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Uma volta pelo Brasil de metrô

São Paulo, cidade-chave do ponto de vista eleitoral, mostra as contradições de um país que hoje vai às urnas

A. JIMÉNEZ BARCA
Fachada de uma casa em Paraisópolis na ultima quinta-feira.
Fachada de uma casa em Paraisópolis na ultima quinta-feira. NACHO DOCE (REUTERS)

Há muitas tardes em que tem tanta gente nos corredores da estação de metrô Paulista, em São Paulo, que os passageiros, nas baldeações, avançam em massa, como em uma procissão abarrotada. A polícia coloca uma faixa para dividir o corredor em dois e arbitrar o sentido da marcha. Se não, seria impossível que alguém chegasse em casa. Muitos leem enquanto caminham, a passo lento, outros jogam Candy Crush no iPhone, e outros, com fones de ouvido, assistem a filmes ou vídeos colocando o celular na altura dos olhos com as duas mãos, sem parar de andar.

O metrô custa três reais. Em junho de 2013, o Governador Geraldo Alckmin, do conservador Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), aumentou vinte ínfimos centavos na tarifa, e a população, farta, tendo o aumento como gatilho, saiu em bloco às ruas em uma onda de protestos que sacudiu o país de cima abaixo. Dezesseis meses depois, toda essa população vota hoje em um ambiente um tanto sombrio, sem dinheiro no bolso, patinando em uma recessão econômica e tendo convertido os protestos de então no desejo majoritário (80% dos eleitores, segundo as pesquisas) de que a coisa mude.

O problema é que não se sabe muito bem do que se trata, já que os três candidatos com possibilidades (incluída, paradoxalmente, a presidenta Dilma Rousseff, cujo partido, o PT, está há doze anos no poder) se autoproclamam porta-bandeiras dessa desejada —e difusa— mudança. Marina Silva, candidata do Partido Socialista Brasileiro (PSB), se qualifica como exemplo da nova política (mesmo tendo militado no PT por mais de 25 anos), e o senador Aécio Neves, do mais conservador PSDB, se vê como alternativa de novidade apesar de ter sido Governador do Estado de Minas Gerais. As pesquisas dão Dilma Rousseff como vencedora, tanto no primeiro como no segundo turno. Os outros dois candidatos aparecem quase empatados e qualquer um dos dois pode passar para a rodada seguinte, a ser disputada em 26 de outubro.

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O Brasil é um país imenso, com ares de continente. Só o Estado do Amazonas é do tamanho de Espanha, Itália, França e Portugal juntos. Toda essa imensidão vive ensimesmada, meio de costas para o resto da América. São Paulo, a interminável maior cidade do país, com 11 milhões de habitantes, capital do Estado mais populoso e lugar-chave do ponto de vista eleitoral, é um mundo em si, com milionários que se deslocam de helicóptero para evitar congestionamentos e viciados no crack mais barato do mercado, que sobrevivem em um gueto no centro de miseráveis enlouquecidos. Por isso, uma viagem de metrô com paradas nos vários pontos cardeais da cidade constitui uma radiografia bastante fiel do país.

Na região norte de São Paulo, na parada da linha oito da Lapa, está a popular rua Doze de Outubro, cheia de lojas de eletrodomésticos e roupas onde, com esse atrevimento tão brasileiro, os lojistas colocam os manequins femininos de costas para que o público veja como as calças assentam na bunda. A rua é tranquila, cheia. Mas, em São Paulo, essa tranquilidade é sempre frágil, instável. Há duas semanas, nessa mesma Doze de Outubro, em uma manhã cheia como esta, um policial, em uma inspeção rotineira, matou com um tiro direto na cabeça um vendedor ambulante de CDs piratas quando ele tentou tirar-lhe o spray de pimenta com o qual o agente imobilizava um colega detido.

Perto de onde caiu o vendedor ambulante está a loja de vestidos de Mário Baruck, brasileiro de origem sérvia. Ele garante que suas vendas este ano caíram entre 20% e 30%. O dado combina com as cifras frouxas da combalida economia brasileira, que se contraiu durante o primeiro semestre, entrando no que os especialistas denominam recessão técnica. Os economistas falam em queda do consumo interno. Baruck explica à sua maneira: “As pessoas do bairro já não têm tanto dinheiro para gastar. No ano passado os bancos emprestavam mais porque o Governo estimulava. Mas já não se tem mais dinheiro para gastar”. O comerciante garante que votará em Neves: “Temos de mudar. Lula melhorou o país, é verdade, apesar de ter se aproveitado do que o presidente anterior, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), tinha feito. Agora, o projeto do PT, com tanta corrupção, está esgotado”. Uma de suas vendedoras, Gabrielle Morais, diz que ela (pela mesma razão de seu chefe, para que alguma coisa mude) apoiará Marina Silva, a candidata surpresa que estourou no início nas pesquisas, mas que agora cai dia após dia. “A inflação subiu. É preciso esperar de quatro a seis horas para que um médico geral o atenda. Para a consulta de um especialista, são três ou quatro meses. As pessoas morrem esperando.”

Os protestos de junho de 2013 aconteceram, entre outros locais, na rua Maria Antônia, no centro da cidade, uma região universitária, cheia de livrarias e papelarias onde, em uma esquina, três alunas de psicologia de 18 anos se queixam, sobretudo, da falta de vagas nas universidades públicas e de quão terrivelmente cheios vão os ônibus. Perto dali, em uma loja de instrumentos musicais, Stefani Camuto, de vinte anos, conta que ganha 1.080 reais por seu trabalho (400 euros, aproximadamente), que votará em branco, que não confia em nenhum candidato, que espera estudar na universidade daqui a um ano e que participou das manifestações já quase remotas. “Lutamos por 20 centavos. E conseguimos o que pedimos: que não aumentassem os 20 centavos”, diz com ironia, com um sorriso amargo.

Nos últimos doze anos do Governo do PT, primeiro com Lula, de 2003 a 2010, e depois com Dilma, cerca de trinta milhões de pessoas saíram da miséria no Brasil e se instalaram em uma instável classe média. São famílias que recebem entre 1.700 e 3.200 reais (530 e 1.700 euros), que já pagam impostos, pedem crédito e contribuíram, com suas compras, à decolagem de um país de 200 milhões de habitantes que entre 2003 e 2010 cresceu a uma média de 4%. Mas esses mesmos serão os primeiros a sofrer e a decair se a economia continuar retrocedendo, se não se reativar. Ou seja, se a tendência não mudar (para utilizar a palavra da moda).

É noite, e Lula, o artífice, segundo muitos, dessa década prodigiosa, fala a uma plateia fiel, entregue, em um lugar pobre da interminável periferia sul de São Paulo. O ex-presidente, com a voz rouca depois de muitos comícios seguidos, antes de passar a palavra para Dilma Rousseff, relembra aos milhares de espectadores (famílias inteiras, grupos de vizinhos do bairro, colegas de fábricas próximas) as conquistas, em seu modo de ver, das últimas legislaturas.

— Em doze anos conseguimos melhorar a vida do pobre, que só comia frango, que nunca sonhou em viajar de avião.

Um metalúrgico do sindicato de 55 anos concorda. Então diz: “Ele, Lula, vinha para as fábricas daqui para nos dizer quando tínhamos que fazer greve, quando tínhamos que protestar. Voto nele porque conheço”. E acrescenta: “Não mudou: continua sendo o mesmo”.

Termina o comício. As pessoas se dispersam pelas ruas mal iluminadas, mal asfaltadas. A parada de metrô mais próxima, Campo Limpo, fica muito longe. As pessoas cantam, gritam em apoio a Dilma e Lula, tremulam as bandeiras vermelhas do PT. De repente, um helicóptero se eleva por trás de um edifício distante. Alguém garante que nele viaja a presidenta Dilma Rousseff. Uma mulher negra, enfiada em uma legging de lycra muito justa, joga um beijo:

—Obrigada, Dilma! Obrigada, Dilma!

Seu acompanhante olha para a mulher, depois para o helicóptero que se perde na noite, e na cidade escura que o envolve, é sua vez de gritar:

— Dilma, desce e vai de ônibus!

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