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Coluna
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Dilma deveria dirigir uma carta aos brasileiros?

Lula divulgou, quando estava para chegar ao governo, sua carta de compromissos. Eram tempos difíceis. E deu frutos

Juan Arias

Tanto o candidato Aécio Neves quanto a derrotada Marina Silva, que acabou de oferecer seu apoio eleitoral a ele, já se dirigiram aos brasileiros colocando sobre a mesa como governariam este país se estivessem no poder. Não deveria fazer isso também a candidata do governo, Dilma Rousseff?

Sem dúvida, nas cartas publicadas por Aécio e Marina, haverá coisas que uns gostarão e desagradarão a outros, mas eles se posicionaram. Agora sabemos o que pensam sobre uma série de temas concretos que interessam ou preocupam o país.

Elas nos indicaram, por exemplo, como desejam responder ao desejo de mudança que é percebido na maioria dos brasileiros e que aparece claro em todas as pesquisas. Os eleitores poderão decidir com seu voto se essa resposta de Aécio apoiada por Marina convence ou não e se está em sintonia com as mudanças reais que exige uma sociedade que amadureceu e aumenta suas exigências para melhorar a vida das pessoas.

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Agora caberia à presidenta e candidata Rousseff escrever também sua carta não apenas a seus eleitores, mas a todos os brasileiros. Por enquanto, ela ainda é a ganhadora, e é possível que consiga se reeleger. Isso não a exime, no entanto, de anunciar com clareza como governaria em seu próximo mandato e o que mudaria em seu programa, uma posição importante não apenas para os milhões de indecisos.

Ela não pode ignorar, realmente, que entre esses quase 80% de brasileiros que, a partir dos protestos populares, pedem uma mudança embora não saibam especificá-la totalmente, está uma boa parte de seus eleitores. Na verdade, os que exigem mudanças não especificaram se estas deveriam ser feitas necessariamente por outro governo ou se poderão ser realizadas pelo de Dilma, embora com uma condição: que ela também cumpra com o que exige essa nova sociedade que já é mais classe média do que massa de pobres.

Dilma pode cair na tentação de acreditar que só é preciso apresentar as conquistas de seu primeiro governo e prometer lutar contra a corrupção que ameaça sepultar seu partido, para responder essas exigências. Seus próprios eleitores pedem mais dela se quiser continuar governando. Seus assessores se equivocariam se a fizessem ignorar que seus eleitores já pertencem a essa nova sociedade mais politizada e exigente como são até os filhos do exército da Bolsa Família. Eles também pedem mais.

E é esse mais que esperam conhecer dela em seu possível segundo governo, começando por explicar sem medo como se comportaria, por exemplo, com os responsáveis do caso da Petrobras se a justiça comprovar as provas de tamanha corrupção, ou como mudaria os rumos da economia já que até os menos informados sabem que deveria mudar antes que se deteriore ainda mais e o monstro do desemprego comece a mostrar sua cabeça.

Outras dúvidas devem ser dissipadas. O que pensa fazer com as contas públicas? Como responde às críticas sobre uma certa contabilidade criativa? E como vai incentivar os investimentos privados? O que vai fazer em relação à criminalização da homofobia?

Lula divulgou, quando estava para chegar ao governo, sua carta de compromisso com os brasileiros. Eram tempos difíceis e de tensão no país. E deu frutos. Aécio acaba de fazer em outro momento considerado pelos analistas políticos como o mais delicado e grave dos últimos anos. Seria natural que a candidata Dilma também tivesse um gesto semelhante para não deixar essa arma importante em mãos apenas de seu opositor.

Se como resposta aos desejos de mudança dos brasileiros os candidatos continuassem estas duas semanas se esforçando apenas para querer provar qual dos dois está mentindo mais, em uma espécie de festival de luta livre, é possível que, ganhe quem ganhe, o Brasil seria o perdedor. E todos os olhos, não apenas da América Latina como do resto do mundo desenvolvido e em desenvolvimento, estão voltados para o país.

A melhor imagem que este país pode e deve oferecer fora de suas fronteiras é um exemplo limpo de democracia no debate final destas eleições que apresentam tantos imponderáveis.

Não se pode esquecer que as eleições brasileiras estão acontecendo em um momento histórico no qual a classe política precisa, mais do que nunca no mundo inteiro, recuperar sua credibilidade manchada. Mais do que nunca, desta vez os eleitores exigem propostas e propósitos claros, capazes de serem entendidos por todos. Não basta o que foi feito ou deixado de fazer por uns e outros. Interessa o hoje e o futuro imediato. Como aquele menino de cinco anos que perguntava a seu avô se “hoje já era amanhã”, também Dilma deve entender que para os brasileiros o amanhã é hoje e não ontem. Seria bom que ela dissesse isso nessa carta que muitos parecem estar esperando, inclusive antes de decidir seu voto.

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