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Procuradoria recebe 85 denúncias por ataques virtuais a nordestinos

Cerca de 65% das declarações racistas registradas de domingo a quarta tinham como alvo moradores do Nordeste

María Martín
Foliões no Circuito Batatinha, no bloco da Saudade, no carnaval baiano.
Foliões no Circuito Batatinha, no bloco da Saudade, no carnaval baiano.folhapress

Os nomes e perfis dos usuários que inundaram as redes sociais de ataques preconceituosos contra os nordestinos já estão no Ministério Público Federal. As unidades de todo o Brasil receberam de domingo a quarta-feira 131 denúncias por racismo nas redes sociais, 85 delas atacavam especificamente os nordestinos, mais de 20 por dia, conforme um levantamento feito para o EL PAÍS. A procuradoria analisará cada uma dessas denúncias individualmente.

Os ataques vêm de todos os cantos. Uma auditora de Trabalho de Cuiabá, no Mato Grosso, desabafou:

“Desculpem nordestinos, mas essa região do Brasil merecia uma bomba como em Nagasaki, para nunca mais nascer uma flor sequer em 70 anos. #pqp #votocensitáriojá [sic]”. A piada pode lhe custar o cargo, depois da denúncia feita na ouvidoria do próprio Ministério.

E tem mais. Um coletivo de 100.000 médicos ou estudantes de medicina tem uma página própria no Facebook onde ficam à vontade para pedir a castração química dos nordestinos, pregar por um holocausto na região e fazer campanha pró-Aécio.

“70% de votos para Dilma no Nordeste! Médicos do Nordeste causem um holocausto por aí! Temos que mudar essa realidade!”, diz um dos posts. O curioso é que uma das regras para ser admitido no grupo é a seguinte: “Não admitimos desrespeito entre colegas, xingamentos, piadas desrespeitosas, ofensas, acusações descabidas ou condutas que não sejam dignas da classe”.

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“A maneira como as pessoas estão repudiando o PT, a quantidade de ódio e energia destinada, a demonstração de esse repúdio irracional não é só política. Essa queixa contra o voto dos nordestinos é uma forma de expressar o ódio de classe”, afirma Maria Eduarda da Mota Rocha, pesquisadora e professora de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco, que escreveu sobre este episódio rotineiro para o EL PAÍS. “No fim das contas ainda temos uma sociedade com um passado escravocrata muito próximo e que não consolidou a ideia de igualdade. Estamos vivendo um momento no Brasil de perda de privilégios exclusivos, uma ferida muito sensível para as elites”.

Para o pesquisador italiano Alessandro Pinzani, co-autor do livro Vozes do Bolsa Família, o episódio o recrudescimento dos ataque aos nordestinos em campanha eleitoral é um exemplo do “fim da cordialidade brasileira”. “Nos últimos anos se mostrou a verdadeira face da luta de classe no país, justamente porque o Governo petista começou a fazer políticas para população de baixa renda e imersos na pobreza extrema. O brasileiro tradicional da elite se sente inseguro respeito a isso, e transforma a insegurança em uma raiva que encontra como objeto, entre outros, o Governo”, afirma Pinzani.

O pesquisador, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e há dez anos no Brasil, se mostra surpreso diante o rechaço ao Governo Dilma. “Morei nos Estados Unidos na época de George Bush filho e na Itália com Silvio Berlusconi e nunca vi este grau violento de rechaço que vemos aqui”, explica. “O que essa elite esquece, que sequer sabe, qual é o valor médio do Bolsa Família, e que é um dos cerca de 60 programas de combate a pobreza. O programa atinge uma parcela da população que não tem escolha. Ali não existe isso de aplicar o ditado de ‘ensinar a pescar ao invés de dar o peixe’. No sertão não tem peixe! Não tem nada!. E nunca vai ter nada. Porque nenhuma empresa vai abrir nada em meio do nada, sem uma infraestrutura, com uma população despreparada. Os beneficiários não querem isso por comodismo, eles não tem alternativa, além de emigrar”.

O episódio dos nordestinos, porém, vai além do preconceito e atinge em cheio a esfera política. O Ministério Público terá que lidar com uma boa parte de perfis falsos entre as denúncias. As redes já desmascararam algum deles, como o de Alexandra Santos que, com as fotos roubadas de uma outra internauta, lançou uma mensagem de ódio que tornou-se um viral em poucas horas.

“É isso aí, pobres, negros que votem no PT, agora com Marina fora do jogo não necessitamos de votos de miseráveis, queremos votos de pessoas de qualidade. Negros e favelados que se fodam [sic]”.

“e a Marina Silva é uma negra vagabunda e morta de fome, nunca uma mulher como vc para presidente, o Brasil é uma comédia tendo uma pessoa como vc para candidata, nao necessitamos seu apoio. Aécio para presidente [sic]”.

O perfil não demorou para ser descoberto e há quem o associa, a partir de capturas de tela que não podem ser verificadas porque a usuária não existe mais, à campanha de Dilma. A estratégia seria a de disseminar ódio para radicalizar e estereotipar o perfil de votante de Aécio Neves. O próprio perfil do candidato no Facebook denunciou esta prática: “Nossos adversários políticos estão fazendo todo tipo de ataques, […] criam perfis falsos para espalhar comentários preconceituosos nas redes sociais”.

Na verdade, tanto Dilma como Aécio vem usando perfis falsos e robôs durante esta campanha, como tem denunciado especialistas em redes sociais a partir de padrões de comportamento do suposto usuário.

Falsas ou não, as mensagens que circularam esses dias são uma versão sem filtro de um assunto que atiça a emoção irracional, assim como já vimos no futebol. Até o comentário do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre os eleitores do Partido dos Trabalhadores, colocou lenha na fogueira. "O PT está fincado nos menos informados, que coincide de ser os mais pobres. Não é porque são pobres que apoiam o PT, é porque são menos informados", disse FHC em uma entrevista.

Enquanto isso nordestinos como Bruno, nascido em Pernambuco, mas residente em São Paulo tem que acelerar o scroll da sua timelime para evitar algumas das barbaridades que vimos nesses dias. Ele conta como na noite da eleição encontrou sua mulher Karina chorando em frente à tela do computador.

- O que foi?

- Nada.

“Em seguida, reparei no que estava acontecendo”, lembra Bruno.

- Você ficou lendo coisas de nordestinos no Facebook, é isso né? Por favor, não ligue eu já estou acostumado com isso.

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