Rolling Stone. “Tentamos ser sensíveis à humilhação e vergonha injusta que muitas mulheres sofrem depois de um ataque sexual e agora lamentamos não ter entrado em contato com os supostos estupradores para que nos dessem sua versão dos fatos”, continua a revista concluindo com um pedido de perdão “a todos aqueles que foram afetados pela história”.

Não é todo dia que uma publicação de prestígio como a Rolling Stone tem que pedir desculpas aos seus leitores. E com certeza não diante de uma história do peso da que foi relatada, com sete jovens estuprando e agredindo —e outros dois dando ordens e incentivando os estupradores— uma jovem durante “três horas de agonia”.

E, no entanto, o relato não se sustentava. Em 3 de dezembro, Jonah Goldberg escrevia isto no Los Angeles Times: “A Rolling Stone publicou uma história inacreditável sobre um estupro na Universidade de Virginia. A história comoveu o país. Mas quando digo inacreditável, digo em sentido literal, mas em desuso, da palavra. Não é acreditável. Não acredito nela”.

Mais informações
O protesto das minissaias
Passagem para o abuso no transporte público da América Latina
Ataques sexuais, um crime “com menor potencial ofensivo”
A rebelião das sobreviventes
Mais de 1.400 meninas sofreram abusos em uma cidade inglesa

O mesmo alarme foi levantado pelo The Washington Post e pela revista digital Slate. Para o jornal, que entrevistou Jackie várias vezes, e para a Slate, que falou com a repórter Erdely, a reportagem tem muitas inconsistências. Por exemplo, os inúmeros detalhes que a jovem fornece dos estupradores, apesar de ter sofrido um ataque em um quarto “totalmente escuro”, ou o fato de que o nome do rapaz com o qual tinha um encontro e que a conduziu até o lugar da agressão pertencia a uma fraternidade que não é a que Jackie denuncia como o local do ocorrido.

Em resumo, a reportagem é muito ‘redonda’. A própria Erdely reconhece que visitou muitos outros campi em busca de um depoimento como o de Jackie, mas que nenhum “parecia se encaixar”. Até que no campus da Universidade de Virginia, Emily Renda, uma jovem que foi estuprada no final de 2013 —e que hoje presta serviços na instituição como consultora contra a agressão sexual— lhe apresentou Jackie. Erdely não escreveu uma história porque tinha os fatos, mas buscou ansiosa os fatos para provar uma história escrita antes em sua cabeça.

Renda confirmou no sábado que o relato de Jackie é contraditório, que em uma ocasião lhe disse que foram cinco homens que a estupraram e posteriormente aumentou o número para sete. “A sombra de dúvida sobre a história de Jackie alimentou o mito que foi combatido durante os últimos 40 anos, de que as mulheres mentem sobre serem estupradas”, afirmou Renda ao The Washington Post. “Acredito que agora para muitas mulheres será mais difícil dar o passo e contar seu caso”, afirma.

A reputação da Rolling Stone fica seriamente arranhada. Mas muitos outros meios de comunicação também deverão fazer um exame de consciência, já que não investigaram de forma independente a história. Sem dúvida, o caso de Jackie era perfeito para reforçar, em meio aos reduzidos anúncios, a tese da chamada “epidemia de estupros” nas universidades. Sem tentar questionar a história acabaram prejudicando perigosamente muitas atuais e futuras “uma em cada cinco”.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_