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Curso de três meses para desertores norte-coreanos

Processo de adaptação à vida na Coreia do Sul vai desde aprender sobre direitos humanos, a usar um cartão ou um computador

Naiara Galarraga Gortázar
Desertores norte-coreanos lançam balões de protesto contra o regime em direção ao seu país natal.
Desertores norte-coreanos lançam balões de protesto contra o regime em direção ao seu país natal.Ahn Young-joon (AP)

Escapar da Coreia do Norte é uma odisseia que exige dinheiro, paciência e sorte. É impensável cruzar diretamente para a Coreia do Sul. A linha que divide a península coreana em duas – a chamada Zona Desmilitarizada – é a última fronteira da Guerra Fria, a mais vigiada do mundo. Os desertores só podem fugir para a China e confiar em não serem descobertos pelas autoridades. Se o destino final é a Coreia do Sul, é imprescindível dar uma volta enorme pela Tailândia ou Mongólia, países que facilitam a passagem. No aeroporto de Seul começa o segundo capítulo de uma odisseia que equivale a uma viagem no tempo: passar de um Estado totalitário ancorado nos anos 1950 com uma renda per capita de 800 dólares (R$ 1.966) a uma potência mundial da eletrônica e da inovação, onde a renda per capita supera os 26.000 dólares (R$ 63.000).

A primeira parada em território sul-coreano para os refugiados é um centro de serviços de inteligência. São interrogados por semanas até haver a certeza de que não são espiões. Os desertores, então, entram em Hanawon, um centro governamental no qual, por 12 semanas, são preparados para se adaptar à nova vida. E isso implica aprender as coisas mais diversas. Inclusive ofícios como os de cozinheira, costureira, secretária, florista, garçom, mecânico de automóveis e soldador; usar um computador, um cartão de crédito (pagamentos em dinheiro são cada vez mais raros em Seul), descobrir o vocabulário que os sul-coreanos construíram desde a divisão da península e tirar a carteira de motorista.

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A adaptação requer outros conhecimentos que exigem uma completa reeducação. Recomeçar do zero. Limpar o que aprendeu na infância. Inclui estudar história – um relato que nada tem a ver com a propaganda à qual os refugiados estiveram expostos desde crianças, que culpa os Estados Unidos e "os fantoches sul-coreanos" de todos os males –, aprender como funcionam uma democracia liberal e a economia de mercado, o que as leis significam e no que consistem os direitos humanos. Entre as aulas, são visitados por dentistas e médicos.

Milhares de desertores fizeram esse curso acelerado para se adaptarem ao século XXI. Mesmo com casa, emprego e assistência financeira cedidos pelo Estado, integrar-se continua sendo um desafio enorme. Desde 1999 até a semana passada haviam chegado 27.132 desertores à Coreia do Sul (76% são mulheres, e 84% de três províncias do noroeste, na fronteira com a China). A sociedade sul-coreana tem 50 milhões de habitantes (o dobro que o vizinho do norte) e, em seis décadas, prosperou de maneira inimaginável. Mas o desenvolvimento econômico também construiu uma cultura de competição feroz, na qual as crianças frequentam aulas particulares até quase meia-noite, e dificilmente há espaço para aqueles que cresceram em uma ditadura na qual o emprego, a moradia e os alimentos básicos estão garantidos (em teoria).

A maioria dos desertores, porém, não está fugindo do repressivo sistema baseado no controle da informação e nos castigos coletivos. São donas de casa e agricultores que cruzam para a China escapando da miséria. Muitos nem planejam desertar, cruzaram à China para ganhar dinheiro – a corrupção abriu buracos na fronteira –, mas uma coisa levou a outra, e um dia eles aterrissaram em Seul.

Os desertores norte-coreanos são uma fonte fundamental para reconstruir as atrocidades do regime. "As primeiras perguntas são algo como 'Viu alguma produção visual feita fora do país?', 'Conhece alguém que tenha sido enviado a um campo de prisioneiros?', 'Alguém desapareceu de repente?', 'Conhece o conceito de direitos humanos?'" explica a pesquisadora Jeanne Kim. Com os depoimentos, ela e seus colegas formulam a base de dados do Centro para os Direitos Humanos na Coreia do Norte. Os relatos contam as histórias mais terríveis, muitas vezes ocorridas anos antes da fuga.

Tentar fugir para o sul ou ajudar outros a fazer isso é um ato castigado severamente. O sargento Kim Hyul-chun, de 23 anos, foi fuzilado por aceitar o suborno de oito mulheres que pretendiam ir para a China. Ele foi amarrado a um poste no pátio de um quartel da cidade de Dokso-ri, no norte da Coreia comunista. Era 9 de fevereiro de 2009. "Já estava meio morto quando o levaram ao pátio", explicou à ONG uma testemunha que pediu anonimato por segurança pessoal. "Havia dez soldados, cada um disparou dez balas. Disseram que ele precisava ser executado diante dos soldados para que servisse de exemplo", relatou, em 2012.

A divisão das Coreias separou milhares de famílias, como a de Heo Jeom-sun, de 72 anos. A sul-coreana Heo explica, em sua casa, em Paju, a dois passos da Zona Desmilitarizada, que há anos escreveu à Cruz Vermelha porque quer saber o que aconteceu com seu primo Jeong Beom, cuja família foi capturada no norte durante a guerra da Coreia (1950-1953). Continua esperando. Pouco antes de morrer, seu pai pediu que os localizasse. "E me deu um endereço, o único que tinha", conta para este jornal durante uma viagem para a qual foi convidada pela Fundação Coreia, organização vinculada ao Ministério de Relações Exteriores sul-coreano. Seus esforços ainda não produziram resultados por enquanto. "Quero saber se está vivo, se é um endereço falso, quem vive nessa casa", implora. Mesmo que esteja vivo e seja localizado, vê-lo novamente seria quase impossível. Os que estão há seis décadas esperando uma reunião com irmãos, pais ou filhos têm prioridade.

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