Há demanda reprimida por cultura em São Paulo

Pesquisa mostra que 4,5 milhões de pessoas usam o tempo livre em atividades culturais Paulistanos querem mais opções

Teatro Municipal de São PauloBosco Martín

São Paulo sofre, ainda nos dias de hoje, com esperas intermináveis em hospitais – e também com longas filas nas portas de exposições de arte. A saúde não anda de mãos dadas com a cultura, mas os paulistanos carecem de ambas coisas. Faltam hospitais, e isso é sabido. Mas como a população da cidade se relaciona com cultura? Difícil responder à pergunta, já que são raros os indicadores para guiar a criação de políticas públicas para a cultura e os investimentos de empresas privadas na área.

A pesquisa Cultura em São Paulo, lançada nos dias 4 e 5 de novembro pela consultoria J.Leiva com apoio de instituições como o Sesc, o instituto Datafolha e a Sabesp, tenta jogar luz sobre essa escuridão não só na capital, mas em todo o Estado. Realizada entre abril e maio deste ano em 21 municípios com quase 8.000 entrevistados acima dos 12 anos, ela revela dados interessantes. Um deles é que o cinema é a atividade cultural preferida dos paulistas, ainda que 10% deles jamais tenham pisado em uma sala.

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Cerca de 25% dos entrevistados – o que corresponderia a 4,5 milhões de paulistanos se a cifra for estendida à população de São Paulo – disseram realizar atividades culturais em seu tempo livre. Nas ruas, uma queixa comum são os altos preços de acesso à cultura, como é o caso do ingresso do cinema, porém a pesquisa mostra que 66% das atividades culturais realizadas na cidade são gratuitas. E que essa oferta ‘catraca livre’, assim como a resposta dos cidadãos em encontros culturais, é cada vez mais forte. Vide a Virada Cultural, que o estudo revela que é o evento mais querido da capital e não à toa atinge recordes de público a cada nova edição.

Na opinião de João Leiva, responsável pelo projeto, “há uma demanda cultural reprimida em São Paulo”. “A pesquisa revela claramente o quanto educação e renda são importantes para definir quanto e como uma pessoa se relaciona com cultura, e as duas coisas estão melhorando no país. Também houve um aumento da oferta e da comunicação dos eventos, e chama a atenção a qualidade das instituições culturais, que tem subido bastante”, diz.

Para o jornalista e antropólogo Fernando Rossetti, presente em um dos debates que acompanharam a apresentação do estudo na Pinacoteca de São Paulo no dia 5, com o aumento da renda e também da mobilidade na cidade, aumenta o consumo cultural. A própria Virada Cultural, segundo Rossetti, é reflexo disso, “porque junta todas as condições: oferta cultural, acesso via transporte público, segurança etc”. Em termos geográficos, o centro e a zona oeste aparecem como as regiões mais consumidoras. De outro lado, a zona leste revela uma clara situação de exclusão, aparecendo sempre como uma região com índices bem abaixo da média paulistana.

Quem fica sabendo de um evento, em geral é por boca a boca, e a escola não é percebida como influenciadora de seu gosto cultural. Ainda que, na visão do sociólogo e professor Frederico Barbosa, cultura e educação sejam indissociáveis e se influenciem mutuamente: “O problema é que a nossa escola é enfadonha, está em crise. Qualquer atividade interessante de estímulo à cultura já ajudaria, não só a impulsionar um despertar cultural, mas também um melhor desempenho em outras disciplinas”. Neste sentido, Rossetti questiona se a separação entre os ministérios da cultura e da educação, o Minc e o MEC, é útil. "Temos escolas que preparam o indivíduo para o trabalho. E para a cultura, que é a parte criativa e lúdica?”, questiona.

Não é à toa que concertos e dança aparecem como as atividades mais elitizadas, enquanto as mais pop são o cinema e as festas populares – e, nessa última categoria, bastante ampla, entram festas religiosas de todos os tipos. É um sinal de que cultura e religião muitas vezes se misturam, e em tempos mais recentes isso se observa na atuação da Igreja Evangélica. Moldada nas formas do espetáculo, ela em muitos casos substitui a cultura na vida das pessoas. “A Igreja Evangélica atua onde o Estado não está atuando. Por que a escola não faz esse papel com mais força? Mas é preciso lembrar que essa é uma questão delicada, para pensar com calma. O blues, por exemplo, resultou dos coros da Igreja americana”.

Veja os resultados completos da pesquisa Cultura em São Paulo aqui.

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